Cade: os casos Kolynos e Ambev, dez anos depois

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Entre avanços e recuos, conselho se tornou importante para evitar abuso de poder.

 

Após mais de dez anos é possível avaliar a atuação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) no controle de fusões após a Lei 8.884 de 1994. O controle de fusões, em conjunto com a repressão de condutas como cartéis e abuso de empresas dominantes, são as principais atividades da defesa da concorrência.

 

Três casos marcaram esse período: Kolynos-Colgate (1996), Brahma-Antarctica (Ambev, 2000) e Nestlé - Garoto (2004, mas ainda pendente de decisão).

 

O foco deste artigo é a análise dos resultados das medidas compensatórias impostas pelo Cade nos casos Kolynos-Colgate e Ambev. Infelizmente, ambos, por razões diversas, se mostraram rotundos fracassos.

 

O primeiro caso, em 1996, tirou a marca Kolynos do mercado de pastas de dente, após ter sido comprada pela Colgate. Em 1994 a Colgate detinha 25,6% do mercado, a Kolynos, 52,5% e a Gessy Lever, 18,2%. Kolynos e Colgate totalizavam 78,1% do mercado de pastas de dente. Conforme a análise do Cade, existiam barreiras à entrada de novas empresas, especialmente relacionadas à fidelidade às marcas existentes por parte dos consumidores e pelo sistema de distribuição. A compra, portanto, ampliava o poder do detentor das marcas, a Colgate.

 

Para resolver essas dificuldades foi tentada uma solução comportamental (retirada da marca Kolynos por um certo período de tempo) que fracassou. A empresa foi rápida ao lançar uma marca alternativa (Sorriso) que herdou os consumidores da Kolynos e o Cade não soube reagir a tempo. Como se verá a seguir, provavelmente esse tipo de medida não seria eficaz de qualquer modo.

 

Todavia, há que se considerar as circunstâncias. Em 1996 o conselho iniciava o controle de grandes concentrações, sua força era diminuta e a sociedade estava começando a entender sua finalidade. Assim, malgrado suas boas intenções, o fracasso de uma solução criativa fez parte do processo de aprendizado. Importante foi a discussão na opinião pública sobre o caso e a importância do controle de poder econômico.

 

Malgrado suas boas intenções, o fracasso de uma solução criativa fez parte do processo de aprendizado
Quatro anos depois, houve a decisão da fusão Antarctica e Brahma que permitiu a criação da Ambev. As marcas pertencentes às duas empresas, Brahma, Skol e as pertencentes à Antarctica, representavam algo como 75% das vendas de cervejas no Brasil. Assim, a formação da Ambev resultou numa empresa que comandaria um amplo portfólio de marcas (incluindo as três mais aceitas pelos consumidores, a quarta, Kaiser, estava bem abaixo no ranking para os tomadores de cerveja), as três redes de distribuição de cerveja com maior penetração e capilaridade no país e capacidade instalada suficiente para atender, sozinha, a totalidade da demanda nacional.

 

Apesar de tal acúmulo de poder, a decisão do Cade obrigou apenas a venda da marca Bavária (que detinha algo como 3% do mercado) e mais algumas medidas paliativas pouco relevantes. A decisão foi inócua, a Ambev tornou-se a empresa dominante nesse mercado e já sofreu vários processos por abuso do tal poder (entre eles, a maior multa já aplicada pelo conselho por exclusividade em pontos de venda).

 

O período após a decisão da Ambev até o caso Nestlé-Garoto, em 2004, foi um período de irrelevância da defesa da concorrência no Brasil. O Cade passou a ser uma espécie de "cartório" que cuidava apenas da apresentação tempestiva de documentos. O impacto na opinião pública do caso Ambev foi, em minha opinião, avassalador, de desmoralização. Não há quem possa apontar qualquer decisão importante tomada no período 2000-2004. Também não houve, como no caso Kolynos-Colgate, a justificativa de inexperiência do órgão, que muito havia evoluído entre 1994 e 2000.

 

Quais os motivos dos fracassos? Seguindo Massimo Motta (2004), que analisou a experiência europeia sobre remédios para concentrações, existem dois tipos de soluções: 1) estruturais e 2) comportamentais. O primeiro obriga a desinvestimentos de ativos e deve permitir ao comprador dos ativos agir como concorrente viável. O segundo obriga a empresa a seguir certas condutas.

 

Os problemas com os desinvestimentos ocorrem quando: a) os ativos desinvestidos não geram empresa sustentável; b) existe assimetria de informações entre comprador e vendedor dos ativos; c) eles mantêm relação entre comprador e vendedor (por exemplo, um fornece insumo para o outro). Os remédios comportamentais incluem, entre outros, mecanismos de não discriminação e licenciamento de marcas/patentes. Apresentam como problemas, o fato de serem difíceis de administrar e de fracassar se não houver monitoramento.

 

Os casos Kolynos e Ambev não deram a devida atenção a essas lições. No caso Ambev foi totalmente ilusório acreditar que vender uma marca com 3% de share e alguns ativos poderia compensar uma fusão que gerou empresa com mais de 70% em mercado com altas barreiras. No caso Kolynos, faltou maior monitoramento e a venda de ativos para viabilizar algum concorrente.

 

Para concluir, rever esses casos é sempre útil porque o Cade, entre avanços e recuos, tornou-se importante para evitar abuso de poder, seja sobre o consumidor (o cidadão comum), seja para permitir que empresas eficientes, médias e pequenas, não sejam excluídas do mercado de forma injusta. É claro que a presente avaliação não pretende esgotar o tema, mas, apenas contribuir com o aprendizado que a análise do passado sempre nos traz (ou deveria trazer). (Arthur Barrionuevo é professor da FGV-EAESP, especialista em concorrência e regulação, ex-conselheiro do Cade.)

 

Veículo: Valor Econômico

 


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