A dona da ervilha Jurema vai dar um tempo. Com 36 anos de mercado, a Brasfrigo encerra a produção de molhos e vegetais em conserva no início de dezembro. A fábrica, em Luziânia, GO, será fechada - temporariamente, segundo o comando da companhia. No mercado, porém, fontes próximas à companhia afirmam que é para sempre. Além de acumular dívidas e prejuízos, a empresa do grupo mineiro BMG (o mesmo do Banco BMG) sofre de má gestão e de baixa qualidade de produto.
"Este ano vamos ter prejuízo mais uma vez", diz Cláudio Vilar, um dos executivos do grupo BMG que formam um comitê criado no início do ano com a missão de reestruturar a empresa. Com perdas acumuladas em R$ 299 milhões - de acordo com o balanço de 2009, o último publicado pela empresa - a Brasfrigo, segundo Vilar, produziu muito mais do que vendeu ao longo de 2011. "Temos um estoque que equivale de quatro a seis meses de produção, quando o normal é ter no máximo um mês e meio."
A empresa tem uma dívida maior que o faturamento (R$ 247 milhões). Em 2009, devia R$ 268 milhões - sendo R$ 215 milhões com empresas do grupo (partes relacionadas). "Não posso dizer quanto é a dívida atual nem dar detalhes de credores, mas ela cresceu", diz Vilar.
Dever para "partes relacionadas" é complicado, diz o analista da Austin Rating, Luis Miguel Santacreu. É importante, segundo ele, que a empresa especifique essas partes. "A Brasfrigo não pode dever para o banco BMG, pois isso se configuraria crime do colarinho branco", diz.
"Paramos para colocar a roda funcionando de novo. Assim, vamos cobrir esse prejuízo", diz Vilar. Mas o processo não tem sido tranquilo. Parte dos executivos do comitê de recuperação, segundo ele, saiu da empresa. "Disseram que a Brasfrigo não tem jeito", diz Vilar. Em outubro, 100 dos 900 funcionários foram demitidos. O restante entra em férias coletivas em dezembro. A volta - dos funcionários e da produção - está prevista para o primeiro trimestre de 2011. Mas há quem duvide. "Eles estão fechando definitivamente", afirma um ex-executivo.
Um representante de uma rede varejista acredita que a qualidade e a política comercial inconstante derrubaram a Brasfrigo. "Uma hora eles fazem um bom produto, na outra pisam na bola", diz ele. No mês passado, por exemplo, a Vigilância Sanitária de Minas Gerais interditou um lote do extrato de tomate Jurema após detectar "pelo de roedor" no produto. "Roedores gostam de plantação de tomate. Mas, usamos temperaturas superaltas no processo de fabricação do molho. Mesmo que apareça algum pelo, ele se torna inócuo", afirma Vilar.
Família. A inconstância na estratégia comercial, diz um ex-executivo da Brasfrigo, é fruto da ingerência da família Pentagna Guimarães, dona do Grupo BMG. "Eles trocam os executivos conforme discutem entre si. Entra muita gente sem experiência. Não há gestão que aguente."
Os Pentagna Guimarães são uma família rica e tradicional de Minas Gerais. Fundaram em 1906 a tecelagem Ferreira Guimarães, em recuperação desde 2007. O patriarca, Flávio Pentagna Guimarães, é dono do grupo ao qual pertencem, além do banco BMG, fazendas de gado, parques eólicos, empresas de energia e negócios imobiliários. Dentre todas essas empresas, a Brasfrigo é o patinho feio, dizem pessoas próximas ao BMG. "Bens de consumo não são o forte dos Pentagna. Eles gostam de negócios com margem alta. Por isso nunca deram atenção à Brasfrigo."
A Brasfrigo, na verdade, surgiu por acaso. Foi fundada em 1975 para estocar carne para o governo federal, que controlava preços com estoques. Com o fim dessa política nos anos 80, o frigorífico passou a congelar vegetais que eram vendidos para indústrias de alimentos. A família, então, decidiu transformar a empresa em sua própria indústria de alimentos em conserva.
A marca Jurema chegou mais tarde. Foi criada pela Cica em 1966 e adquirida pela Unilever anos depois. Em 2004, a Brasfrigo a comprou da multinacional. Também adquiriu a marca Jussara, que pertencia à Arisco.
Naquela época, a Brasfrigo até que engrenou. Passou de um faturamento de R$ 140 milhões ao ano no começo da década e chegou a R$ 380 milhões em 2007. "Mas aí a família decidiu mudar toda a equipe no comando e nada dava certo. As vendas foram encolhendo e o prejuízo aumentando", diz outro ex-executivo.
Em 2007, já em crise, a empresa recebeu sua primeira proposta de venda, feita pela francesa Bonduelle. "No dia da assinatura, o Dr. Flávio discordou dos franceses e rasgou o contrato na frente deles", lembra o executivo, referindo-se ao patriarca. Ele conta que a Bonduelle não queria assumir dívidas da Brasfrigo, o que teria desagradado Pentagna. Nem Bonduelle, nem Brasfrigo comentam o assunto.
Em 2010, uma segunda tentativa de venda foi firmada com a Camil Alimentos. Mais uma vez, as dívidas pesaram e a Camil desfez o acordo de compra. "Flávio Pentagna ficou furioso, mas não teve jeito", diz uma fonte.
Veículo: O Estado de S.Paulo