Influenciados pelo surto de aversão ao risco que tomou conta dos mercados financeiros e incertezas em relação aos fundamentos de oferta e demanda, os preços da soja sofreram ontem a sua sexta queda em sete pregões na bolsa de Chicago. Os contratos com vencimento em julho, os mais negociados neste momento, fecharam com desvalorização de 8 centavos, cotados a US$ 14,3025 por bushel.
Segundo agentes do mercado, vendas de fundos que aplicam em commodities têm exercido forte pressão. Desde o dia 1º, esses investidores teriam liquidado mais de 43 mil contratos de compra em soja, com os quais apostam na alta das cotações. No mesmo período, os preços do grão caíram 5%. Trata-se de uma mudança de postura em relação às semanas anteriores. Entre março e abril, a posição líquida comprada pelos investidores no mercado de soja praticamente dobrou e atingiu a marca recorde de 253,8 mil contratos.
Segundo Vinícius Ito, analista do Jefferies Bache, em Nova York, a reversão reflete principalmente as preocupações com a situação econômica na Europa, que se acentuaram após as eleições do último fim de semana. "Os fundos liquidaram posições em praticamente todas as commodities. É um movimento generalizado de aversão ao risco".
Desde o começo do mês, o índice de commodities CRB (que monitora uma cesta de matérias-primas agrícolas, metálicas e energéticas) caiu 3,63%, enquanto o índice dólar (que reflete o comportamento da moeda americana em relação a uma cesta de divisas) subiu 1,74%.
A guinada do dólar, que reflete a busca dos investidores por ativos considerados seguros, força para baixo os preços das commodities, à medida que o mercado se ajusta ao câmbio dos países importadores e exportadores.
Além de lidar com os demônios do mercado financeiro, os traders terão de digerir os novos números de oferta e demanda que o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) divulga ao fim da manhã.
Os novos números abrem caminho para que os traders voltem a olhar, ao menos momentaneamente, para os fundamentos do mercado. A expectativa dos analistas é que o USDA reduza ainda mais a previsão para os estoques americanos de passagem da safra 2011/12, de 250 milhões para 214 milhões de bushels, reflexo da forte demanda da China por soja dos EUA.
Os analistas também apostam em nova redução da produção estimada para a Argentina, fortemente castigada pela estiagem, de 45 milhões para algo entre 41 milhões e 43 milhões de toneladas. A projeção para o Brasil deve ficar estável, em 66 milhões de toneladas, segundo traders. "Embora sejam esperados, os números podem ajudar a sustentar os preços da soja se o mercado financeiro permitir", diz Flávia Moura, analista da Newedge USA, em Nova York.
A quebra da produção na América do Sul foi a grande responsável pela pressão sobre os estoques americanos neste fim de safra, uma vez que obrigou a China a transferir parte de suas compras para o Norte.
Apesar da queda dos preços nas últimas semanas, a demanda por parte dos chineses continua aquecida. Em maio, as compras oficiais (reportadas pelo USDA) junto a exportadores americanos somaram 1,1 milhão de toneladas, contra 1,8 milhão em todo o mês de abril. Mas o número pode ser maior.
Contudo, a China também é uma incógnita. Segundo a Bloomberg, o governo chinês estuda leiloar 3 milhões de toneladas de soja de suas reservas a partir do fim do mês. Ainda conforme a agência, o país estocou 6 milhões de toneladas entre 2008 e 2009, depois que os preços da commodity desabaram em virtude da crise financeira. Com o leilão, o país reduziria seus custos de importação e, de quebra, abriria espaço para alguma redução nas cotações.
Outro fator de incerteza é o tamanho da nova safra americana. Analistas acreditam que os produtores dos EUA responderam aos preços mais altos e plantaram mais soja do que o USDA apontou em 31 de março. Em estimativa divulgada na última semana, a Informa Economics previu o cultivo de 30,68 milhões de hectares no país. O número é maior do que o previsto anteriormente pela consultoria (30,39 milhões) e superior aos 29,90 milhões de hectares esperados pelo USDA em março.
No entanto, é improvável que o USDA apresente novos números sobre o plantio hoje. Tradicionalmente, o órgão apenas revisa suas projeções de plantio em um relatório à parte, publicado no fim de junho.
A expectativa de aumento da produção na safra 2012/13 está pesando sobre os contratos futuros de soja com vencimento mais longo. Ontem, por exemplo, os contratos para entrega em novembro (quando a produção da nova safra já estiver disponível) fecharam a US$ 13,3350 por bushel, um "desconto" em relação à entrega julho, que fechou em US$ 14,3025 por bushel.
Ito pondera que a pressão sobre os futuros mais longos deve ser limitada, uma vez que o cenário para 2012/13 não deverá aliviar a situação dos estoques americanos. Para ele, os estoques de passagem da próxima safra poderão levar a relação entre estoque e consumo para o menor nível da história.
Veículo: Valor Econômico