Indústria e comércio tentam driblar escassez de profissionais. País perde competitividade
SÃO PAULO E RIO - Com o emprego batendo recorde no país e os gargalos da educação, as empresas têm encontrado cada vez mais dificuldade na hora de contratar. Pesquisa feita pela Fundação Dom Cabral com 130 executivos de empresas de grande porte em todo o país revelou que 92% deles têm dificuldades para empregar trabalhadores preparados para os cargos que oferecem. Entre os principais obstáculos citados na pesquisa, realizada no ano passado, 81% das respostas mencionaram a escassez de profissionais capacitados; 49% citaram a falta de experiência na função; e 42% reclamaram da deficiência na formação básica.
Ontem, o IBGE informou que o desemprego nas seis maiores regiões metropolitanas do país ficou em 5,7% em março, o melhor resultado para esse mês desde o início da atual pesquisa, em 2002.
— Diante deste cenário, as empresas acabam fazendo concessões na contratação, ao empregar pessoas com qualificações inferiores às desejadas. A longo prazo, esse processo vai corroer a competitividade e o nível de produtividade da economia brasileira — diz o professor Paulo Resende, responsável pela sondagem da Fundação Dom Cabral.
A Ecil Energia, fabricante de componentes para o setor elétrico, é um exemplo. A empresa emprega mais de cem pessoas em sua fábrica em São Paulo. São funcionários que cuidam, por exemplo, da limpeza das instalações, da operação do maquinário e do controle da produção. Mas, apesar dos bons salários e do pacote de benefícios que costuma oferecer, a Ecil enfrenta dificuldades para contratar.
— Sofro quando tenho de repor alguma vaga de analista de sistemas ou de engenheiro elétrico e eletrônico. Não encontro profissionais com o currículo desejado. E, quando encontro, acabo perdendo para setores como o financeiro, que paga mais — reclama o presidente da Ecil, Nelson Luís Freire.
A falta de mão de obra aumenta a pressão sobre os cursos de qualificação, como os do Sistema S (que recebe contribuições descontadas sobre a folha de salários das empresas de diferentes categorias para cuidar da educação profissional).
— O sistema de educação profissional começa a agir para suprir essa falta de mão de obra, seja por pressão dos empresários ou iniciativa dos governos. Temos aumentado o atendimento — afirma Allain José Fonseca, coordenador de projetos educacionais da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan).
Dificuldade maior é no chão de fábrica
O número de atendimentos, segundo Fonseca, passou de cerca de 90 mil, em 2010, para 150 mil, em 2012. Para 2013, a meta é chegar a 160 mil. Um investimento grande foi nas unidades móveis de treinamento (veículos que levam oficinas a diferentes regiões do estado): eram três em 2010, chegaram a 20 no fim de 2012 e totalizarão 33 em 2013.
De acordo com o Senai, a baixa oferta de engenheiros e analistas de sistemas, por exemplo, nem é o principal problema enfrentado pela indústria:
— Há ainda mais dificuldade de contratar os que trabalham no chão de fábrica, na produção. Entre todos os setores, os que mais sofrem hoje são o de construção civil e mecânica — explica Márcio Guerra, gerente-executivo de Pesquisa e Prospecção do Senai.
O Senai forma anualmente um milhão de trabalhadores, segundo a entidade. Guerra pondera, no entanto, que mesmo com a abertura de cursos com foco nas atividades em que há poucos trabalhadores qualificados disponíveis, há grande desinteresse da população em frequentá-los:
— É preciso fazer um trabalho de conscientização da população. Ensinar que dá para ganhar bem com um curso técnico; não precisa ser bacharel.
A falta de mão de obra ultrapassa os limites da indústria e também afeta diretamente o comércio, que recorre cada vez mais ao treinamento de pessoas sem experiência para preencher seus quadros de funcionários. Mas os empresários do setor reclamam que, apesar do gasto com treinamento, acabam enfrentando uma grande rotatividade da mão de obra, que aumenta com o bom momento do mercado de trabalho.
— Tem sido cada vez mais difícil contratar funcionários. E precisamos ter sempre alguém ali do lado para explicar as diferentes atividades. É uma espécie de acompanhamento. O problema é que, como o desemprego está baixo, as pessoas não têm mais medo de perder o emprego, acham que logo conseguem arrumar outro — explica Marcelo Reis, gerente da Papelaria Terra Papel.
Comerciantes reclamam de exigência salarial
No caso da papelaria Galeria Moderna, a solução também tem sido o treinamento. O sócio Alberto Terra conta que um auxiliar de serviços gerais, por exemplo, passou a trabalhar na área de cópias, depois que o profissional do setor saiu:
— O treinamento faz parte do nosso negócio. Quando tentamos contratar alguém, ou esta pessoa nunca trabalhou ou não tem qualificação. Estamos sempre tentando ensinar.
Já a exigência de uma renda mais alta é citada por Antonio Pires, da loja Bazar 160, de produtos para construção civil, como um dos desafios a serem enfrentados pelo comércio.
— Sinto uma dificuldade maior nos últimos tempos para contratar funcionários e vejo isso também em padarias, lanchonetes e restaurantes. As pessoas têm achado os salários baixos — afirma Pires.
No Grupo Redentor — que reúne as empresas de ônibus do Rio Viação Redentor, Transportes Futuro e Transportes Barra — há um esforço constante de treinamento, segundo o psicólogo Mário Mattos. Sua estimativa é que a empresa precise hoje de pelo menos cem motoristas para completar o quadro de cerca de 1.600. Isso sem considerar o aumento da frota que está sendo esperado.
— A concorrência de outros setores, como construção civil e comércio, tem sido grande e o motorista é muito cobiçado. Por isso, temos contratado motoristas com carteira de categoria B (para veículos com preso bruto inferior a 3.500 quilos e lotação máxima de oito lugares) e investimos num processo de treinamento intensivo de três a quatro meses, além de financiar o curso para o motorista conseguir a categoria D — diz Mattos.
Ao lado do comércio, setores como enfermagem, tecnologia da informação e da comunicação e hotelaria são alguns em que falta mão de obra qualificada.
— Temos um investimento grande na formação e a preocupação é ouvir o mercado para saber onde investir. Há uma ampla falta de profissionais nas áreas de logística, enfermagem, tecnologia da informação e hotelaria — explica a gerente de educação do Senac-RJ, Wilma Freitas.
Veículo: O Globo - RJ