A reinvenção da Hypermarcas

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A maior empresa nacional de bens de consumo quis ser a Unilever brasileira, mas não deu certo. Endividada, enxugou seu portfólio, vendeu ativos e decidiu focar em apenas duas áreas de negócios, medicamentos e produtos de saúde e bem-estar

A capacidade de se reinventar é mercadoria valorizada no mundo dos negócios. Alguns analistas, inclusive, chegam a comparar as empresas a um organismo vivo, em constante transformação. No Brasil, poucas empresas se encaixam tão bem nessa definição quanto a Hypermarcas. A companhia é resultado de uma frenética campanha de aquisições promovida por seu fundador, o empresário goiano João Alves de Queiroz Filho, mais conhecido como Júnior. Seu objetivo era transformar a pequena Assolan, fabricante de palhas de aço comprada por ele em 2000, na maior empresa nacional de bens de consumo do País, voltada, principalmente, para o pequeno varejo e para a nova classe média brasileira. Na visão de Júnior, para ser bem-sucedida nesse mercado, a Hypermarcas precisava contar com marcas fortes.

 
Por isso, e com uma apetite que parecia insaciável, o empresário passou a reunir sob o seu guarda-chuva uma infinidade de produtos de todos os gêneros. Essa estratégia, no entanto, ficou longe de entregar os ganhos esperados. A partir de 2011, a Hypermarcas passou a enfrentar dificuldades e a produzir resultados decepcionantes. Naquele ano, suas ações sofreram uma desvalorização de mais de 60%. Os investidores clamavam por mudanças. Júnior, então, decidiu reagir. O empresário, que, apesar da fala mansa e estilo despojado, gosta de assumir riscos – seu principal hobby, por sinal, é acelerar nas estradas com sua motocicleta BMW –, resolveu encarar uma reestruturação dos negócios. Os planos começaram a serem postos em prática no ano passado.
 
Atualmente, é possível dizer que a Hypermarcas é outra empresa. A volúpia por aquisições acabou. Em vez de apostar em diversos mercados ao mesmo tempo, a empresa centrou seu foco em apenas dois: medicamentos e produtos de saúde e bem-estar. Se há um modelo, seria o da americana Johnson & Johnson. “Vimos que os mercados de saúde e bem-estar têm mais potencial”, diz o CEO Claudio Bergamo, braço direito de Júnior. “As áreas de limpeza e alimentos deixaram de ser rentáveis.” O número de marcas reunidas na divisão de bens de consumo caiu de 60 para 34. Em dois anos, podem ser apenas 25. Até mesmo a quantidade de unidades de produção e de escritórios está em queda. A empresa tinha presença em 22 locais do Brasil. Até o fim de 2014, serão apenas dois centros de distribuição e duas fábricas, uma para medicamentos e outra de bens de consumo, respectivamente em Anápolis e Senador Canedo, ambas em Goiás.
 
“Quanto menos portarias, menores são os custos e maior é o controle. Ganhamos em escala e flexibilidade”, diz Bergamo. “Poderemos mudar rapidamente os funcionários de uma linha de produção para outra.” É uma estratégia com a qual concordam os analistas do mercado. “Isso trouxe um ganho de produtividade”, afirma Samuel Monteiro, analista setorial da consultoria Lafis. O único aumento de complexidade na Hypermarcas está na divisão de remédios. A empresa pretende vender as suas marcas mais conhecidas, como Benegrip e Engov, em formatos diferentes. Para fazer isso, no entanto, ela precisa de aprovações na Anvisa. Existem atualmente mais de 200 pedidos de registros da empresa em avaliação pelo órgão regulatório.
 
 
VALORIZAÇÃO A nova fase da Hypermarcas já se reflete nos números. As ações reverteram a tendência de queda. Nos últimos 12 meses, os papéis da companhia tiveram uma valorização de quase 30%, contra uma queda de 8% do Ibovespa. O valor de mercado da empresa atingiu R$ 10,6 bilhões, mais do que o triplo dos R$ 2,9 bilhões registrados à época do seu IPO, em abril de 2008. No primeiro semestre deste ano, o lucro líquido da Hypermarcas foi de R$ 121,6 milhões, para uma receita de R$ 2,03 bilhões. Um ano antes, no mesmo período, a empresa registrou lucro de R$ 10,9 milhões. Seu endividamento, que chegou a ser motivo de preocupação entre os investidores na época das compras desenfreadas, hoje está equacionado, graças ao R$ 1,7 bilhão que possui em caixa.
 
Esse dinheiro será utilizado para pagar os vencimentos de cerca de R$ 2 bilhões em dívidas até 2015. “A Hypermarcas conseguiu fazer a transição de uma empresa extremamente alavancada e com crescimento inorgânico para uma companhia cuspindo caixa e pagando dividendos”, afirma Felipe Miranda, sócio da consultoria Empiricus Research. Nessa transformação, Júnior e Bergamo não só dirigiram o foco para outros mercados como promoveram mudanças profundas, e arriscadas, na estrutura da empresa. Para facilitar a gestão, ela foi dividida em duas áreas: medicamentos e consumo. A primeira ficou sob o comando de Luiz Eduardo Violland, ex-presidente da subsidiária brasileira da Nycomed, farmacêutica suíça adquirida pela japonesa Takeda em 2011, por US$ 14 bilhões.
 
A responsabilidade de Violland era consolidar as operações dos cinco laboratórios adquiridos pela Hypermarcas desde 2007: DM, Farmasa, Neo Química, Luper e Mantecorp. Na área comercial, todos os produtos farmacêuticos foram organizados sob uma única diretoria comercial. Foram criadas três equipes de vendas. Uma para grandes redes e duas para os pequenos varejos. Atualmente, a divisão farmacêutica representa 56% da receita da empresa, que foi de R$ 3,9 bilhões no ano passado. A Hypermarcas lidera o segmento de remédios sem prescrição médica, o chamado OTC, caso dos analgésicos, por exemplo, segundo a consultoria americana IMS.

 
 
Considerados os cinco laboratórios sob seu guarda-chuva, a Hypermarcas, com uma fatia de 8,7%, detém o terceiro lugar no mercado farmacêutico brasileiro, liderado pelo grupo EMS, com 12,3%, seguido pelo Sanofi/Medley, com 10,5%. Para comandar a área de consumo, o escolhido foi o executivo Nicolas Fischer, ex-presidente da Nivea no Brasil. A divisão concentra agora apenas marcas de saúde e bem-estar, como Bozzano, Monange e Biocolor. Ao passar adiante sua área de limpeza e alimentos – incluindo a Assolan, marca que lhe deu origem, e a Etti, fabricante de molhos comprada menos de cinco anos antes –, a Hypermarcas embolsou cerca de R$ 450 milhões.
 
Assim como o setor de medicamentos, o de consumo também passou por uma mudança na área comercial, em um dos momentos críticos para a reinvenção da companhia. Até 2011, a Hypermarcas apostava em uma estratégia de vendas baseada em descontos generosos e prazos longos para os distribuidores. O modelo a ajudou a ganhar mercado, mas achatava as margens, o que se demonstrou nocivo para os negócios. Naquele ano, a empresa decidiu abandonar o modelo, encurtando o prazo de pagamento e diminuindo os descontos. O resultado foi uma queda nas vendas, que ultrapassou 10% no primeiro semestre, e um prejuízo de cerca de R$ 100 milhões. “Quem tinha estoque parou de comprar”, afirma Miranda, da Empiricus.
 
“Foi um momento em que o mercado passou a ter dúvidas sobre seu futuro, mas essa mudança foi a melhor coisa que a Hypermarcas fez.” Com o fim dos estoques, os distribuidores tiveram de voltar às compras. A bola passou para Fischer e sua turma, que conseguiram negociar acordos favoráveis. Passada a fase de mudanças, e superadas as turbulências, o momento agora é de reformulação do portfólio de produtos. Na área de consumo, Fischer já deu início a esse plano, que deve começar com a renovação da linha de hidratantes Monange. Apesar de contar com marcas fortes, como Bozzano e Biocolor, o portfólio da empresa é antiquado e composto, basicamente, por produtos populares e baratos. O mercado, no entanto, está mudando.
 

 
“Os consumidores querem produtos cada vez mais sofisticados, mesmo que tenham preços mais altos”, afirma Bergamo. Essa tendência está se refletindo no desempenho da Hypermarcas, que vem perdendo mercado para concorrentes como P&G, Unilever e O Boticário, que oferecem cosméticos mais caros, mas que prometem benefícios maiores às mulheres, cada vez mais ávidas por embelezadores instantâneos. “A Hypermarcas está buscando um novo público”, afirma Gustavo Serra, da corretora Planner. “Mas não irá abandonar o varejo popular.” A palavra de ordem, agora, é inovação. Bergamo quer fazer da Hypermarcas não só uma empresa com marcas fortes, mas também uma lançadora de tendências.
 
Para isso, ele aposta no Centro de Pesquisas, construído em 2011, na cidade de Barueri, na região metropolitana de São Paulo, inaugurado no ano passado. O empreendimento, que consumiu investimentos de R$ 10 milhões, concentra toda a área de desenvolvimento de produtos de consumo da companhia. Na área de medicamentos, um setor que movimentou R$ 47 bilhões entre julho de 2012 e junho deste ano no País, a palavra de ordem é criar novos produtos. “Fomos a primeira empresa brasileira a produzir vitamina D”, afirma Bergamo. A empresa possui um portfólio interessante no setor farmacêutico. Cada laboratório adquirido atende a um segmento do mercado.
 
DM, Luper e Farmasa são fortes na área de remédios sem prescrição médica, ou OTC. Com a Mantecorp, a companhia entrou no segmento de remédios que necessitam de prescrição médica. A questão é que esse é um setor extremamente competitivo e pautado pela área de pesquisa e desenvolvimento. Já a Neo Química é a terceira maior fabricante de genéricos do Brasil e a que mais cresceu no primeiro semestre de 2013, segundo a consultoria americana IMS Health. Segundo um executivo do setor, que pediu para não ter seu nome revelado, entre as fabricantes de genéricos, a Hypermarcas é a que tem adotado a política mais agressiva de preços. “Eles estão comprando mercado”, afirma essa fonte.

 
“A estratégia vem funcionando, mas não acredito que seja viável mantê-la por muito tempo.” Os concorrentes ainda enxergam a Hypermarcas como uma empresa de nicho no setor farmacêutico, apesar de ela já ser líder em algumas categorias. “Você pode olhar a empresa por dois ângulos”, afirma um importante executivo de uma multinacional do setor, que também pediu para não ser identificado. “Aos olhos dos investidores, a Hypermarcas tem boas margens e vendas em alta, o que é bom. Para a indústria, ela é uma fabricante voltada para o mercado popular.” Bergamo se defende. “Se os concorrentes falam mal de nós, é porque estamos incomodando”, diz (leia a entrevista ao final da reportagem).
 
NOVA ERA O maior desafio da Hypermarcas na área de medicamentos é competir com laboratórios internacionais, que apostam pesado em remédios inovadores. “As multinacionais chegam a investir US$ 10 bilhões em pesquisa e desenvolvimento anualmente”, afirma Antônio Britto, presidente da Interfarma, entidade que representa os laboratórios estrangeiros no País. “A Hypermarcas chegará, no máximo, a um valor em torno de R$ 300 milhões.” Para escapar dessa disputa desproporcional, a empresa aposta em um novo estágio dessa indústria: os biossimilares.
 
Trata-se de cópias aproximadas de medicamentos biológicos, que não podem ser reproduzidos de forma idêntica, como são os genéricos em relação aos remédios sintéticos. Para entrar nesse mercado com potencial de R$ 2 bilhões em vendas anuais ao substituir medicamentos biológicos que perderão suas patentes nos próximos três anos, a Hypermarcas se uniu às concorrentes EMS, Aché e União Química para formar a Bionovis, especializada nesse novo nicho. Juntos, os quatro laboratórios investirão R$ 500 milhões para desenvolver e produzir os seus primeiros biossimilares. “É uma estratégia de longo prazo e de altíssimo risco, mas se acertarmos conseguiremos causar um grande impacto”, afirma Bergamo. “Mas, até lá, há diversos outros produtos dentro da Hypermarcas voltados a mercados prontos para serem desenvolvidos no Brasil.”

 

“Quem quiser competir, terá de produzir com custos baixos”
 
O CEO Claudio Bergamo fala sobre os rumos da Hypermarcas
 
DINHEIRO – Um dos planos principais da Hypermarcas está em reduzir o número de fábricas. Como isso está ocorrendo?
BERGAMO – A estratégia é termos poucos pontos de produção, e que sejam de grande escala. Investimos mais de R$ 500 milhões, em três anos, para ficarmos com apenas duas unidades: a de medicamentos, em Anápolis, e a de produtos de consumo, em Senador Canedo, ambas em Goiás. Elas serão as maiores da América Latina em seus setores. Quanto menos portarias, mais baixos são os custos e maior o controle. Ganhamos em escala e flexibilidade. Poderemos mudar rapidamente os funcionários de uma linha de produção para outra.
 
DINHEIRO – Houve um esforço em racionalizar as marcas?
BERGAMO – Sim. Na área de consumo, estamos diminuindo o número de marcas de 60 para 34. O crescimento das marcas principais está sendo de 15% ao ano, contra 10% na divisão de consumo inteira. Já na área de medicamentos, o problema é inverso. Faltam produtos diferentes para cada marca. O Benegrip, que é o nosso campeão nas farmácias, só é vendido em um formato. Temos, atualmente, mais de 200 pedidos de registro de produtos na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
 
DINHEIRO – A Neo Química, uma das marcas do grupo, foi o laboratório de maior expansão em genéricos, no primeiro semestre. Isso ocorreu porque os preços foram reduzidos de forma drástica, a ponto de comprometer a rentabilidade, como alegam alguns concorrentes?
BERGAMO – Concorrente não fala bem de concorrente. Nós produzimos com baixos custos. Quem quiser competir terá de conseguir o mesmo. Fizemos a lição de casa. Investimos R$ 500 milhões em fábricas e R$ 500 milhões em marketing. A divisão farmacêutica é super-rentável. Temos a mesma margem de lucro bruto do Aché, que possui 90% de seus negócios em medicamentos vendidos sob prescrição médica.
 
DINHEIRO – A Hypermarcas pretende se internacio­nalizar?
BERGAMO – Internacionalizar antes de chegar a 20% de participação de mercado em medicamentos, nem pensar. Temos cerca de 10% desse setor e ainda é pouco. O trabalho de internacionalização dispersa os esforços e faz perder o foco.




Veículo: Isto É Dinheiro

 


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