Sem planejamento e sem investimentos em estruturas portuárias o Brasil enfrentará, não um "apagão", mas uma "falência logística" com prejuízos para a produção agrícola e "quebradeira" de quem apostou no aumento da safra. A previsão é de Rui Carlos Botter, coordenador do Centro de Estudos de Logística da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.
Botter analisou a necessidade de investimentos portuários no painel Mineração e Agronegócio: Superando Obstáculos para o Escoamento da Produção, no 8º Encontro de Logística e Transportes promovido pela Fiesp, na semana passada. Em sua exposição, o especialista da USP concluiu que a produção mineral tem planejamento de longo prazo que atende as necessidades do setor, mas a agricultura está desassistida.
Afora a ampliação recente do porto de Itaqui (MA), o país não conta com nenhuma iniciativa importante para dar conta do crescimento constante da produção agropecuária, em especial na região Centro-Oeste. Os portos do Sul e Sudeste, por exemplo, por onde passa a maior parte das exportações, não tiveram ampliação de capacidade. Ao contrário. Os principais, Santos e Paranaguá, enfrentaram longas filas de caminhões à espera de vagas para descarga, no pico da colheita de soja deste ano.
Na visão de Botter, o crescimento da produção de commodities requer novos terminais portuários. Ele entende que o país precisa avançar em armazenamento também junto às regiões produtoras, mas aponta a necessidade de se escoar a safra "em algum momento". Principalmente porque o Brasil trabalha em uma janela de mercado e não pode esperar muito tempo para comercializar. Caso contrário, terá de enfrentar a concorrência das colheitas dos Estados Unidos e a consequente queda dos preços por excesso de oferta.
O professor da USP entende que, antes, contudo, o país deve procurar esgotar as possibilidades de ampliação dos terminais já existentes. Para ele, são passíveis de investimento para aumento de capacidade os portos de Rio Grande (RS), Santos (SP), Sepetiba (RJ), Aratu (BA), Suape (PE) e Baía de São Marcos (MA).
Levantamento realizado pelo movimento Pró Logística da Aprosoja (Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso) indica que 79% da produção de soja mato-grossense são exportados pelo Sul e Sudeste. Além de enfrentar gargalos nos portos dessas regiões, a safra arca com o frete mais caro do mundo, que consome os ganhos obtidos nas lavouras de maior produtividade.
Enquanto o custo médio do frete para a soja brasileira atinge hoje em torno de US$ 92 por tonelada, os principais concorrentes do país trabalham com praticamente um quinto desse valor: US$ 23 por tonelada para os EUA e US$ 20 para a Argentina, diz Edeon Vaz Ferreira, coordenador executivo do Pró Logística na Aprosoja. Muito desse custo decorre da ineficiência dos portos, mas parte importante se deve ao fato de, no Brasil, 58% da carga de soja ser transportada por caminhão, ao passo que nos Estados Unidos só 5% do produto circulam pelo modal rodoviário.
É importante construir estruturas de armazenamento para resolver o problema presente sem esquecer-se de pensar no futuro, defendeu José Vicente Caixeta Filho, diretor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP. Para ele, a falta de estruturas de armazenamento faz com que os produtores corram todos juntos para exportar, saturando ainda mais a infraestrutura, pressionando para cima os custos de frete e fazendo com que trens e caminhões funcionem como armazéns ambulantes. "O frete no Mato Grosso chega a custar 50% da carga, que tem baixo valor agregado", argumenta.
Caixeta Filho defendeu os investimentos ferroviários, mas alertou que "o Brasil vai continuar sendo um país rodoviário nos próximos 15 ou 20 anos". Ele acredita que o ideal no momento "é usar bem a rodovia, começar a construir alternativas" e, principalmente, enfrentar o desafio de integrar modais.
Vaz Ferreira também considera importante aumentar a oferta de transporte rodoviário para suprir as necessidades mais imediatas, mas sugere também ampliação de terminais portuários, novas estruturas de portos e modernização dos terminais já existentes. Segundo ele, a conclusão da BR-163 (Cuiabá-Santarém), apenas parcialmente pavimentada, poderia encurtar o caminho da soja até o porto em 700 quilômetros, com redução de 35% nos custos de frete.
Também presente ao encontro, Marcelo Tunes, diretor de assuntos minerários do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), afirmou que a produção agrícola poderia aproveitar parcialmente a estrutura de transporte ferroviário de minérios, principalmente no transporte de fertilizantes até a lavoura.
Veículo: Valor Econômico