A Whirlpool é a líder mundial do setor de eletrodomésticos, mas está sob fogo cerrado dos concorrentes. Nos EUA, a briga envolve até processo por dumping, enquanto no Brasil as rivais prometem acabar com o seu reinado
O americano Jeff Fettig, CEO da Whirlpool, a maior fabricante de eletrodomésticos do mundo, é um homem sisudo. Alto e corpulento, ele gesticula pouco e tem voz de barítono, o que reforça o tom solene de suas palavras. Nos setes anos em que está no comando da empresa, que atua no Brasil por meio das marcas Brastemp, Consul e KitchenAid, além da fabricante de compressores Embraco, Fettig raramente concedeu entrevistas.
No final da primeira quinzena de junho, no entanto, ele reservou alguns minutos para um almoço com jornalistas de vários países na sede da companhia, em Benton Harbor, no Estado de Michigan, nos EUA. O encontro foi marcado como parte das comemorações do centenário da Whirlpool, celebrado em 2011. Se a data convida a festividades, o ambiente dos negócios não é nada amistoso para a companhia. Fettig lida atualmente com um assunto espinhoso: o acirramento da competição em seu negócio principal, o de linha branca, especialmente em função dos ataques das coreanas LG e Samsung.
O clima está tão pesado que a Whirlpool entrou com processo, no final de março, contra as duas rivais no Departamento de Comércio do governo dos EUA. A acusação é de que as concorrentes praticam dumping na venda de geladeiras e lavadoras naquele país. “Somos a favor do mercado global, mas há fortes indícios de que a LG e a Samsung estão violando as leis”, disse Fettig. A briga judicial com as duas companhias coreanas, que negam a prática de concorrência desleal, não chegou ao Brasil.
Mas a temperatura já subiu por aqui e promete ficar ainda mais quente, porque LG e Samsung pretendem construir fábricas de eletrodomésticos no País. Como se não bastasse, a japonesa Panasonic, nome tradicional na área de eletroeletrônicos, também anunciou recentemente investimento em uma unidade fabril específica para esse setor. Com um orçamento de R$ 200 milhões, a fábrica será erguida na cidade de Extrema, em Minas Gerais, e deve começar a operar no primeiro semestre de 2012. A expectativa da Panasonic, com a nova unidade, é conquistar até 10% do mercado nacional de refrigeradores e máquinas de lavar.
A LG é mais ambiciosa em seus planos para a linha branca. A empresa espera obter a liderança global desse setor até 2014, alcançando vendas de US$ 20 bilhões. Atualmente, ela ocupa a terceira posição no mercado internacional, junto com a Mabe, com aproximadamente 7%, ante os 8% da segunda colocada, a sueca Electrolux, e os 15% da Whirlpool. No Brasil, o primeiro passo para reforçar a operação já está sendo dado. Sua primeira fábrica de eletrodomésticos aqui será instalada na cidade de Paulínia, em São Paulo. O investimento deverá superar os US$ 115 milhões. Atualmente, a companhia mantém fábricas no município paulista de Taubaté, para produção de computadores, notebooks e celulares, e Manaus, no Amazonas, destinada a aparelhos de tevê e de som.
Whirlpool no Brasil: com três fábricas no País,a operação brasileira é a segunda maior da companhia
Como hoje operam por meio de importação e vêm de outros segmentos, LG, Samsung e Panasonic ainda detêm fatias pequenas do mercado brasileiro de eletrodomésticos. A intenção de produzir localmente, no entanto, é uma tentativa de mudar o quadro do setor, que, além da líder Whirlpool, tem como outras duas fortes participantes a Electrolux e a mexicana Mabe. “O número de concorrentes aumentou e a competição está muito forte”, afirma Ubirajara Pasquotto, presidente da rede varejista Cybelar.
Assim, o preço dos eletrodomésticos está diminuindo. “O valor médio de uma geladeira, por exemplo, caiu 10% nos últimos anos”, diz. A Cybelar tem 87 lojas no interior de São Paulo e 1.800 funcionários. Não é por acaso que as atenções estão voltadas para esse mercado. A combinação de expansão contínua da economia e o fortalecimento da chamada nova classe média tem feito o setor crescer acima da média do varejo.
Entre abril de 2010 e o mesmo mês de 2011, por exemplo, a categoria de móveis e eletrodomésticos cresceu 19,2%, enquanto o varejo subiu 10%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros). “Tem sido assim pelo menos desde 2009 e a tendência é de que o ritmo continue forte”, afirma Luiz Goes, sócio da GS&MD - Gouvêa de Souza, empresa brasileira especializada em varejo. Além disso, a massa de consumidores que migrou das classes D e E para a C estimula a reposição de itens de baixo valor, como os tanquinhos, para aparelhos mais sofisticados. “É por isso que todas as grandes fabricantes querem ter operação no País.”
Diante desse cenário, a Whirlpool é o alvo principal da disputa. Fettig sabe disso, mas relativiza a força da concorrência no Brasil. “Não alteramos os planos para o mercado brasileiro por causa disso”, afirmou. “Eles podem fazer quantos anúncios de lançamentos quiserem, mas nós temos as maiores fábricas, as marcas mais fortes e a melhor distribuição”, disse. O tom assertivo de Fettig se baseia no fato de o País ter se tornado, em 2010, a maior operação da Whirlpool fora dos EUA.
Responsável por 12% dos negócios da companhia, a subsidiária brasileira tem um faturamento anual de US$ 2 bilhões, pouco menos de 45% dos US$ 4,7 bilhões registrados pelo grupo na América Latina no ano passado. A Whirlpool tem ligações com o País desde a década de 1950, quando iniciou parcerias para transferência de tecnologia com a Brasmotor, empresa que criou a Brastemp e cujo controle adquiriu em 1997. Fettig elogia o desempenho dos executivos da companhia no Brasil, que classifica como uma força emergente no mercado global . “No passado, os EUA eram uma economia previsível”, disse à Dinheiro . “Hoje, o Brasil é que tem um ambiente econômico previsível, o que é muito bom para todos nós.”
Veículo: Revista Isto É Dinheiro