Lojistas driblam a escassez de talentos

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Programas internos de treinamento visam a preencher vagas em todos os departamentos

 

A onda de crescimento da indústria de shopping centers agrava um problema que já vinha sendo enfrentado pelo setor, que no final de 2010 empregava 732 mil pessoas: a escassez de trabalhadores qualificados. Segundo lojistas, administradores de shoppings e especialistas em recursos humanos, o apagão de mão de obra chegou de vez a essa indústria. "A gente percebe isso pelas reclamações dos clientes", diz Fernando Lucena, presidente do Grupo Friedman, empresa especializada em treinamento de vendas para o varejo. "Com o crescimento econômico, as empresas procuram gente pronta, preparada para o mercado e não encontram." Lucena lembra que o problema não vem de hoje e que pelas projeções de crescimento econômico, deve se agravar.

 

As empresas desenvolvem suas estratégias para contornar o problema. O varejista paranaense Carlos Canto, dono da rede Super Óticas São José, com 54 lojas no Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo e Amapá, conta que tem sido cada vez mais difícil encontrar bons funcionários para suas lojas, especialmente nos shopping centers, onde a expansão da São José prevê de cinco a sete novas lojas em malls por ano. "Só aí, são cerca de 40 novos funcionários que a gente precisa recrutar", diz.

 

Para espremer o limão da falta de mão de obra, Canto procura formar talentos na própria rede, investindo em treinamento. "Desenvolvemos um diferencial em relação aos concorrentes, que é um investimento nessa área de formação", diz. "O segredo é criar talentos, ensinar primeiro às pessoas, para colher os frutos depois." Segundo Lucena, o ideal é tentar garimpar profissionais que, se não estão prontos, tenham pelo menos um talento bruto. "Aquelas pessoas com iniciativa, compromisso, disposição para aprender", explica. "Dá menos trabalho do que tentar achar o profissional perfeito no mercado. Aliás, não é por acaso que muitas empresas dão prioridade aos aprendizes."

 

Luciene Freitas, diretora de recursos humanos da rede Itapuã Calçados, do Espírito Santo, conta que para enfrentar a escassez de mão de obra, além de manter um programa de treinamento, a empresa promove um processo permanente de seleção de pessoal. O resultado é um banco de talentos que corresponde a 10% da força de trabalho, o que hoje significam 200 pessoas. "O recrutamento é um processo lento e fica mais difícil com a economia aquecida", justifica. "Por isso, gerir e alimentar o banco de talentos é tarefa permanente dos nossos gerentes. Eles precisam dedicar um dia da semana para isso", explica.

 

Segundo Luciene, se não chega a resolver, essa medida pelo menos minimiza o problema. A rede possui 100 lojas no Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, grande parte delas em shopping centers. "O shopping normalmente lida com um público mais exigente, o que nos obriga a buscar um pouco mais de qualificação", pondera. "Além disso, muitos ficam em locais distantes e a carga horária é maior do que a exigida em lojas de rua. Isso afasta muita gente."

 

Mas essa dificuldade não está apenas da porta da loja para dentro. Também é difícil encontrar profissionais qualificados para trabalhar nas demais funções de um shopping. Fernando Lucena observa que o preparo dos empregados que atuam fora das lojas é decisivo para o bom desempenho dos empreendimentos. "O lazer, o estacionamento, a segurança, tudo ajuda a construir a experiência de compra do consumidor no shopping", observa.

 

Para algumas vagas, a situação chega a ser crítica. "Manutenção e engenharia são as áreas mais difíceis", diz Dirceu Benith Jr., diretor adjunto de operações do grupo Sonae Sierra, que opera sete shoppings no Estado de São Paulo - cinco na capital e dois no interior -, um em Brasília e outro em Manaus (AM). "Isso acontece especificamente nessas áreas por causa do superaquecimento no setor de construção civil", explica.

 

Segundo Benith, não há esperança de melhora nesse quadro no curto prazo. "Pela necessidade de infraestrutura, pelos investimentos ligados à Copa do Mundo de Futebol e à Olimpíada, pelo crescimento da população e da demanda por moradia, isso não vai mudar tão cedo."

 

Mas a falta de bons profissionais não atinge apenas essas áreas. "A falta de mão de obra qualificada é geral, a maioria dos trabalhadores não tem um padrão mínimo", diz Benith. O executivo acrescenta que embora o apagão de mão de obra não seja uma exclusividade dos shoppings, ele fica mais evidente no setor, pois de certa forma essa indústria é um espelho de grande parte do mercado de trabalho.

 

O grupo Sonae Sierra, por exemplo, prevê a inauguração de mais três malls no país, em Londrina (PR), Goiânia (GO) e Uberlândia (MG). Apesar da velocidade de crescimento do setor, Benith diz que ainda há muito potencial a ser explorado, mesmo nas grandes metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro.

 

Lucena, do Grupo Friedman, vê nesse movimento dos shoppings rumo ao interior mais um desafio para varejistas e administradores. "Em muitas cidades, um mall representa uma mudança social importante", explica. "Na inauguração de um shopping em Porto Velho, por exemplo, foi criada a primeira praça de alimentação da cidade e instalada a única escada rolante num raio de 800 quilômetros", conta, deixando para o final, um detalhe significativo. "Foi preciso importar mão de obra, do pedreiro ao vendedor."

 

Tão importante quanto recrutar e treinar é manter os talentos dentro da empresa. "Num mercado aquecido o bom profissional fica na vitrine e a concorrência é grande", aponta Lucena. Além disso, a falta de boas políticas de pessoal leva a rotatividade de mão de obra às alturas. "Já vi empresas no segmento com 300% de rotatividade de pessoal. O funcionário fica praticamente o tempo de experiência", diz. "Isso é muito ruim, porque um dos maiores diferenciais do bom vendedor é justamente o relacionamento com os clientes."

 

Para segurar os bons profissionais, as empresas precisam investir num bom ambiente de trabalho. "Como o recrutamento em geral é mal feito e o treinamento é ruim, vão promovendo gente despreparada para a chefia, o que cria um ciclo vicioso."

 

Ciclo que alguns empresários tentam quebrar. "Nosso turn over aumentou nos últimos dois anos, por causa do mercado aquecido, mas ainda é mais estável do que a média", diz Carlos Canto, da Super Óticas São José. O segredo, segundo ele, passa pela capacitação e também pela motivação do pessoal. "Nossa política é: entre como recepcionista e saia como lojista."

 


Veículo: Valor Econômico


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