Oferta de cargos com bons salários e benefícios não acompanhou o boom que o mercado vive para baixa ou média qualificação e se apresenta, hoje, como grande desafio para o crescimento
O desafio da economia brasileira na geração de empregos vai além de um universo de oportunidades capaz de manter baixas as taxas de desocupação no país. A maior dificuldade pode ser a criação de vagas de qualidade, que ofereçam não só a carteira de trabalho assinada como também salários adequados aos níveis de especialização dos profissionais, jornada que permita ao empregado conciliar a rotina nas empresas e a vida pessoal, benefícios sociais adicionais aos previstos em lei e a possibilidade de ascensão de carreira. Entendida nesse conceito mais amplo, a oferta de empregos de qualidade recuou nos últimos cinco anos em participação no total da população empregada. Os melhores postos oferecidos continuam concentrados nas grandes empresas do setor de serviços e da indústria, associados à formação no ensino superior e ao tempo maior em serviço.
Não há como imaginar a recuperação dos empregos de qualidade sem o retorno dos investimentos do setor privado, principalmente, aqueles ligados a setores que demandam desenvolvimento de tecnologia, alerta o economista Márcio Pochmann, do Centro de Estudos Sociais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas. “É um contexto desafiador para o Brasil. O pressuposto de uma economia que cresce em razão de investimentos novos é a criação de empregos que remuneram melhor o trabalhador “, afirma.
Na dúvida sobre como o governo vai resolver os gargalos para atrair os investidores num cenário ainda marcado pelos efeitos da crise internacional, a recomendação dos consultores de recursos humanos é abrir tempo na agenda para fortalecer o currículo com experiências, sem deixar de cuidar da satisfação pessoal, ingrediente necessário ao bem desempenho na profissão. “Mais que pensar em uma pós-graduação que as empresas não vão exigir, o profissional precisa investir na experiência, inclusive, no exterior, e no domínio de inglês e espanhol”, afirma Adriana Prates, presidente da Dasein Executive Search, espercializada em recrutamento e consultoria de pessoal e de executivos.
Diferentemente da condição de pleno emprego que tem caracterizado as ocupações para profissionais das áreas operacionais, com remuneração de até 5 salários mínimos (R$ 3.390), nos níveis intermediários, que envolvem os especialistas, consultores e pessoal de média gerência, Adriana Prates vê descompasso, com mais candidatos do que vagas. Na avaliação da presidente da Dasein Search, faltam ao país ferramentas para ampliar a oferta dos empregos mais qualificados a partir de investimentos de novas empresas no Brasil. Apesar do freio já imposto às contratações no ano passado, frente a 2011, ela verifica alguns áreas aquecidas neste ano, como a de engenharia, finanças pessoais, RH, consultoria, contabilidade em tecnologia da informação e auditoria.
No grupo Selpe, também especializado em seleção de mão de obra, uma garimpagem dos empregos de melhor qualidade feita pelo diretor de operações da empresa, Robson Barbosa, indicou 56 vagas em aberto com ofertas salariais entre R$ 1,3 mil para jornada de seis horas diárias e R$ 14 mil, para gerente de RH. “Em geral, esses empregos estão nas empresas de grande porte, com departamento de recursos humanos estruturado, e naquelas preocupadas em criar um bom clima organizacional, programas de prevenção e promoção da saúde e que incentivam práticas esportivas”, afirma. Entre as funções requeridas estão assistentes de atendimento em língua inglesa, inspetor de qualidade, com nível técnico em mecânica, coordenador de manutenção e engenharia, consultor interno de RH, comprador de produtos e serviços e controlador de orçamento e custos.
Disputa
Se o país viveu anos recentes de avanço na geração de empregos com a carteira assinada, o que indica melhora das condições do trabalho, isso não significa que aumentou a oferta de empregos de qualidade. Para Robson Barbosa, na tentativa de reverter a escassez de mão de obra qualificada e diminuir a rotatividade de pessoal, muitas empresas optaram por melhorar os benefícios e valorizar os salários do quadro de pessoal existente para reter profissionais disputados pelos concorrentes. Há casos de companhias estrangeiras que passaram a estimular a prática do trabalho em casa para não perder gente qualificada.
A política chegou ainda a profissionais de nível operacional, a exemplo de 90% dos empregados da Construtora Caparaó. A empresa passou a oferecer seguro de vida, premiação por indicação de empregado que permanecer pelo menos três meses em serviço e clube de lazer. Segundo o gerente de RH da construtora, Silvano Aragão, mantendo os salários de mercado oferecidos, os benefícios contribuíram para reter e atrair trabalhadores. A rotatividade está em 4% – a cada 100 empregados, quatro entram e saem no mesmo mês –, ante a média, de 12%, do setor.
Serviços lideram oferta
Os trabalhadores que ocuparam, no ano passado, os empregos de melhor qualidade na Região Metropolitana de Belo Horizonte representavam menos de 6% do total, percentual inferior aos 6,5% de 2011 e 8% de 2008, de acordo com estudo do economista Mário Rodarte, professor do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG. O grupo reuniu 132.573 pessoas de um contingente de 2,247 milhões de ocupados, dos quais 62,5% tinham o ensino superior completo. As empresas prestadoras de serviços responderam pela maioria das vagas (77,3%) e a indústria por 11,6%. Uma das maiores surpresas para o pesquisador foi a constatação de que o emprego top é duradouro, portanto está relacionado ao tempo maior de casa.
Mário Rodarte estabeleceu dois critérios para investigar as condições do emprego de qualidade: rendimento igual ou superior ao salário mínimo estipulado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) para atender as necessidades do trabalhador conforme a Constituição federal (de R$ 2.514 em dezembro de 2012) e jornada semanal de 10 a 40 horas. A jornada média na Grande BH é de 41 horas semanais. “É uma espécie de paraíso. Quando a pessoa entra, tende a ficar, ou talvez seja a construção da carreira que leve o profissional a chegar lá, mas com tempo”, afirma. Cerca de 60% do que poderia ser chamado de emprego top tem relação com profissionais há mais de cinco anos em serviço.
O ponto alto da geração de empregos de qualidade foi observado antes da crise financeira mundial, em 2008, quando eles representavam 8% da população ocupada na região metropolitana da capital mineira. A participação foi o dobro da fatia de 2004, período que marcou o início do longo processo de formalização do emprego no Brasil. A elevação da escolaridade, para o secretário de Estado de Trabalho e Emprego de Minas Gerais, José Silva, é uma das saídas para que mais trabalhadores tenham acesso a emprego em melhores condições.
A medida é uma das principais metas da pasta, que gerencia os 134 postos do Sistema Nacional de Emprego no estado. Na semana passada, a rede oferecia 481 vagas que requeriam ensino superior. “Dobramos os recursos destinados às unidades de atendimento ao trabalhador (R$ 10 milhões em 2013). Vamos melhorar a infraestrutura da rede, a assistência e o programa de qualificação profissional no estado”, afirma.
Veículo: Estado de Minas