Sócio francês passa a deter mais que o dobro das ações de Abilio Diniz na varejista brasileira
Advogado do Casino diz que plano entre Abilio, Carrefour, BTG e BNDES para fusão é "golpe de Estado corporativo"
Para fazer frente ao que chamou de "golpe de Estado corporativo", o grupo francês Casino, sócio de Abilio Diniz no comando do Pão de Açúcar, comprou em Bolsa nos últimos dias mais US$ 1 bilhão em ações da rede varejista brasileira e passou a deter mais que o dobro da fatia do empresário na empresa.
A aquisição foi anunciada um dia após Abilio comunicar ao mercado que obteve dinheiro do BNDES e do banco BTG Pactual para levar adiante plano de fusão com o Carrefour no país.
Com a compra de ações, o Casino eleva sua participação de 37% para 43,1% no capital total do grupo Pão de Açúcar, enquanto Abilio se mantém com 21% das ações.
A posição acionária do Casino no Pão de Açúcar se torna tão elevada que, mesmo se a fusão com o Carrefour sair, ele poderá ter influência decisiva na nova empresa.
No desenho original, o Casino teria papel menor que o de Abillio e o do Carrefour.
"GOLPE DE ESTADO"
O advogado José Carlos Dias, contratado pelo Casino para defendê-lo em eventuais ações criminais, disse à Folha que o plano que Abilio costurou com o Carrefour, o BTG Pactual e o BNDES equivale "a um golpe de Estado".
"Não se pode aceitar o que eu chamo de golpe de Estado corporativo. Fizeram um acordo secreto e estão usando o BNDES para pressionar os franceses", afirma o criminalista, que foi ministro da Justiça no governo de FHC.
Para ele, seria vexaminoso e humilhante para a imagem do Brasil a noção de que o país não respeita contratos.
O acordo de acionistas assinado em 2005 entre Abilio e Casino previa que o grupo francês passaria a controlar o Pão de Açúcar em 2012.
O plano apresentado por Abilio, BTG e BNDES não inclui o Casino na direção dos negócios a partir de 2012.
O advogado diz que não dá para entender as razões que levaram o BNDES a se dispor a investir R$ 3,9 bilhões num negócio que não tem nada a ver com política industrial, seu suposto foco.
A assessoria jurídica da Estáter, que fez o plano de fusão, diz que a acusação de "golpe de Estado" é infundada por duas razões:
1) o acordo de acionistas do Pão de Açúcar com o Casino não proíbe nenhuma das partes de negociar com outros parceiros; 2) a proposta de fusão apresentada anteontem não viola o acordo de acionistas porque precisa ser aprovada pelos órgãos corporativos das empresas.
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O Casino tem argumentos contratuais, comerciais e até éticos para rejeitar a fusão com o Carrefour no Brasil.
Mas ficará em situação difícil perante seus acionistas se impedir o avanço de um negócio que pode ser interessante para a empresa.
O principal argumento é a receptividade do mercado, que elevou as ações em 9,8% nos últimos dois dias, com a visão de que aumentarão os ganhos do grupo.
Além do dinheiro barato do BNDES, do apoio do governo Dilma, a fusão traz uma economia com corte de custos de R$ 1,6 bilhão por ano, segundo estudo da Fundação Getulio Vargas que acompanha a proposta.
O ganho é citado em entrevista à Folha por Percio de Souza, sócio da Estáter, empresa que fez a intricada operação de fusão, para tentar provar que as três empresas -Pão de Açúcar, Casino e Carrefour- teriam ganhos com a junção dos negócios no Brasil e na França.
O Casino ganharia R$ 230 milhões ao ano, se a estimativa da FGV estiver correta.
Os ganhos seriam decorrentes de sinergia, aumento de eficiência e de melhoras na logística, aponta o estudo.
Do ponto de vista comercial, elimina um dos dois únicos rivais de porte (sobra só o Walmart), aumentando o poder de barganha junto a fornecedores e estreitando as opções dos consumidores.
Com presença em diferentes países, diversifica as apostas e reduz a dependência de um só mercado.
"É um ganha, ganha, ganha. Ganha o acionista e o próprio consumidor, graças ao repasse de sinergias. Todos os acionistas do Carrefour e do Pão de Açúcar terão tempo para avaliar, podendo aceitar ou não. Não tem hostilidade nessa oferta", disse Carlos Fonseca, sócio do banco BTG Pactual.
O melhor argumento contrário é que o Carrefour brasileiro, que enfrenta dificuldades e teve rombo de 500 milhões em 2010, teria sido superavaliado na transação.
Na fusão, o Carrefour entra com 31% da nova empresa, enquanto o Pão de Açúcar fica com 69%. Também haveria conflito de interesse porque, quanto mais alta a avaliação do Carrefour brasileiro, mais os acionistas da matriz se beneficiam.
Segundo Percio de Souza, consultor da Estáter e "arquiteto" da fusão, Abilio não teve oportunidade de "vender" o negócio aos franceses.
"Não tivemos escolha. Eles não quiseram nos ouvir. Se não aprovar, o negócio não ocorre. Mas eles vão ter que assumir o ônus, para o resto da vida, de ter barrado uma oportunidade importante para todos", disse.
"GANHO BRUTAL"
De acordo com o estudo, o lucro por ação passaria de R$ 2,80 para R$ 4,70, o que Souza classifica de "ganho brutal". "Todos os acionistas terão ganhos financeiros."
O engenheiro diz que, do 1,7 bilhão que será injetado pelo BNDES na operação, 1,5 bilhão vai ser investido no Brasil, para aumentar o capital da NPA (Novo Pão de Açúcar), empresa que nasceria da fusão dos três grupos.
Os 200 milhões restantes (equivalentes a R$ 460 milhões) seriam aplicados na França, na compra de ações do Carrefour.
Um fundo do banco BTG Pactual entraria com mais 800 milhões a serem investidos na França, ainda segundo o financista.
"Não é verdade que o Casino vai ser dirigido por um concorrente. A direção vai ser da NPA", rebate. Na França, ocorreria o inverso, segundo ele: o Casino passaria a controlar o Carrefour.
Veículo: Folha de S.Paulo