Brasil, uma potência da soja de mãos atadas

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Produção do país, líder mundial no grão, seria 20% maior sem gargalos na logística

Plantação de soja no MT: com disponibilidade de terras e tecnologia de ponta, país tem condição de dobrar área de cultivo Guito Moreto

SINOP (MT) e RIO - Embora o Brasil enfrente graves problemas logísticos para escoar sua safra, o país fez o dever de casa no campo e se tornou uma potência agrícola. Pela primeira vez este ano, pode superar os EUA na produção de soja e ostentar o título de maior produtor mundial do grão. Ainda assim, especialistas dizem que se não fosse o caos logístico, a distância que separa os dois países poderia ter sido encurtada há mais tempo. Sem travas nas estradas, nos portos e nos armazéns, os produtores seriam estimulados a investir mais e a produção de soja seria cerca de 20% maior. É o que mostra o último dia da série de reportagens “Celeiro em xeque”.

Dados do Departamento de Agricultura dos EUA divulgados este mês mostram que a produção de soja no país alcançou 82 milhões de toneladas na safra colhida em 2012, prejudicada por questões climáticas. Como o Brasil planta num ano e colhe no ano seguinte, os dados americanos têm de ser comparados com a safra brasileira de 2012/2013. O Departamento de Agricultura dos EUA estima a safra de soja no Brasil em 83,5 milhões de toneladas. As estatísticas do governo brasileiro são um pouco menos otimistas: 81,9 milhões de toneladas. Somente em meados do ano, com a soja já 100% colhida, é que o Brasil vai poder exibir o status de primeiro no ranking mundial, caso as projeções americanas se confirmem, ou se contentar com o segundo lugar que já ocupa hoje. A safra total brasileira é estimada em 184 milhões de toneladas, segundo dados oficiais, um recorde.

— Se o país tivesse infraestrutura adequada, a safra de grãos poderia ser 20% maior, os produtores investiriam mais — diz Glauber Silveira, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja).

O Brasil tem condições de mais que dobrar sua área plantada sem desmatar novas áreas. Bastaria uma migração de áreas — hoje usadas para pastagem — para as de cultivo, o que poderia ser feito com o emprego de tecnologia para elevar a produtividade da pecuária, ainda baixa. Atualmente, há cerca de 60 milhões de hectares plantados no país. Há possibilidade para avançar sobre outros 70 milhões de hectares. Essa disponibilidade de terras só é encontrada na África, onde a dificuldade é justamente o ponto forte brasileiro: a tecnologia.

Os especialistas são unânimes em afirmar que o investimento em inovação no campo, especialmente o feito pela Embrapa, é o diferencial do país, além das vantagens como terras férteis e clima. O orçamento da Embrapa é de cerca de R$ 2 bilhões por ano. Graças a essa aposta o país exibe elevados índices de produtividade. No caso da soja, por exemplo, a área plantada cresceu 50% nos últimos dez anos, e a produção avançou 62%, segundo a consultoria Agroconsult. São ganhos de produtividade que ocorrem desde os anos 70, quando a estatal foi criada.

— Naquela época, havia uma orientação do governo militar para ocupar o Centro-Oeste. A Embrapa domesticou o solo do Cerrado, que era pobre e improdutivo, e desenvolveu a soja tropical, que se tornou referência no mundo. Tanto que o grão é originário da China e hoje o país asiático é o seu principal importador — diz Alexandre José Cattelan, chefe-geral da Embrapa Soja.

Sindicato: Bradesco e Itaú avançam

Com o avanço tecnológico, o Brasil tem elevado sua produção em ritmo superior ao mundial. De 2006 a 2011, a produção de soja cresceu a taxa de 6% ao ano, o dobro dos 3% no mundo, segundo pesquisa do Ícone, em parceria com a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp). Entre 2012 e 2022, a estimativa é que a taxa anual de crescimento caia (2,8%), mas ainda fique acima da média global (1,4%). No milho a relação se mantém: alta anual de 3% até 2022, ante 1,5% no mundo.

— As estimativas consideram que os problemas logísticos vão se manter. Sem eles, a produção cresceria mais. Ficou claro este ano que a logística trava o agronegócio. Na próxima safra, o produtor pode investir menos por causa disso — diz André Nassar., diretor-geral do Ícone.

Duas tradings chinesas cancelaram recentemente compras de soja brasileira devido ao nó logístico. A China responde por 69% das exportações brasileiras do grão.

As perdas causadas pelo caos em estradas e portos também podem frear outra revolução no campo, a do acesso ao crédito. O percentual do uso de capital próprio para viabilizar a produção de soja em Mato Grosso (principal estado produtor) saltou de 5% para 40% entre 2007/2008 e 2012/2013, diz a Agroconsult. A dependência das tradings caiu de 51% para 19%. Resultado da capitalização dos produtores. A parcela de bancos privados também cresce.

— Bancos privados, como Bradesco e Itaú Unibanco, estão tirando espaço do Banco do Brasil (BB), que está mais burocrático — diz Leonildo Bares, presidente do Sindicato Rural de Sinop (MT).

Ainda assim, a carteira de crédito do Itaú Unibanco era de apenas R$ 6,6 bilhões em 2012. A previsão de liberação do BB para esta safra é de R$ 55 bilhões.


Veículo: O Globo - RJ


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