E agora, para onde vai o café?

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Um expresso premium extraído em dose única ao toque de um botão: essa foi a bandeira fincada pela Nespresso, do grupo Nestlé, na sua chegada ao Brasil, em 2006. O consumidor comprou a ideia, embora alguns tenham cogitado o risco de o sistema fechado, que atrela máquina a cápsula, aguar o cafezinho caso as cápsulas não chegassem mais aqui.

Agora, o sistema começa a se abrir – contra a vontade da fabricante. As cerca de 1.700 patentes que protegem cápsulas e máquinas estão expirando. E, assim como tem acontecido em muitos países da Europa, no Brasil surgem cápsulas alternativas, caso do Café do Ponto, que acaba de lançar por aqui as cápsulas L’Or, compatíveis com a máquina da Nespresso, e do Lucca Cafés Especiais, de Curitiba, que desde agosto de 2012 vende seus cafés nesse formato via internet e em sua matriz, no bairro Batel. O Paladar conseguiu reunir cápsulas alternativas de quatro fabricantes e fez uma prova comparando-as às originais, que, diante das concorrentes, se saíram bem.

A Nestlé não comenta o assunto, um imbróglio jurídico que se repete em países como França, Alemanha, Bélgica, Espanha e Holanda. Na Europa e na Ásia, desde 2010 multiplicam-se os fabricantes de cápsulas e as torrefações que distribuem seus cafés nesse tipo de dispositivo. “Desde que a patente tenha caído, essas empresas não estão infringindo nada”, diz Mônica Steffen Guise Rosina, professora de propriedade intelectual da Escola de Direito de São Paulo da FGV.

Um dado é público: a marca suíça acumula derrotas nos tribunais, em ações contra seus dois principais adversários, a D.E Master Blenders 1753, grupo que é dono do Café do Ponto, e a Ethical Coffees, que pertence a Jean-Paul Gaillard, ex-CEO da Nespresso, apontado como um dos responsáveis pela projeção mundial da marca. Em uma das decisões mais emblemáticas, um juiz de Düsseldorf, Alemanha, rejeitou a medida cautelar contra a empresa de Gaillard, argumentando que, ao comprar a cafeteira, o consumidor adquire o direito de operá-la como bem entender, inclusive usando outras cápsulas.

No Brasil, o mercado de cápsulas alternativas começa a dar sinais de vida. “Seguramente, é uma tendência. É um método prático. Basta que se chegue a preços mais acessíveis”, pondera Silvio Leite, degustador internacional do concurso Cup of Excellence e exportador. “Monodose é o futuro. É um café sujeito a mínimos erros, uma bebida com regularidade”, diz.

A Nestlé reage: suas cápsulas, vendidas a preços entre R$ 1,90 e R$ 3 em 2010, hoje custam R$ 1,50 a unidade – e algumas fontes ouvidas pelo Paladar apostam que ainda podem chegar a pouco mais de R$ 1. Outro sinal de alerta é a reformulação da loja da Rua Padre João Manoel, nos Jardins, fechada desde o dia 31 de janeiro. O espaço, que funcionava como butique e cafeteria, passa por uma reforma e deve ser reaberto em maio apenas como centro de treinamento e palestras. É um endereço a menos no já restrito número de lugares onde se pode comprar cápsulas Nespresso: são 11 butiques no Brasil, das quais 5 em São Paulo, 2 no Rio, 1 em Campinas, 1 em Belo Horizonte, 1 em Brasília e 1 em Curitiba.


A invasão das cápsulas alternativas

   
O alvoroço das cápsulas alternativas ganhou força no Brasil no dia 1º de fevereiro, quando chegaram às lojas os cartuchos Café do Ponto L’OR Espresso, da D.E Master Blenders 1753 – que briga mundialmente com Nespresso. São seis blends: supremo, decaffeinnato, splendente, sontuoso, forza e fortissimo.

Mas essa história começou com Luiz Otávio Franco de Souza, sócio da Lucca Cafés Especiais, em Curitiba, que lançou seu cardápio de grãos em cápsula em 2012. “Não somos concorrentes, somos parceiros (da Nespresso). Para nós, é só mais uma opção de embalagem para o café do Lucca”, diz Franco de Souza. A Lucca vende sete opções de cápsulas, em que constam cafés cultivados na Bahia, em Minas e no Paraná, além de blends.

Hoje, cinco funcionários preenchem à mão as cápsulas vindas da França. Cada uma custa R$ 1,40. Mas a partir de março, uma minifábrica com dez funcionários e produção automatizada passará a confeccionar as cápsulas – inclusive a embalagem plástica. “Além da internet, passaremos a vender, a partir de abril, em supermercados de todo o País.” O preço não foi definido, mas deve ser 30% mais baixo que o original. Os pacotes têm dez cápsulas e trazem dados de processamento, variedades de grão, altitude e regiões produtoras.

Microlote

O barista Leo Moço também está prestes a lançar sua coleção de grãos arábica encapsulados. Ele deve começar a vender para pessoas físicas em seu site a partir da segunda quinzena deste mês. Moço fez testes com diferentes perfis de torra e tipos de granulometria. Já concluiu que o mecanismo se adapta a cafés especiais. “A extração consegue bons resultados. Mas ainda assim é diferente, não há tanta crema”, explica o dono da marca Café do Moço. Suas cápsulas, de alumínio, também vêm da França. Para preenchê-las, ele diz que põe a mão na massa e está ficando craque: produz cinco unidades por minuto. Cada cápsula deve custar entre R$ 1,80 e R$ 2, em sete versões, incluindo microlotes vencedores de concursos.

O barista também dá detalhes sobre secagem, variedades de grãos, safra, produtor e altitude. Ainda no primeiro semestre ele abre em São Paulo um misto de loja e cafeteria, onde vai vender o produto.
Outra iniciativa vem da Bahia. O empresário Moacir Tavares, da Cafezinho do Brasil, vai usar os festejados cafés de Piatã para preencher artesanalmente a embalagem plástica que traz da China. Segundo ele, algumas fazendas do sul de Minas e do Espírito Santo estão em negociação para entrar em seu portfólio. As vendas serão feitas pelo site da marca, que começa a funcionar ainda neste mês. A unidade deve custar R$ 1,40.

Vinícius Ferrero, presidente no Brasil da companhia Espressione, que vende máquinas de café expresso, importa cápsulas da portuguesa Bicafé, compatíveis com as máquinas da Nespresso. O primeiro lote chegou em setembro e está à venda no site Café Fácil. “Estamos coletando a opinião dos clientes, que às vezes ficam frustrados porque querem um café igual ao da Nespresso”, diz Ferrero.

Até junho a marca deve inaugurar no Brasil uma fábrica própria para a produção de cápsulas, não apenas de café, mas também de leite, chás, chocolate. Segundo ele, as cápsulas que sua empresa usa são legais. “Para elas, a patente está caduca. Não é absolutamente igual. Nosso modelo é feito de plástico derivado de milho, biodegradável”, comenta. “O Brasil está no mercado de doses há muito tempo. E a Nespresso é apenas um dos métodos. Acreditamos na praticidade do café dosado, sem sujeira. É uma tendência mundial. E estamos atrasados. O consumidor quer cada vez mais isso”, conclui Ferrero, prevendo que o alvoroço está só no começo.

LINHAS GERAIS

Na prova das cápsulas ganhou a Nespresso (Livanto). Moço ficou em segundo, Lucca em terceiro.

1 - Rasgos, vazamento e falhas de encaixe afetaram todas cápsulas alternativas, menos a do Café do Ponto.

2 - Atenção à validade após abrir os pacotes. Lucca e Moço, por usarem processo manual, duram apenas 10 dias.

3 – Outros métodos, em alguns casos, podem ser mais adequados para notar nuances.


VEREDICTO DA XÍCARA


CAFÉ DO MOÇO| Cápsula: Frutado de Verdade. Notas de morango, frescor, muita doçura e corpo médio. No líquido, percebiam-se os óleos do grão. Ao esfriar, notas de caramelo e acidez pronunciada. A crema se dissipou rapidamente. Foram duas tentativas até o encaixe adequado da cápsula. Ao limpar a máquina, havia muito resíduo de pó de café e até de alumínio. Aspecto do pó: torra média, moagem média.

NESPRESSO| Cápsula: Livanto. Muito agradável, dá vontade de repetir a dose. Traz doçura e uma leve acidez cítrica, com notas de frutas amarelas. Mesmo que não tenha atingido a melhor extração da cápsula, é uma bebida que chega à xícara em sua plenitude. Ao esfriar, no entanto, o café perde em potência e aromas. Aspecto do pó: torra média escura e moagem fina.

CAFÉ DO PONTO| Cápsula: L’Or – Sontuoso. Bebida de crema clarinha. Apresentou aroma químico e um toque oxidado. Melhor tomar com açúcar. A crema resistiu na xícara por 6 minutos e 54 segundos. A cápsula transparente é perfurada nas duas extremidades e foi, além das cápsulas Nespresso, a única que se manteve intacta após o fim da extração. Aspecto do pó: torra escura, moagem fina e irregular.

LUCCA CAFÉS| Cápsula: Blend Espresso. Café subextraído, com pouca doçura, corpo e acidez. Foram cinco tentativas até que o encaixe da cápsula fosse adequado. Ao fim, o cartucho estava amassado, deixando resíduos de pó de café e alumínio. Obteve-se crema espessa, que persistiu por 6 minutos e 40 segundos. Aspecto do pó: torra média, moagem fina para média, com aroma de café fresco.

ESPRESSIONE| Cápsula: Intenso ou suave. Foram quatro tentativas até extrair a bebida, pois a cápsula caía no reservatório. Para completar a extração, foi preciso forçar a alavanca. O líquido caiu continuamente, ralo: aroma de queimado, adstringente, sem corpo. Gosto final desagradável – também pede açúcar. A crema era ralinha, dissipou-se em dois minutos. Aspecto do pó: torra clara e moagem média.



Veículo: O Estado de S.Paulo


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