Segundo os laboratórios fabricantes e as drogarias, problema ainda é reflexo da greve da Anvisa - Drogarias visitadas pela reportagem relatam falta de insulina, antidepressivos e drogas contra câncer
Aos 78 anos, a aposentada Ruth Lacerda passou 15 dias em busca do remédio de que precisa para controlar o diabetes. "Rodei todas as farmácias da Tijuca [zona norte do Rio] e não encontrei."
A peregrinação teve fim só na última quinta, quando ela encontrou uma farmácia com duas canetas de insulina -a aposentada usa uma dessas por semana."Comprei as duas", diz, já com outra reclamação: agora, não acha o remédio para a hipertensão. "Não tomei ontem e minha pressão foi a 20".
O calvário foi vivido também pelo tabelião Alan José Santos Borges, 43. "Passei 20 dias na busca por insulina ultrarrápida e acabei trocando pela normal."
A Folha foi a 15 farmácias da Tijuca e da zona sul do Rio e constatou falta também de antidepressivos e remédios para o tratamento de câncer.
Em São Paulo, 16 farmácias foram visitadas no centro e nas regiões leste e oeste e todas tinham drogas em falta, como o hormônio da tireoide Synthroid (Abbott), o ansiolítico Frontal (Pfizer) e o Topamax (Janssen), contra epilepsia e enxaqueca.
Uma das drogarias no Rio informou que está com 40% do estoque. "Só tenho uma caixa do Zytiga 250 mg, contra câncer. Normalmente tenho 12 ou 13", contou um balconista. O problema é atribuído à greve de 45 dias da Anvisa. Os servidores voltaram ao trabalho no dia 3."Muitos pacientes pararam de se tratar", diz o endocrinologista Izidoro Flumignan.
As insulinas Levemir e Novomix (Novo Nordisk), usadas por Lacerda e Borges, são sintéticas e mais eficazes para pacientes cujo controle glicêmico é difícil, diz ele.
Flumignan calcula que 20% de seus pacientes não acham insulina. "Alguns suspenderam o uso e chegam ao consultório com até 400 mg/dl". A taxa glicêmica normal é de até 110 mg/dl.
O psiquiatra Márcio Bernik, do HC da USP, afirma que alguns pacientes seus tiveram dificuldade em achar o antidepressivo Paxil (GSK)."Alguns tentaram se adaptar a outros medicamentos, fizeram racionamento e vários tiveram recaída."
A lista em falta inclui ainda Zoladex (endometriose e câncer) e Selozok (hipertensão), da AstraZeneca, Piotaz (EMS) e Humulin (Eli Lilly), para diabetes, e Apraz (Mantecorp) e Heimer (Eurofarma), antidepressivos.
A Pfizer e a Abbott apontam a greve da Anvisa como causa da falta. A Novo Nordisk diz que teve problemas de importação. A AstraZeneca e a Mantecorp dizem que o fornecimento está em normalização. As demais afirmam desconhecer a falta.
Veículo: Folha de S.Paulo