Com a falta de mão de obra no mercado interno, o País atrai profissionais do Exterior que fogem da crise global. Nos últimos quatro anos, o número de vistos de trabalho cresceu 60%.
Há cinco anos, o engenheiro sueco Stefan Nilsson, 42 anos, desembarcou na capital paulista com a esposa, um filho recém-nascido, duas cafeteiras Nespresso e 400 cápsulas de café. Chegava ao País com um plano ambicioso de abrir o mercado latino-americano para a empresa de máquinas de café gourmet. Ser bem-sucedido nessa missão era uma questão de honra após três anos tentando convencer a matriz da Nespresso, na Suíça, a inaugurar uma operação em São Paulo. Nilsson queria provar que os planos globais da empresa não podiam deixar de fora o potencial de crescimento da economia emergente. A seu favor, o executivo trazia uma experiência no Brasil – ele havia trabalhado na indústria de embalagens Tetra Pak entre 1994 e 1995 – e a convicção de que o mercado nacional era realmente promissor.
O sucesso da marca no País, atualmente, deixou claro que a insistência do executivo foi acertada. Hoje, como CEO da empresa para a América Latina, Nilsson espera convencer a matriz a inaugurar uma fábrica da Nespresso por aqui, a primeira fora da Suíça. A meta é estratégica, mas Nilsson não esconde que seria uma ótima oportunidade de unir o útil ao agradável. O executivo fixou endereço no País, que se transformou num oásis diante de uma economia global estagnada. “Com o crescimento dos últimos anos, não tive dúvidas de que aqui era o meu lugar”, afirma o engenheiro sueco. A decisão de cruzar fronteiras, e de apostar todas as fichas no mercado brasileiro, é cada vez mais comum entre profissionais estrangeiros.
A crise nos mercados mais maduros explica o êxodo de profissionais qualificados dos Estados Unidos, da Europa e do Japão. Além disso, o crescimento da economia brasileira elevou os salários, em comparação ao resto do mundo. “O Brasil oferece remunerações mais elevadas e perspectivas de crescimento profissional”, diz Ricardo Guedes, diretor da empresa de recrutamento Michael Page, no Rio de Janeiro. Um levantamento do grupo mostra que diretores comerciais e de marketing, engenheiros elétricos e gerentes de marketing ganham mais empregados aqui do que em outros grandes mercados (veja quadro ao final da reportagem). Segundo a GNext, empresa de recrutamento com foco em profissionais na posição de gerência, há companhias dispostas a oferecer 120 mil euros anuais no Brasil para cargos de consultoria que em Portugal, por exemplo, pagariam 80 mil euros anuais.
“No setor de óleo e gás, um dos mais carentes de profissionais locais, a diferença de salário para países da Europa chega a 70%”, diz Fabiano Kawano, gerente de engenharia e TI da Robert Half. “Os profissionais locais estão demandando salários tão altos que sai mais barato trazer um profissional de outro país.” Ciente das oportunidades de ouro na terra de Cabral, a economista portuguesa Isabel Moises, 44 anos, resolveu batalhar por uma vaga em São Paulo há dois anos. Ela era diretora de recursos humanos da Heineken em seu país, quando a empresa comprou a divisão de cervejas da Femsa no Brasil e passou a administrar as marcas Kaiser, Sol e Bavaria. Isabel fez parte de uma equipe internacional responsável pela integração entre os funcionários da Heineken e os da Femsa no começo de 2010.
A economista teve exatos três meses para dizer se queria transferir-se em definitivo para cá. A decisão não era tão óbvia – Isabel já tinha recusado, no fim da década de 1990, uma proposta de outra empresa para trabalhar em São Paulo. “A imagem brasileira, naquela época, era de muita violência urbana e eu tinha medo de viver enclausurada”, diz Isabel, que, por via das dúvidas, anda atualmente em carro blindado. “Por precaução, eu não carrego bolsa a tiracolo nem iPad.” Mesmo cautelosa, a atual vice-presidente de recursos humanos da Heineken acabou se apaixonando pela cidade e, principalmente, pelas praias paulistas. Foi durante um fim de semana, em maio de 2010, que ela recebeu o ultimato da direção da cervejaria para definir o seu futuro.
O momento não poderia ter sido mais propício. A economia estava bombando (cresceria 7,5% naquele ano), enquanto a Europa ainda vivia os efeitos da crise de 2008, que viriam a se aprofundar em seguida. Sentada à beira-mar na praia de Camburizinho, no litoral norte de São Paulo, Isabel disse “sim”, ao telefone, para o seu chefe na matriz. “Desde então, não paro de receber currículos de colegas portugueses, de todas as profissões, perguntando como é a vida por aqui”, afirma. Para a direção da Heineken, a decisão de Isabel foi um alívio, dada a dificuldade que a empresa tem para contratar executivos com o mercado tão aquecido. A escassez de mão de obra qualificada no País é resultado da expansão da atividade econômica nos últimos anos, agravada, ainda, pela falta de investimentos maciços em educação.
A taxa de desemprego de janeiro, segundo o IBGE, foi de 5,5%, o que coloca o País em nível de pleno emprego. Em diversas áreas, como construção, tecnologia e energia, a oferta de vagas supera o total de candidatos disponíveis. Um estudo recente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) apontou que a falta de profissionais é uma das maiores deficiências da economia brasileira e afeta 69% das empresas do setor. Assim, o plano de importar colaboradores entrou no rol de prioridades de muitas empresas. Dados do governo federal mostram que, nos últimos quatro anos, o número de autorizações concedidas a estrangeiros cresceu 60%, chegando a 70.524 em 2011. Desses, 1.368 são profissionais que estão assumindo cargos de alta direção, quase o dobro do registrado em 2008.
O engenheiro elétrico italiano Vincenzo Di Giorgio, 41 anos, integra essa lista de imigrantes. Depois de 13 anos de casa, ele largou, em 2009, um cargo de diretor na TIM Italia para assumir o comando de outra companhia italiana no Brasil. Fascinado pela qualidade de vida proporcionada pelo Rio de Janeiro, e de olho no salário atraente, ele aceitou o cargo de CEO para a América Latina da Onda Mobile Communication, fabricante de tablets e celulares e fornecedora de modens para as operadoras TIM e Vivo. Esta é a segunda passagem profissional de Di Giorgio pelo País. Em 2001, ele atuou durante quatro anos na implantação da TIM. Mesmo de longe, nunca deixou de prestar atenção na curva ascendente do mercado nacional de telecomunicações. A quantidade de celulares, por exemplo, saltou de dez milhões para 245 milhões nos últimos dez anos.
Números tão auspiciosos reforçaram a sua decisão de voltar num momento em que a crise derrubava as principais economias desenvolvidas. “Quando deixei Roma, há três anos, não via perspectiva de crescimento para a Itália”, diz Di Giorgio. “Acreditei na expansão do Brasil e, ao mesmo tempo, tive a oportunidade de dar um salto na carreira.” Casado desde o ano passado com uma italiana que conheceu na capital fluminense, este ano ele será pai de uma menina que o casal faz questão de que seja brasileira. Alcançar um final feliz como o de Di Giorgio, entretanto, tem demandado uma dose extra de paciência dos profissionais para conseguir um visto de trabalho. São inúmeros os relatos de profissionais que esperam até um ano para conseguir o aval do governo brasileiro.
“O visto de trabalho é caro e complexo para as empresas”, diz Denyz Monteiro, sócio-diretor da Fesa, consultoria especializada em altos executivos. “Há casos em que é mais fácil ir atrás de um brasileiro no Exterior e repatriá-lo do que trazer um estrangeiro” (veja texto na página 72). Ciente do gargalo, o Ministério do Trabalho elabora um projeto para acelerar a tramitação dos processos. “Toda demanda de mão de obra estrangeira será atendida”, afirma Paulo Sérgio de Almeida, coordenador-geral de imigração do Ministério do Trabalho. A pedido da presidenta Dilma Rousseff, a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) vai elaborar uma nova política nacional de imigração. A proposta é agilizar a entrada de profissionais exatamente em áreas onde há carência de mão de obra.
O ministro da SAE, Wellington Moreira Franco, afirma que o processo ainda está no início. “Temos consciência de que precisamos de uma nova política imigratória”, disse Franco à DINHEIRO. A expectativa é facilitar o acesso de pelo menos 400 mil estrangeiros para preencher as lacunas mais urgentes do mercado local. Um dos setores mais carentes é o de construção civil, que tem atraído milhares de candidatos europeus. “Já temos mais de 20 mil engenheiros portugueses cadastrados em nossa comunidade de relacionamento de diversas áreas, como elétrica, mecânica, civil e ambiental”, diz Denise Barreto, sócia da empresa paulista de recrutamento GNext. O elevado fluxo de investimentos em infraestrutura, com os eventos esportivos em 2014 e 2016, e a exploração do pré-sal tendem a aumentar ainda mais as ofertas de vagas para a categoria.
“Mesmo com os riscos de se importar gente, como as barreiras culturais, as companhias estão sendo obrigadas a estimular a crescente entrada de executivos estrangeiros para honrar prazos”, afirma Matilde Berna, consultora de carreiras e diretora da Right Management, de São Paulo. O caminho para os engenheiros, entretanto, tem ainda mais obstáculos do que para outras áreas. Isso porque a profissão, no Brasil, exige um registro no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea). Segundo José Carlos Martins, vice-presidente da Câmara Brasileira da Indústria de Construção Civil (CBIC), para pleitear um visto de trabalho, os estrangeiros precisam passar por um longo e burocrático trâmite junto aos conselhos regionais de cada Estado.
Embora reconheça a carência – as universidades nacionais formam 40 mil engenheiros por ano, mas a demanda é por 70 mil –, o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea) não vê com grande simpatia a concorrência que vem do Exterior. A entidade chegou a propor que os engenheiros estrangeiros falem a língua portuguesa como condição para trabalhar por aqui. A ideia, felizmente, foi descartada. Na verdade, o mercado local está tão aquecido que tem acolhido até mesmo os profissionais que vieram com a cara e a coragem, sem um emprego definido. É o caso da engenheira italiana Silvia Bordoni, 30 anos. Em 2009, no auge da crise internacional, ela pediu demissão da companhia área Alitalia, na qual trabalhava desde 2006 no departamento de compras, para fazer um MBA na capital paulista.
Formada pela Universidade de Roma Tor Vergata, Silvia acredita ter tomado a decisão correta. “A Itália estava com a economia estagnada e as perspectivas que eu tinha lá eram mínimas”, diz a engenheira, que integrou a primeira turma voltada para estrangeiros com aulas em inglês da FIA Business School. Desde setembro de 2010, a italiana trabalha no departamento de compras da Eisenmann do Brasil, uma empresa alemã especializada em sistemas de pintura automotiva. “Hoje minha condição é muito mais confortável do que a de meus colegas de faculdade que atuam no mercado italiano”, afirma Silvia, que não pretende voltar tão cedo para a sua terra natal. “Além de ganhar mais, tenho boas perspectivas de crescimento.” Outro que decidiu vestir a camisa verde-amarela foi o parisiense Fabrice Wermus, 28 anos, formado em administração com ênfase em marketing.
Seu primeiro contato com o País aconteceu em 2008, quando foi trainee por três meses na Accentiv'Mimética, uma empresa de soluções de marketing do grupo francês Edenred. Depois da experiência, Wermus voltou para sua cidade natal, onde ficou desempregado durante seis meses. “Por conta da crise, cortaram muito a verba de marketing das empresas”, diz. “As únicas vagas que apareciam eram para voltar a ser trainee.” Em vez de ficar reclamando da falta de sorte, Wermus mandou um e-mail para seu ex-chefe no Brasil pedindo uma oportunidade. Depois de um burocrático trâmite de nove meses para tirar o visto de trabalho, ele desembarcou no País para trabalhar no departamento de marketing da Ticket, que também pertence ao grupo Edenred.
“Me mudei com planos de ficar apenas dois anos, mas agora pretendo construir minha carreira aqui”, afirma o jovem administrador, que também já recebeu vários currículos de amigos europeus. Ele observa que o lado ruim de se trabalhar em São Paulo é ser obrigado a enfrentar o trânsito, um choque para quem convivia com a extensa rede de metrô da capital francesa. Mas do ponto de vista financeiro, garante, a mudança valeu a pena. Pelo lado afetivo, a transferência também mostrou-se bem-sucedida. Wermus já arrumou uma brasileira e, de quebra, deixou-se seduzir pela mais famosa das festas nacionais. Estreou no Carnaval deste ano desfilando pela escola de samba paulistana Rosas de Ouro. Assim como o Carnaval, o mercado de trabalho está recebendo estrangeiros, como ele, de braços abertos.
O retorno das mentes brilhantes
O cenário econômico pujante no Brasil não é sinônimo de oportunidades atraentes apenas para os profissionais estrangeiros. Muitos executivos brasileiros, que deixaram o País para trabalhar no alto escalão de empresas multinacionais, estão recebendo propostas tentadoras para retornar. De acordo com dados da Michael Page, uma das principais companhias de recrutamento profissional, a repatriação de executivos brasileiros cresceu 58% no ano passado em relação a 2010. “Esses profissionais são uma excelente contratação porque, além de muito qualificados, conhecem o nosso mercado e a nossa cultura mais do que qualquer estrangeiro”, afirma Angélica Wiegand, sócia e diretora da empresa de recrutamento CTPartners. “A política de bonificação mais agressiva no Brasil ajuda a atraí-los.”
O engenheiro de produção com especialização em administração Francisco da Rocha Campos, 50 anos, retornou ao Brasil no fim do ano passado. Ele deixou um cargo executivo na American Express, no México, para assumir a presidência da operadora de turismo CVC. Um ano antes, foi a vez de o engenheiro de alimentos Stephan Schuermans, 42, desembarcar no aeroporto de Guarulhos. O executivo trabalhou 11 anos na filial indiana e na sede da Cargill, nos Estados Unidos, onde ocupou o posto de gerente de operações. Schuermans recebeu uma proposta para ser o diretor-executivo de operações da Trigo Brasil, uma aliança entre a holandesa Bunge Alimentos e a brasileira J.Macedo, em São Paulo. “Foi uma oportunidade perfeita porque uniu meus objetivos pessoais com os profissionais”, afirma o executivo.
“Os negócios estão fervendo aqui no Brasil.” A paulistana Alessandra Batalha é outra que voltou do Exterior a convite do laboratório Boehringer, em 2010, para assumir a diretoria de marketing da empresa. A executiva estava havia três anos nos Estados Unidos, no grupo Eli Lilly, onde foi uma das responsáveis por tornar o Cialis, droga contra a impotência masculina, um sucesso mundial da marca. “Hoje o Brasil é um país que faz diferença nos negócios globais de uma companhia”, afirma. A IBM também conseguiu repatriar três cientistas brasileiros para coordenar os trabalhos de seu novo centro global de pesquisa: o geólogo Ulisses Melo, o matemático Cláudio Pinhanez e o engenheiro Sérgio Borger. Todos com mais de dez anos de experiência na empresa fora do Brasil. “Hoje há claramente um anseio de tornar o Brasil uma sociedade do conhecimento”, disse Melo à DINHEIRO.
Veículo: Isto É Dinheiro