'Se misturar emoção e negócios, estraga'

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Herdeiro de um grupo bilionário conta como ele e o irmão viraram de cabeça para baixo empresas criadas pelo pai



O chinês Sheun Ming Ling, hoje com 91 anos, chegou ao Rio Grande do Sul nos anos 50 para ser empregado numa fábrica de óleo vegetal e ficou bilionário. Partiu do zero e construiu a Petropar, com fábricas de produtos petroquímicos, têxteis, de fertilizantes, alimentos e computadores. Anos depois, os filhos, com William à frente, assumiram o comando e mudaram tudo.

Hoje, o grupo da família Ling é dono do segundo maior fabricante mundial de mantas de polipropileno para descartáveis higiênicos e médico-hospitalares e da segunda maior fábrica de latas de alumínio para bebida do País. Com presença em oito países, essas empresas têm potencial de vendas de mais de R$ 2 bilhões por ano.

O patriarca Ling hoje é presidente do conselho de administração da Petropar, mas quem toca o grupo são os filhos William e Wilson, ao lado de executivos profissionais. O irmão mais velho e a única irmã moram no exterior. William, hoje com 55 anos, assumiu a presidência da Petropar quando tinha 37 anos e por isso carimbou a entrada na YPO, iniciais em inglês de Organização de Jovens Presidentes, uma entidade que reúne donos e presidentes de algumas das melhores e maiores empresas do mundo, mas que tenham menos de 40 anos.

Os membros desse clube fechado formaram uma rede de relacionamento global, costumam se encontrar para discutir e trocar experiências sobre a vida empresarial. Com essa entrevista, em que William Ling conta um pouco da trajetória da família e de sua experiência na gestão de empresas, o Estado vai contar nas próximas semanas histórias de empresários e executivos como Ling, que assumiram postos de comando em empresas antes dos 40 anos.

Sua família veio para o Brasil fugindo da revolução comunista e hoje a China é o grande motor da economia mundial. Já imaginou como teria sido ficar por lá?

Nunca pensei nisso. Aliás, eu nem estaria aqui agora. Meus pais se conheceram no processo de saída, em Hong Kong. Certamente meu pai não teria virado empresário num regime comunista. Talvez tivesse sido um tecnocrata de alto escalão. Ele fez a escolha certa. Não tinha educação formal, não falava a língua, veio para ser empregado e virou um empresário bem-sucedido.

O que pessoas como seu pai têm que os outros não têm?

O que diferencia o empreendedor dos outros é a atitude diante da vida. Pense num compositor de música. As palavras estão à disposição de todo mundo, mas Chico Buarque faz poesia com elas. Os sons também estão disponíveis, mas tem gente que os transforma em música. As pessoas, os espaços, as tecnologias estão ao alcance de todos, mas só alguns conseguem ver oportunidades de negócios. Esses são os empreendedores.

Não parece tão difícil...

É que não basta enxergar. Tem de agir, acreditar que vai dar certo. Quanta gente já não disse que tinha pensado em algo parecido com o Facebook? Ok. Por que não fez? Ah, não tinha recursos... O Mark Zuckerberg tinha recursos? Steve Jobs (Apple) tinha? Não é questão de recursos, mas de enxergar a oportunidade, ir atrás e fazer acontecer. Assumir riscos parece loucura para certas pessoas, mas para quem enxerga pode ser uma grande oportunidade.

Na China, seu pai era auditor numa empresa estatal. Como virou empresário no Brasil?

Quando saiu da China, em 1948, ele queria estudar nos Estados Unidos, mas não conseguiu visto. Veio para o Brasil a convite de amigos chineses que tinham comprado uma empresa de industrialização de óleo do Rio Grande do Sul. Chegou a Porto Alegre com cerca de 30 anos, sem família, poucos amigos, trabalhava o tempo todo, até que apareceu uma oportunidade e ele arriscou.

Como foi?

Meu pai era comprador de matéria-prima no interior do Estado. Numa dessas andanças, um industrial de Santa Rosa ofereceu a empresa dele. Os patrões dele quiseram comprar, mas tiveram problema de crédito e desistiram. Meu pai então chamou um amigo para ser sócio e ficou com a empresa, para pagar a prazo. Isso foi em 1955. Viramos o maior esmagador de soja do Brasil. Nos anos 70, veio a diversificação: entramos na fabricação de embalagens de lata, fertilizantes, petroquímica e até computadores. Os primeiros processadores de texto do Brasil eram nossos, da marca Polymax. Pirateávamos tecnologia de fora, que era o que todo mundo fazia.

O sr. acha que herdou o talento do seu pai?

Qualquer pessoa à frente de um negócio desses tem algo de empreendedor. Comecei com 18 anos, como trainee. Fiz administração de empresas, cursos no exterior e mestrado na Universidade Stanford (EUA). Em 1992, quando voltei, ele começou a passar a responsabilidade para mim e para meu irmão Wilson. Dois anos depois, passou o comando para a gente e foi para o conselho de administração.

Para alguém como ele, que começou do zero, deve ter sido difícil se afastar do dia a dia...

Chegou uma hora em que as regras mudaram. Ele sabia operar num ambiente de economia fechada, empresas protegidas, em que a inflação escondia as ineficiências, havia pouca competição, pouca inovação. De repente, o mercado se abriu e mudou tudo. Ele achou que era hora de sair. Passou o bastão, está sempre bem informado, mas deixou que a gente conduzisse os negócios à nossa maneira.

E vocês mudaram tudo...

As mudanças começaram antes, em 1988, quando houve a cisão do grupo. Nossos sócios, a família Tse, ficaram com a área de soja e alimentos, e nós com petroquímica e fertilizantes. Mas já sabíamos que esses mercados seriam cada vez mais competitivos e só sobreviveriam os maiores. Por isso, nos desfizemos dessas operações e entramos em outros setores.

Como foi se desfazer das empresas que seu pai construiu? Muitos herdeiros não conseguem lidar bem com isso...

Nunca tivemos apego sentimental com os negócios. Eu já me livrei de empresa de computador, já me livrei de têxteis, de fertilizantes, de petroquímica, de embalagens PET. A decisão empresarial é racional. Se colocar emoção no meio, estraga.

Como vocês contratam os executivos?

Cerca de 70% da equipe é formada dentro de casa. É gente que começou como office-boy, estagiário ou operador de máquina, fizeram carreira e hoje são gerentes, diretores, presidentes. São raros os casos em que vamos buscar executivos no mercado.

E o que você valoriza nos que são recrutados fora?

Duas coisas: coragem e saber trabalhar com total transparência. Hoje, temos operações em oito países. Como vou saber se o sujeito da China ou o da Suécia estão fazendo as coisas direito? Preciso confiar que vão contar se houver algo errado, se acham que precisa mudar alguma coisa. Não pode ter medo de problemas. Meu pai vivia criando negócios novos e a gente pedia para não fazer, que podia dar problema. Resposta dele: 'Minha missão é criar problemas para vocês. Quando perderem o medo, a coisa vai andar'.

Por que você saiu do dia a dia?

Para dar espaço aos executivos e formar gente, que é a única maneira de perpetuar um negócio. Para mim, só existe um critério para medir a qualidade de uma organização: é a mobilidade vertical, dar chance para todos chegarem no topo.

Como segurar os melhores profissionais?

Além de uma remuneração compatível com o que o mercado paga, acredito que o ambiente precisa ser bom. Tão bom que se torne uma barreira à saída. Ele precisa ter autonomia, sentir-se respeitado, saber que pode ir para casa sem medo do que vai acontecer amanhã. Confiança é o valor número um. Sem confiança não há troca, não há cooperação. Os custos de transações ficam maiores.

O que o sr. valoriza nos que podem trabalhar na sua empresa?

Não me impressiono com diploma, prefiro os que têm melhor retrospecto profissional. O diploma é importante, mas não garante nada. Nós recrutamos gente em universidades de segunda linha. Os melhores dessas escolas podem ser melhores que os piores das mais renomadas.

O Instituto Ling, mantido por sua família, já deu 150 bolsas para estudantes brasileiros em lugares como Harvard ou Stanford. Quantos estão trabalhando em suas empresas?

Nenhum e não é esse o propósito. A intenção é retribuir um pouco do que a vida nos deu.

Seus filhos vão trabalhar nas empresas da família?

Um deles tem 25 anos e é arquiteto em São Paulo. O mais velho não completou a universidade. Trabalha na área de administração de recursos. Aprendeu finanças por conta própria, é autodidata. Não estudou para ganhar diploma, estudou por prazer. Eu dou a maior força. Sendo bom no que faz, está resolvido.


Veículo: O Estado de S.Paulo


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