Negócios a mil por hora

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Em 48 horas, 20 grandes fusões e aquisições, uma a cada 144 minutos, movimentaram mais de R$ 10 bilhões. Quem disse que o Brasil está fora de moda?


Ainda não eram dez horas da manhã de sábado, dia 26 de maio, quando o telefone começou a tocar na casa dos funcionários da diretoria, gerências e da comunicação da Azul, a terceira companhia aérea brasileira. Do outro lado da linha estavam as chefias, convocando a equipe para voltar ao trabalho. Motivo: na segunda-feira 28 seria anunciada a fusão da empresa com sua até então concorrente Trip. “Não houve final de semana para a gente, porque todo mundo foi pego de surpresa”, diz um dos membros do time. Até ali, o projeto havia sido tratado como segredo de Estado, limitado a poucos diretores e aos advogados que negociavam o contrato. Eles também não puderam desfrutar de muito sono.

Nos 15 dias que antecederam o acordo, reuniões frenéticas se desenrolaram nos escritórios dos bancos de investimentos Itaú BBA, contratado pela Azul, e do Credit Suisse, representante da Trip, ambos instalados na avenida Faria Lima, na capital paulista. De Nova York, David Neeleman, fundador e presidente da Azul, acompanhava a operação. O empresário, no entanto, chegou a fazer viagens relâmpagos para São Paulo. Ficava por aqui 12 horas, negociando detalhes do contrato, e retornava diretamente para a metrópole americana. Tudo para evitar chamar a atenção com sua presença. “Quando passamos para as letrinhas miúdas do contrato, então, a coisa se tornou terrivelmente arrastada”, diz um dos executivos envolvidos no processo.

Após um dia e uma madrugada de trabalho ininterrupto, os papéis foram finalmente assinados. Eram seis da manhã do sábado, três dias antes da entrada em vigor da legislação que mudou as regras para avaliação concorrencial de fusões e aquisições, criando o “SuperCade”. Não foram apenas os advogados da Azul e da Trip que vararam as madrugadas naquele final de semana. O movimento foi também intenso na sede do escritório Pinheiro Neto, uma das maiores bancas de direito societário do País, localizado na Marginal Pinheiros, em São Paulo. No sábado e no domingo, a garagem estava lotada, assim como as salas de reuniões. “Parecia um dia de semana normal”, afirma Alexandre Bertoldi, sócio do Pinheiro Neto, que assessorou o fechamento de cinco aquisições.

Muitos dos negócios que já estavam na reta final foram acelerados para que a assinatura acontecesse até segunda-feira 28, último dia para que os contratos evitassem a necessidade de anuência prévia do governo às operações. “Muitos empresários preferiram evitar a incerteza sobre o funcionamento do novo sistema”, diz Bertoldi. O que aconteceu entre a segunda-feira 28 e a terça-feira 29 pode ser considerado, em número de transações, o maior rali de fusões e aquisições da história do capitalismo brasileiro, movimentando mais de R$ 10 bilhões. Em 48 horas, 20 operações foram anunciadas, o equivalente a um terço de todos os negócios do mês de abril, segundo dados da consultoria PwC Brasil. Trata-se também de uma média de uma transação a cada 144 minutos.

Em um ritmo frenético, houve acordos para todos os gostos. A americana FedEx anunciou a compra da pernambucana Rapidão Cometa. A britânica Diageo pagou R$ 900 milhões pela fabricante cearense de cachaça Ypióca. O BTG Pactual anunciou sua entrada no varejo de moda com a aquisição da carioca Leader, em uma transação que pode chegar a R$ 1 bilhão. A rede de churrascarias brasileira Fogo de Chão foi vendida por R$ 800 milhões para o fundo americano Thomas H Lee Partners. O grupo educacional mineiro Kroton gastou R$ 510 milhões para levar a catarinense Uniasselvi, consolidando-se como uma potência no ensino a distância.

A chinesa State Grid, maior empresa de energia elétrica do mundo, dobrava de tamanho no Brasil com a compra de sete linhas de transmissão de energia do grupo espanhol Actividades de Construccion y Servicios, por R$ 1,8 bilhão. Mais, muito mais foi sendo informado ao mercado ao longo desses dois dias acelerados (leia quadro a partir "O rali das compras"). Compras e vendas de empresas, que costumam empacar por meses em cifras ou detalhes da gestão futura, pareciam estar sendo feitas na velocidade alucinante dos negócios fechados pelos operadores do mercado financeiro.

Para os analistas que diziam que o Brasil está perdendo o brilho ou saindo da moda, em razão da crise europeia e da perspectiva de um PIB menor do que o projetado no início de 2012, a movimentação de negócios da semana passada foi uma resposta que mostrou a vitalidade da economia brasileira. É fato que muitas das transações foram antecipadas pela entrada em vigor do SuperCade. É também verdade que muitos vendedores aceleraram o fechamento dos negócios para se aproveitar de um câmbio favorável – principalmente aqueles que tratavam com empresas estrangeiras. Mas a rodada bilionária do fim de semana não pode ser considerada um fato isolado, influenciada unicamente por esses dois motivos.

As estatísticas sobre fusões e aquisições realizadas no Brasil indicam que nunca se comprou e vendeu tantas empresas no País. Pesquisa da americana KPMG, por exemplo, mostra a realização de 204 negócios no primeiro trimestre de 2012, o melhor resultado da série histórica da pesquisa, iniciada em 1994, para os primeiros três meses do ano. “Neste período de crise, o Brasil apresenta estabilidade, previsibilidade e potencial de crescimento”, diz Luís Motta, sócio da área de fusões e aquisições da KPMG. Momentos de turbulência nas bolsas mundiais costumam estimular as fusões e aquisições. Nesses períodos, captar dinheiro com as aberturas de capital (IPOs, na sigla em inglês) fica mais difícil.

A venda de ações de novas empresas a investidores caiu em todo o mundo, entre janeiro e março, atingindo o nível mais baixo desde o segundo trimestre de 2009, segundo a consultoria americana Ernst & Young. Foram 157 transações, que arrecadaram US$ 14,3 bilhões (uma rara exceção é o Facebook, que, no fim de maio levantou US$ 16 bilhões). No Brasil, até agora, só aconteceram três IPOs: da empresa de locação de veículos Locamerica, da fabricante de móveis Unicasa e do banco de investimento BTG Pactual. Os investidores externos também estão fugindo de aplicações na bolsa brasileira. Em maio, eles retiraram R$ 2,7 bilhões da Bovespa.

“O fluxo de recursos especulativos, que buscavam ganhos de curto prazo, diminuiu por conta da alta do dólar e também pela queda dos juros”, diz Pedro Galdi, chefe da área de análise da corretora SLW. O investimento direto estrangeiro, no entanto, tem sido mais resiliente ao agravamento da crise na Europa. Segundo dados da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais (Sobeet), houve alguma desaceleração na entrada de recursos nos primeiros quatro meses do ano. Em 2011, entraram no País US$ 66,7 bilhões. Agora, o total caiu para US$ 63,2 bilhões nos 12 meses fechados em abril. A crise externa e a desaceleração econômica brasileira do início do ano explicam a retração.

Mas o presidente da Sobeet, Luís Afonso Lima, acredita que essa situação é momentânea. “Investir no Brasil está virando uma necessidade para grandes grupos multinacionais para fugir do baixo crescimento no mundo desenvolvido”, afirma Lima. Os negócios deste primeiro semestre confirmam a tendência: aumentou a participação do capital estrangeiro nas fusões e aquisições no País. Segundo a KPMG, 74 transações contaram com dinheiro de fora no primeiro trimestre de 2012. Há um ano, foram apenas 34. A consultoria PwC Brasil, que faz pesquisa semelhante, também notou esse movimento. Nos quatro primeiros meses deste ano, 43% das transações anunciadas tiveram dinheiro externo, um aumento de três pontos percentuais sobre a média dos últimos três anos.

“A participação dos investimentos estrangeiros no Brasil tende a aumentar”, afirma Alexandre Pierantoni, sócio da PwC Brasil. O motivo é bastante simples. “Os mercados emergentes são a luz no fim do túnel para essas companhias”, diz Lima, da Sobeet. A queda das taxas de juros favorece também investimentos na chamada economia real – na semana passada, o Banco Central reduziu a Selic para 8,5%, o menor índice desde o início da série, em 1996. Com a crise em seus países de origem, a solução para muitas empresas é investir nos mercados que crescem. O Brasil é um deles. A Fedex, vice-líder mundial do ramo de entregas rápidas, ilustra bem essa tendência. Não se pode dizer que a companhia seja uma novata no País.

Ela está por aqui desde 1989. Nesses mais de 20 anos de atuação, manteve uma operação pequena para o seu porte internacional. Isso mudou, na semana passada, com a aquisição da Rapidão Cometa, uma das principais empresas brasileiras do ramo de logística. “É um setor que está crescendo muito, mas que ainda é bastante pulverizado e com companhias que atuam regionalmente”, afirma Olivier Girard, sócio da consultoria Macrolo­gística, de São Paulo. Ao comprar uma empresa da área, a Fedex antecipou-se a um movimento de mercado e saiu também à frente da concorrência, como a rival americana DHL, que ainda não possui grande expressão no Brasil.

“Tanto empresas estrangeiras quanto os fundos de pensão têm acompanhado esse setor de perto”, diz Paulo Cury, sócio-diretor da consultoria paulista Condere. A tendência, na visão dos analistas, é de que as primeiras a ser cortejadas por grupos internacionais sejam as empresas localizadas nas proximidades de diversos modais de transporte. A própria Rapidão Cometa, por exemplo, tem sua sede nas cercanias do Recife, próxima, ao mesmo tempo, do porto de Suape e do Aeroporto dos Guararapes, um dos principais entroncamentos de transporte do Nordeste. “A palavra-chave hoje na área de logística é a intermodalidade”, afirma Girard. “Quem tiver uma localização geográfica favorável vai se valorizar.”

No mercado, há pelo menos três empresas vistas como potenciais objetos de novas aquisições. A JSL, líder do setor, baseada na cidade paulista de Mogi das Cruzes, além da paulistana Braspress e da catarinense Dalçoquio. “Com a extensão territorial do Brasil é complicado montar uma estrutura de logística a partir do zero”, diz Cury. “Comprar uma empresa já estabelecida se torna muito mais atraente e eficaz.” A atratividade do Brasil, no entanto, não se restringe ao interesse das empresas estrangeiras em investir no País. As companhias nacionais também reforçam suas trincheiras com aquisições que consolidam sua presença em determinados setores e dão musculatura em mercados de alto crescimento.

No setor de educação, por exemplo, a Kroton deixou todos os seus concorrentes bem para trás, na área de educação a distância, com a compra da catarinense Uniasselvi. “A Kroton fez duas jogadas certeiras”, afirma Ryon Braga, presidente da consultoria Hoper, de Foz do Iguaçu (PR), referindo-se também à aquisição da Unopar, em dezembro de 2011, por R$ 1,3 bilhão. Com os dois negócios, o grupo educacional mineiro se estabeleceu como líder em um mercado que cresce a taxas de 20% ao ano, segundo Braga. As fusões e aquisições servem também para que as empresas tirem proveito de momentos turbulentos de alguns setores. A união da Azul com a Trip deve ser analisada sob essa ótica.

As duas principais companhias da aviação comercial brasileira, TAM e Gol, passam por dificuldades decorrentes dos altos custos operacionais. Juntas, as duas tiveram prejuízos de mais de R$ 1 bilhão em 2011. Elas passam por turbulências exatamente em um momento no qual o número de passageiros transportados em voos domésticos bate recordes sucessivos. Em 2007, 98 milhões de pessoas viajaram pelo País segundo a Infraero. Em 2011, foram 161 milhões. Neste ano, as previsões mais otimistas indicam crescimento de 10% na demanda. Seria um número e tanto para qualquer área da economia, mas se trate de uma desaceleração em relação aos últimos três anos. Aproveitar esse cenário de fragilidade de suas concorrentes é um dos objetivos da Azul/Trip.

Com 15% de participação de mercado, a estratégia para crescer ainda mais é apostar nas rotas de média e baixa densidade. São cidades de médio porte como Uberlândia (MG), Caxias do Sul (RS), Ipatinga (MG) e Macaé (RJ), que contam com poucos voos diretos de TAM e Gol. “São polos regionais do agronegócio, da mineração e do petróleo ou do turismo”, diz Cecília Andreucci, professora da Fundação Getulio Vargas, de São Paulo. “Eles deverão ser os responsáveis pelo crescimento do setor nos próximos anos.” O presidente da Azul, David Neeleman, cita como exemplo dessa tendência a cidade de Cascavel, no Paraná, com 300 mil habitantes. “Todo mundo que mora lá precisava pegar o carro e andar quase 150 quilômetros até Foz do Iguaçu para viajar de avião”, afirma Neeleman.

“Agora, operando na cidade, vamos incorporar novos consumidores.” Nascido em São Paulo, filho de um missionário mórmon americano, Neeleman voltou ao Brasil a negócios em 2008, para fundar a Azul. E ficou, aparentemente por uma longa temporada, para atazanar a vida das grandalhonas do setor aéreo. Para gente como Neeleman, o Brasil se constitui num paraíso de oportunidades, onde há muito por fazer e outro tanto de dinheiro para ganhar. Num momento em que, aqui e ali, se começa a ouvir e ler comentários de que o País estaria saindo de moda, correndo o risco de sumir do radar dos homens de negócios internacionais, é bom prestar atenção aos movimentos do megainvestidor húngaro-americano George Soros.

Dono de uma das maiores fortunas globais, Soros havia tirado temporariamente o pé do acelerador em relação ao Brasil. Agora, parece estar voltando com tudo. No começo da semana passada, o homem que ganhou mais de US$ 1 bilhão com a desvalorização da libra em 1992, assumiu o controle da Sunrise, empresa brasileira de tevê paga que atua no interior de São Paulo. Seu objetivo é disputar o leilão da tecnologia 4G, previsto para acontecer no dia 12 de junho (leia mais aqui). No fim da semana, mais um lance: Soros também negocia, em conjunto com o grupo paulista Foxx, a compra da Haztec, uma das principais empresas brasileiras da área ambiental, uma transação estimada em R$ 800 milhões. Para quem questiona se o Brasil perdeu ou não o brilho é bom saber que o velho Soros não é do tipo que rasga dinheiro nem toma água fervente.


O pouso da Fedex

Ao comprar, na segunda-feira 28, a companhia pernambucana de logística Rapidão Cometa, por um valor não divulgado, a americana FedEx deu o passo final para entrar no País. Dona de um faturamento mundial de R$ 42 bilhões e de uma frota de quase 700 aeronaves – seis vezes mais do que Azul e Trip juntas - a companhia opera no Brasil desde 1989. Mas nunca chegou a ter por aqui o mesmo peso que possui em outros países. Agora, essa situação vai mudar. A Rapidão é uma das participantes mais expressivas da área de logística brasileira.

Criada em 1942, passou por quatro donos antes de ser adquirida pelos atuais controladores, a família Pereira, que comandou o processo de expansão e profissionalização dos negócios, até atingir uma receita na faixa de R$ 1 bilhão, no ano passado. “A FedEx agora poderá conectar sua frota aérea com os veículos rodoviários e com centros de distribuição da Rapidão, especialmente no Nordeste”, afirma Paulo Cury, sócio-diretor da consultoria Condere. “As empresas se completam, o acordo faz muito sentido.” Em nota, o presidente da FedEx América Latina e Caribe, Juan Cento, se limitou a dizer que a aquisição “está alinhada à nossa estratégia de longo prazo para expansão do nosso negócio na América Latina”.

Esse crescimento deverá passar pelos clientes que vêm junto com a compra: companhias do porte de Natura, Boticário, Azaleia e Oi. Elas também poderão usar os serviços da FedEx para enviar e receber cargas do Exterior. A Rapidão é considerada uma companhia particularmente forte na área de cargas leves com maior valor agregado, como produtos farmacêuticos e computadores. “Se focar sua atuação nessa área e integrar as operações com as rotas aéreas, a FedEx pode multiplicar sua renda”, diz Olivier Girard, sócio da consultoria Macrologística. Segundo as duas empresas, essa integração deve ocorrer daqui a 18 a 24 meses.

 
O varejão do BTG

O banqueiro carioca André Esteves, controlador do BTG Pactual, já fez diversas incursões no varejo. No bancário, ele é dono do PanAmericano, comprado junto ao empresário Silvio Santos na bacia das almas. Seu banco também é o principal acionista da holding de farmácias BR Pharma. Agora, Esteves estreia no varejo de vestuário com a compra da Leader, do Rio de Janeiro. Nessa primeira fase, o BTG Pactual fica com 40% da empresa da família Gouvêa, por R$ 665 milhões. Mas pode aumentar sua fatia para 70% em 90 dias, quando desembolsará mais R$ 404 milhões, totalizando pouco mais de R$ 1 bilhão na transação.

“A Leader cresce em razão do consumo das classes emergentes”, diz Carlos Fonseca, responsável pela área de investimentos em empresas não financeiros do BTG Pactual. A Leader já havia sido sondada, em 2008, pela gaúcha Lojas Renner, um negócio que não prosperou em função da crise internacional. Com faturamento anual de R$ 1 bilhão, a varejista carioca tem 64 lojas e deve inaugurar mais 19 neste ano. Com forte presença no Rio de Janeiro, a Leader opera também no Espírito Santo, em Minas Gerais, Pernambuco, Alagoas, Rio Grande do Norte, Sergipe e Bahia. O objetivo do banco de investimento é que a companhia cresça de forma orgânica. Fonseca, no entanto, não descarta aquisições para que a Leader ganhe musculatura mais rapidamente.


O homem que sabe calcular

O executivo Rodrigo Galindo, presidente do grupo educacional mineiro Kroton, é graduado em direito com mestrado em educação. Mas passaria fácil por um matemático, para aqueles que não conhecem sua trajetória acadêmica. Dono de um raciocínio cartesiano, uma de suas especialidades é sacar números para comprovar suas afirmações. Na terça-feira 29, ele tinha muitos dados para recitar aos analistas de mercado. Com a compra da catarinense Uniasselvi, por R$ 510 milhões, a Kroton se transformou na maior empresa brasileira de ensino superior, com 417 mil alunos, superando a paulista Anhanguera, que tem 394 mil.

Ela também ultrapassava a rival no quesito geração de caixa: sua previsão para 2012 é ter um Ebtida de R$ 350 milhões, contra R$ 330 milhões do concorrente. A receita líquida estimada para este ano é de R$ 1,4 bilhão, atrás ainda da Anhanguera. A Uniasselvi é a segunda aquisição de grande porte realizada pela Kroton. Em dezembro de 2011, o grupo adquiriu a paranaense Unopar por R$ 1,3 bilhão, a maior transação da história da educação brasileira. Com os dois negócios, ambos com forte presença na área de ensino a distância, a Kroton adquiriu uma larga vantagem nessa área sobre seus concorrentes.

“Ela comprou a segunda e a terceira nessa área”, diz Ryon Braga, presidente da consultoria educacional Hoper, de Foz do Iguaçu (PR). “Os outros nove concorrentes não chegam ao número de alunos da Kroton.” De acordo com Braga, há 1,2 milhão de alunos na modalidade virtual de ensino no Brasil. Desse total, 276 mil estão matriculados na Kroton. “O ensino a distância tem altas margens e boa geração de caixa”, afirma Galindo. O presidente da Kroton diz que a companhia encerra, agora, seu ciclo de compras de 2012. “Temos de trabalhar na integração das duas empresas.”


A “marvada” vai ganhar o mundo

Pinga, marvada, branquinha, água que passarinho não bebe. Não faltam sinônimos para a cachaça, destilado tipicamente brasileiro feito com cana-de-açúcar. A bebida serve como base para a preparação da caipirinha, muito apreciada pelos turistas estrangeiros que visitam o Brasil. Esse drinque nacional agora deve se globalizar. Na segunda-feira 29, a britânica Diageo, dona do uísque Johnnie Walker e da vodca Smirnoff, com faturamento global de US$ 16 bilhões em 2011, comprou a marca e os ativos da cearense Ypióca, por R$ 900 milhões.

Fundada em 1846 pelo imigrante português Dario Telles, a Ypióca integrava o grupo comandado por Everardo Telles, bisneto do fundador, que possui negócios nos setores de distribuição de água mineral, fabricação de embalagens, entretenimento e agropecuário. “A aguardente brasileira tem condições de assumir um status e uma penetração global semelhantes ao da tequila mexicana e ao do rum caribenho”, afirma Otto von Sothen, presidente da Diageo do Brasil. “Nossa plataforma de distribuição engloba 180 países e ela poderá ser usada para fazer da Ypióca uma marca global.” Sothen estima que a trajetória internacional da bebida poderá ser facilitada a partir do desdobramento do acordo assinado entre o Brasil e os Estados Unidos, que reconhece a cachaça como um produto tipicamente brasileiro.

Isso abriria espaço para a negociação de imposto diferenciado de importação sobre o produto, que hoje é enquadrado como rum. Em 2011, as exportações de cachaça atingiram US$ 17,3 milhões, dos quais US$ 2 milhões para os EUA. Com a Ypióca, a Diageo assume a segunda posição desse ranking, com uma fatia de 8%. A líder é a 51, fabricada pela Companhia Muller, de Pirassununga, no interior de São Paulo. A atuação da Diageo nesse nicho começou de forma discreta em 1997, com a aquisição da marca Nêga Fulô, fabricada por terceiros. Sem uma base produtiva sólida e uma marca popular, era impossível crescer na área. Agora, a Diageo amplia seu foco para todas as faixas da pirâmide de consumo, elevando o alcance de sua malha de distribuição dos atuais 160 mil pontos de venda para 247 mil.


Paixão pelo risco

O empresário paulista Rubens Ometto, presidente do conselho da Cosan, maior produtora de etanol do mundo, construiu seu império com base na ousadia e no alto endividamento. Na semana passada, ele mostrou que não perdeu a sua velha forma. Ometto concluiu a compra da distribuidora paulista de gás Comgás, um negócio de R$ 3,4 bilhões, anunciado no começo de maio, e vendeu o controle da Cosan Alimentos para a Camil, maior empresa de beneficiamento de arroz e feijão da América Latina. Por essa transação, vai receber R$ 345 milhões e terá uma participação de 11,72% no negócio.

A Cosan Alimentos é dona das marcas de açúcar União e Da Barra. A Camil tem como acionista o fundo Gávea, controlada pelo JP Morgan. Com a união, a empresa estima captar sinergias de R$ 50 milhões na área operacional, como frete, marketing de ponto de venda e captação de uso de crédito fiscal. Neste ano, Ometto começou a diversificar seus investimentos além do etanol. Em fevereiro, deste ano, durante o Carnaval, a Cosan se tornou o maior acionista do bloco de controle da ALL Logística, desembolsando na operação R$ 897 milhões. Um mês depois, a companhia adquiriu a Comma, do setor de lubrificantes, por cerca de US$ 100 milhões.


Todo poder ao supercade

O Brasil figurava numa lista restrita de países – que inclui Egito e Paquistão – onde os negócios envolvendo fusões e aquisições de empresas eram fechados antes mesmo de os órgãos de defesa da concorrência analisarem a operação. Isso trazia uma grande insegurança jurídica à economia, segundo advogados especialistas em direito antitruste ouvidos pela DINHEIRO. O investidor corria o risco de comprar, pagar, integrar e depois não levar. A Nestlé, por exemplo, comprou a Chocolate Garotos em 2002 e até hoje não teve a aquisição aprovada pelos órgãos de defesa da concorrência. Mas a estreia do SuperCade, na terça-feira 29, como tem sido chamado o órgão que rege a nova lei de concorrência brasileira, muda essa situação.

Agora, o Brasil passa a contar com regras mais rigorosas para atos de concentração na economia. Se antes não havia prazo para julgar esses casos, a partir de agora um contrato de fusão e aquisição só poderá ser celebrado depois de o órgão analisar e aprovar a operação, o que pode demorar, no máximo, 11 meses. As empresas acusadas de práticas anticoncorrenciais, como cartel, poderão sofrer multas de 0,1% a 20% do faturamento total do ramo de atividade em que houve a infração. Também passarão a ser exigidas mais informações econômicas sobre as empresas envolvidas na operação, como planos de negócios, relatórios de marketing e estudos de oferta e demanda.

O SuperCade também será mais restritivo nos casos que serão submetidos à análise. Dessa forma, a empresa compradora precisa ter faturamento bruto anual de R$ 750 milhões e a vendida, de R$ 75 milhões. Assim, as transações de pequeno porte, que não oferecem risco de concorrência ao mercado, nem chegarão à instituição. Os conselheiros do órgão de defesa da concorrência estimam ser possível reduzir entre 30% e 40% o número total de processos com a nova lei. A ideia é focar nos casos mais complexos. “Fugimos de regras pouco claras para um critério mais objetivo”, disse o novo presidente do Cade, Vinícius Marques de Carvalho.

 
A viagem da Azul

Para dez entre dez especialistas, o setor aéreo brasileiro é na prática um duopólio entre TAM e Gol. Pudera: juntas, as duas empresas dominam mais de 70% do mercado. Nas rotas com maior volume, como a ponte aérea e os deslocamentos entre capitais do Sul e do Sudeste, esse número chega perto dos 90%. Na segunda-feira 28, no entanto, surgiu uma empresa que pode mudar esse quadro num futuro não muito distante. Azul e Trip se uniram para criar a terceira força da aviação nacional. Ainda com 15% de mercado, mas com faturamento projetado de R$ 4,2 bilhões em 2012 e potencial para ir longe na briga com as líderes.

“Sozinhas, elas não faziam nem cócegas nas líderes”, diz Fernanda Sayeg, advogada especializada do escritório Felsberg, de São Paulo. “Agora passam a ser um concorrente que precisa ser levado em consideração.” A negociação entre as companhias já vinha de longa data. O presidente do conselho de administração da Azul, David Neeleman, teve vários encontros informais com o seu par da Trip, José Mário Caprioli, quando este passava pelos EUA. Mas as conversas só ficaram sérias de verdade quando naufragou a relação entre a Trip e a TAM, em janeiro de 2012. A Azul foi procurada pelo banco de investimento Itaú BBA, que sugeriu uma aproximação entre as empresas.

Os contatos iniciais foram promissores e um modelo de negócios foi estabelecido: sem desembolso de dinheiro, seria criada uma holding, reunindo os atuais acionistas de ambas as empresas. O ponto mais polêmico das negociações surgiu na hora da definição das participação na holding. As conversas foram conduzidas pelo CEO da Azul, John Rodgerson e por executivos do banco Credit Suisse, representante da Trip. Segundo fontes familiarizadas com o assunto, cada lado tinha uma forma diferente de calcular como seria a participação. O consenso foi alcançado duas semanas atrás: dois terços, ou 67%, para a Azul, e 33% para a Trip.

“Em um negócio desse tipo, o fundamental é ter confiança em seu parceiro”, diz Neeleman, que detém a dupla cidadania, brasileira e americana. O empresário, que se tornou conhecido no mundo da aviação comercial por ter criado a Jet Blue, umas das pioneiras entre as companhias de low cost, dos Estados Unidos, diz saber como os proprietários da Trip se sentiam. Afinal, ele próprio vendeu sua primeira companhia, a Morris Air, para a Southwest Airlines. “Eles não foram muito bons comigo”, relembra. “Prometi ao José Mário que ia tratá-los melhor do que fui tratado pela Southwest.” Até que o negócio seja aprovado pelo Cade, as empresas seguem operando de modo independente.

O discurso oficial é de que o futuro só será decidido após essa etapa. Nos bastidores, porém, os executivos envolvidos na operação admitem que a tendência é de que a marca Azul absorva a Trip. “Temos um problema maravilhoso: duas marcas fortes”, diz um dos empresários envolvidos nas negociações. “Mas seremos obrigado a optar por uma delas.” Todos os detalhes operacionais da nova empresa – uniformes, comida, serviços de bordo, planos de milhagem – serão analisados por um comitê, chefiado por Caprioli, da Trip. “Vamos aproveitar as melhores práticas de cada empresa”, diz o empresário. “Nossa fusão irá muito além das rotas.”

 
Veículo: Revista Isto É Dinheiro


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