Quer vendam automóveis ou máquinas de lavar roupa, xampus ou cremes faciais, nos últimos anos ficou difícil para as companhias internacionais de bens de consumo ignorar o Brasil. Consumidores de baixa renda estão comprando praticamente de tudo, e se mostram cada vez mais interessados em produtos relativamente caros.
É uma tendência que permanece intacta apesar de dois anos de estagnação econômica. O aumento das preocupações com a inflação e uma queda da taxa de investimentos abalaram a confiança do consumidor e a popularidade do governo, com uma onda de protestos em junho expondo o grau de descontentamento.
Mesmo assim, todas as evidências sugerem que o caso de amor dos brasileiros com produtos de luxo continua inabalado. Uma pesquisa feita no mês passado pelo LatAm Confidential, um serviço de pesquisas do "Financial Times" sobre os hábitos de compra de alimentos dos latino-americanos, mostrou que embora os gastos estejam sob pressão, os brasileiros ainda querem produtos caros e de alta qualidade.
Dos 6.500 latino-americanos que participaram da pesquisa, 51,2% disseram que o preço é a consideração mais importante, com o custo sendo uma consideração particularmente importante na Argentina, onde as pressões inflacionárias vêm aumentando muito.
Mas a qualidade dos alimentos e questões relacionadas a dietas estão no rol das preocupações secundárias, embora, importantes no Brasil.
A qualidade é a principal preocupação de 40% dos pesquisados, em comparação a 46,7% que veem o preço como uma grande questão. Um em cada 15 consumidores brasileiros vê a saúde e a dieta como os fatores mais importantes na compra de alimentos, uma proporção muito maior do que nos outros cinco países em que a pesquisa foi feita.
E mais: os hábitos brasileiros podem estar se espalhando. Na pesquisa do "FT", 35,2% dos peruanos disseram que a qualidade é o mais importante para eles, em comparação a 40% que disseram que o preço é o mais importante.
Embora apenas 28,7% dos mexicanos tenham a qualidade como sua principal preocupação ao comprar alimentos, analistas afirmam que os consumidores de baixa renda estão se tornando mais seletivos, talvez porque as famílias de baixa renda que já alcançaram uma posição social melhor estejam ansiosas por demonstrar que estão em melhores condições que seus parentes.
Gerard Schoor, que comanda o escritório da consultoria Integration na Cidade do México, diz: "Muita gente não tem poder de compra suficiente para adquirir casas e automóveis, mas têm dinheiro o suficiente para comprar um item desejado a cada dois meses, seja ele um creme facial caro ou um par de tênis".
Pesquisas separadas do LatAm Confidential sobre o mercado brasileiro vêm mostrando que as marcas de luxo continuam se saindo bem apesar da desaceleração econômica. Os consumidores em situação de grande aperto parecem dispostos a economizar com outras coisas, comprando cremes dentais e lâminas de barbear mais baratos.
E não foram apenas as vendas dos caros produtos eletrônicos da Apple que caíram este ano - acompanhando uma tendência global -, beneficiando principalmente a Samsung, a companhia da Coreia do Sul que compete com a companhia americana. Os brasileiros também estão comprando mais produtos de marcas próprias mais baratos oferecidos por redes de supermercados, e mais consumidores estão aproveitando descontos oferecidos em grandes volumes pelas lojas do tipo "pague e leve".
Em março, 36% das famílias compraram pelo menos uma vez nos "pague e leve", em relação a 33% em março de 2012.
As marcas próprias dos varejistas brasileiros têm uma participação de mercado de cerca de 5%, em comparação a uma média global de 16%. As receitas dos supermercados com seus produtos de marca própria - geralmente de 15% a 20% mais baratos que as demais marcas - mais que dobraram nos últimos seis anos, alcançando R$ 2,9 bilhões em 2012.
Para Neide Montesano, presidente da Associação Brasileira de Marcas Próprias e Terceirização (Abmapro), a tendência está claramente relacionada à inflação (em torno de 6% no Brasil), com os preços mais baixos ajudando os consumidores a "preservar seu poder de compra".
Mesmo assim, os dados do LatAm Confidental mostram que as vendas de produtos mais caros vêm se mantendo bem em uma série de categorias. As vendas "premium" ou "mid-market" responderam por 16,4% das compras de cerveja pelos pesquisados em agosto, em comparação a 14% em dezembro do ano passado, quando a pesquisa começou a ser feita.
As marcas mais caras de margarinas representaram 48,6% das compras em agosto, um crescimento de 2,9 pontos porcentuais sobre o número de abril. E a mesma tendência ficou evidente nas vendas de chocolates, com os produtos mais caros respondendo regularmente por 8% das vendas nos últimos três meses.
A busca pela qualidade entre os brasileiros que se preocupam com o corpo talvez esteja mais evidente no mercado de cosméticos e produtos de cuidados pessoais. As vendas de cosméticos mais caros e da faixa intermediária vêm se mantendo bem, respondendo regularmente por mais de 20% das vendas por mês. A presença dos xampus mais caros e de preços intermediários está aumentando com consistência, passando de 69% das vendas em março para 72,2% em agosto.
Os grupos internacionais vêm registrando sucessos extraordinários. A Unilever, por exemplo, um dos grupos que vêm tendo muito sucesso no setor de cuidados pessoais, lançou no Brasil seu xampu TRESemmé, voltado para a faixa intermediária de mercado, no fim de 2011. Em questão de meses, o produto, vendido no estilo salão de cabelereiros, começou a evaporar das prateleiras dos supermercados, às custas de alternativas mas baratas como o xampu Seda, o produto de preço econômico da própria Unilever.
Em outubro de 2012 a Unilever anunciou que o TRESemmé havia alcançado uma fatia de mercado de 7% em menos de um ano. A pesquisa LaTam Confidential sugere que os brasileiros, não importa o quão pressionados, ainda se mostram felizes em pagar alguns reais a mais pelo TRESemmé, cujas vendas vêm se mantendo bem nos últimos meses.
Veículo: Valor Econômico