Encolhe a produção de charutos na Bahia

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Luciene Teixeira de Melo tem 39 anos, dois filhos e trabalha há 17 anos na Menendez Amerino, a maior fábrica de charutos da Bahia e do Brasil, sempre ganhando salário mínimo. Nascida e criada no pequeno município de São Gonçalo dos Campos, vizinho a Feira de Santana, já deixando o Recôncavo Baiano (no entorno da Baía de Todos os Santos), ela enrola manualmente, com o auxílio de um pequeno mecanismo compactador, de 100 a 150 charutos por dia.

Luciene escapou da tormenta que acaba de reduzir em cerca de 30% o já pequeno número de empregados da fábrica, agora limitado a 70 pessoas, mais de 90% mulheres. Mas segue preocupada. Esse encolhimento não vem de agora, há 3 anos a empresa empregava 150 pessoas, e antes teve 400, conta o cubano Arturo Toraño, responsável pela compra e beneficiamento de fumo da fábrica.

A Menendez já chegou a produzir 15 mil charutos "premium" por dia na segunda metade dos anos 90. Hoje faz 1,5 mil por dia. E 400 mil cigarrilhas por mês. A mais recente redução de pessoal é apenas um novo capítulo da crise de várias décadas que assola a fumicultura, nascida no século XVI, e a charutaria, vinda do século XIX, baianas.

Hoje as fábricas são pequenas, com até 7 pessoas, caso da San Francisco, cujo proprietário, Genádio Borges, precisa trabalhar em uma exportadora de fumo para completar a renda. A Dannemann, do grupo suíço Burger, instalada em um belo casarão na cidade histórica de São Félix, transformou a fábrica em um misto de indústria e centro cultural na qual o turista pode ver as 20 charuteiras trabalhando e até fazer o próprio charuto. A maior receita do grupo suíço na Bahia vem da Danco, grande beneficiadora e exportadora de fumos instalada em Cruz das Almas, distante cerca de 30 quilômetros dali.

Mas, nos tempos fartos, a Suerdieck, que fechou as portas em 1999 em Maragojipe, também no Recôncavo, chegou a ter mais de 2 mil empregados. Ex-funcionário da Suerdieck, herdeiro de algumas marcas da velha charuteira, Fernando Fraga, 73, hoje é dono da Chaba, em Alagoinhas, norte do Estado. Chegou a ter 80 empregados, mas após um confisco da produção pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) por irregularidades no registro dos produtos, em 2010, fechou e reabriu no ano passado com 25 pessoas. Na metade deste mês 15 estavam de férias pois os estoques estavam muito altos. Assim como a Leite&Alves, de Cachoeira (Recôncavo), a Chaba vem procurando na produção de charutos para uso religioso um nicho seguro para sobreviver.

Os motivos da crise são muitos, estruturais e conjunturais, começando pela redução contínua do mercado interno e externo, agravada pela grande concorrência internacional de produtores de peso, como Cuba, vários degraus acima, República Dominicana, Honduras e Nicarágua. Estima-se que o Brasil importa 50% dos charutos que consome. Segundo a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), as importações somaram US$ 2,45 milhões em 2011 e US$ 1,94 milhão até julho deste ano.

O charuto cubano, reconhecido como melhor do mundo, tem isenção de 100% do Imposto de Importação no Brasil, por força do acordo Cuba-Mercosul, assinado em 2006 e que abrange uma grande gama de produtos de parte a parte. Em 2011 o Brasil importou US$ 923,18 milhões em charutos cubanos, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento.

Odacir Tonelli Strada, presidente do Sindicato da Indústria do Tabaco da Bahia (Sinditabaco-BA), lista, entre outros fatores para a decadência, o câmbio desfavorável, a elevada carga tributária - cerca de 60%, tanto para o produto nacional quanto para o importado - e as pressões antitabagistas, aí incluída a regulação sanitária e os elevados custos para as pequenas indústrias.

Da mesma forma que a Vale, maior produtora de minério de ferro do mundo, esquadrinha com lupa os indicadores da economia chinesa para avaliar como será seu balanço nos meses seguintes, o governo da Bahia também vê a China como a tábua de salvação para a combalida indústria do charuto e do fumo do Estado.

"O nosso grande problema hoje é a falta de mercado e a China viabilizaria uma solução", diz o secretário de Agricultura do Estado da Bahia, Eduardo Salles.
Chico Santos/ValorCharuteiras trabalham na Menedez Amerino, líder do setor

A chave para viabilizar a solução chinesa está praticamente à mão, diz ele. O que falta é o reconhecimento formal pelo governo chinês de que a cultura do fumo na Bahia está livre da praga conhecida como mofo azul, condição indispensável para ser liberada a importação do charuto baiano pelos chineses. Em janeiro de 2011 Salles foi à China levar seus argumentos, integrando uma delegação brasileira com o mesmo objetivo.

Em abril deste ano uma missão de três representantes do governo chinês veio ao Brasil vistoriar plantações na Bahia e em Alagoas e, de acordo com o secretário, comprovar que a praga não existia. A partir daí, diz Salles, passou a ser uma questão de tempo e burocracia.

Poderia ter sido em junho, quando estava no Brasil a delegação chinesa que participou da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), mas não aconteceu "por um erro de protocolo". Agora, garante o secretário, falta superar detalhes da burocracia diplomática para que a liberação seja assinada a qualquer momento na embaixada brasileira em Pequim.

A perda de mercado e as consequentes reduções do plantio de fumo e da fabricação de charutos na Bahia vêm desde a década de 1940, ensina o historiador francês Jean BaptisteNardi, estudioso do assunto desde o início dos anos 1980 e radicado na Bahia (Feira de Santana) há mais de 15 anos.

Segundo Nardi, com o fim da Segunda Guerra Mundial, o fumo escuro produzido na Bahia desde 1570 - e desde o século XIX usado na fabricação de charutos - perdeu espaço para os fumos claros, usados na fabricação de cigarros e mais ao gosto dos Estados Unidos.
Chico Santos/ValorPara o historiador Nardi, China pode ajudar a região

A produção de fumo baiana que era de 30 mil toneladas anuais caiu para 9,13 mil toneladas em 2002, açoitada também pelo crescimento da já agora também decadente fumicultura da região de Arapiraca, em Alagoas. Hoje não há números confiáveis, mas a estimativa é que a produção esteja ainda menor. Ela foi fortemente afetada pela seca nos últimos três anos e vem sofrendo também os efeitos da crescente rejeição ao tabaco.

Na região, todos, inclusive o governo do Estado da Bahia, apegam-se à tese de que o charuto, por ser artesanal e não utilizar aditivos químicos, seria menos nocivo do que o cigarro. O secretário de Agricultura, inclusive, defende que a exportação do charuto tenha prioridade sobre a de fumo em folhas.

As estatísticas do Sinditabaco-BA indicam que as exportações de fumo em folhas estão estabilizadas em um patamar próximo a US$ 30 milhões anuais -US$ 31,8 milhões em 2011, bem inferior aos US$ 66,7 milhões de 2008.

As vendas de charutos, por sua vez, somaram R$ 6,5 milhões no mercado interno e cerca de US$ 500 mil em exportações, em 2010. Estima-se que haja no Brasil apenas cerca de 50 mil consumidores de charutos.

A crise segmentou a produção nordestina, ficando a Bahia exclusivamente com fumos em folha para a produção de charutos, sendo cerca de 95% das folhas exportadas para fábricas no exterior, e Alagoas quase que totalmente dedicada à produção de fumo de corda, ou de rolo, para consumo doméstico. Nardi, que já produziu um estudo sobre a fumicultura alagoana diz que a situação em Arapiraca e região é complicada com muitos produtores sem uma vocação definida (o Valor analisou a situação em reportagem publicada em 27 de fevereiro).

Agora o historiador prepara um trabalho aprofundado sobre a situação da fumicultira baiana, encomendado pela Secretaria de Agricultura do Estado, hoje concentrada em pouco mais de 20 cidades da região do Recôncavo. Mas ele observa que os problemas já eram basicamente os mesmos que foram identificados em um seminário que organizou em maio de 2001 no município de Irará, hoje considerado como não produtor.

"A decadência da cultura do fumo na Bahia criou uma situação que todo o setor tem que enfrentar e resolver, sob pena de desaparecer completamente", diz o pesquisador na abertura das conclusões do seminário. Nardi já cobrava também do governo a necessidade de "cuidar das atividades de substituição para os agricultores que, infelizmente, não terão mais a fumicultura para sustentar-se".



Veículo: Valor Econômico


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