O preço do leite caiu, em vez de subir, na atual entressafra. Pecuaristas de Goiás, São Paulo e Minas Gerais - os três maiores produtores - reclamam do prejuízo: o valor do produto ou empata ou não cobre os custos de produção. O principal motivo, segundo especialistas, é a concorrência com a matéria-prima importada - barata demais para o Brasil.
Representantes da cadeia láctea acusam o Uruguai de praticar dumping (precificação artificial de mercadoria) e cogitam mover ações contra o vizinho em instâncias do Mercado Comum do Sul (Mercosul) e, se necessário, da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Dono de 130 vacas que produzem 2.800 litros da bebida por dia em Goiânia (GO), o produtor João Bosco Angelino está revisando e cortando gastos de sua fazenda, já que a seguinte conta não fecha: ele paga de R$ 0,80 a R$ 0,85 para produzir um litro de leite e vende o mesmo a um preço entre R$ 0,75 e R$ 0,80. "Tenho sentido uma violenta pressão de custo", diz.
Outro fator de impacto para o desbalanço é a alta dos insumos agrícolas, como no caso do farelo de soja, cujas cotações ultrapassam R$ 1.000 por tonelada. Também a recente escalada do dólar junta-se à pressão, pois elevou o custo dos fertilizantes e agrotóxicos (em maioria, importados).
Angelino, para economizar, deixou de comprar a ração que costumava usar e passou a encomendar o alimento oferecido pelo laticínio Itambé. "É um momento de agir para perder menos", explica o produtor, que preside a Cooperativa de Goiás (Coopgoiás), afiliada à agroindústria.
Em São Paulo, o leite ficou de 10% a 15% mais barato desde abril, de acordo com o empresário Roberto Jank, que produz 45 mil litros diários do tipo A, tendo 1.500 vacas, fábrica e marca própria. "Hoje, praticamente não há rentabilidade. Ficamos no zero a zero", afirma. Nos últimos três meses, seus custos subiram 15%.
Antes desse período, Jank pagava R$ 250 por uma tonelada de ração seca; hoje, paga R$ 530. "As vacas precisam produzir dezesseis litros por dia para pagar o que comem", ele calcula. Na fazenda Letti, em Descalvados (SP), cada animal produz diariamente cerca de 32 litros de leite, segundo o proprietário. A produtividade está acima da média.
Em Minas Gerais, "os custos do leite aumentaram 15% no ano, e o preço final não os acompanhou", diz o coordenador do programa estadual Minas Leite, Rodrigo Venturin, que realçou o peso da energia e da mão de obra nos gastos produtivos.
O valor do leite mineiro, atualmente, varia de R$ 0,70 a R$ 1, de acordo com o especialista. "Dependendo do sistema de produção e da região, um real não remunera o produtor", ele afirma. A iniciativa pública da qual Venturin é líder incentiva os produtores a utilizar gado mestiço: vacas híbridas das raças zebu e holandês, principalmente, para resistir às variações de preço.
"O gado mestiço é mais adaptado às intempéries do mercado. Ele se adapta a mudanças no modelo de produção e supera pressões", diz Venturin.
Precedente
Situação parecida com a atual, na cadeia láctea, deu-se entre 1997 e 1999, como um reflexo da abertura de mercado promovida durante a presidência de Collor, no início daquela década, e também do Plano Real, que pôs o dólar em paridade com a moeda nacional. Assim recorda Jank, que, além de agroindustrial, é vice-presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Leite Brasil). "O Brasil importava facilmente naquele período", lembra-se ele.
O representante conta que a entrada excessiva de matéria-prima importada provocou sequelas, até o século XXI, no segmento nacional. Somente em 2004, com a flutuação do câmbio, a situação melhorou, revertendo inclusive a relação do Brasil com o exterior: o País passou a exportar leite e produtos lácteos.
"Até o início de 2012, o Brasil aumentou em 60% o consumo per capita de leite, e a produção cresceu os mesmos 60%", contextualiza Jank. "Em 2011, o consumo estagnou, houve pressão dos importados", conclui.
Veículo: DCI