A Carlsberg sabia que a decisão do governo russo de reconhecer a cerveja como bebida alcoólica estava por vir, embora essa medida afrontasse uma tradição que remonta às brumas da história da Rússia. O problema é que a decisão, tomada no início deste ano, foi seguida de aumento de impostos e de rígidas restrições a anúncios - com o fechamento de quiosques urbanos que vendiam o produto dia e noite a clientes sedentos desde o fim da era soviética. Um cenário que dava à fabricante dinarmaquesa motivos para refletir sobre as idas e vindas dos emergentes.
Seria exagero dizer que a Carlsberg apostou todas as fichas na Rússia em 2008, quando se uniu à Heineken para dividir a Scottish & Newcastle e, como parte dos despojos, assumiu o controle da Baltika, cervejaria de primeira linha pós-comunista. Mas o fato é que esse mercado responde hoje por cerca de 30% do lucro operacional da empresa.
A Rússia é parte integrante das atividades de patrocínio do grupo: a Baltika é a fornecedora oficial de cerveja dos Jogos Olímpicos de Inverno em Sochi e a Carlsberg também patrocina a liga russa de hóquei no gelo.
A grande questão é até que ponto e a que ritmo a cervejaria, sediada em Copenhague, precisa se expandir em vários mercados, e desenvolver novas bebidas, a fim de neutralizar os efeitos da rigidez do governo russo para com as bebidas alcoólicas. A Carlsberg conseguiu aumentar a participação de mercado na Rússia para 39,2%, no primeiro semestre de 2013, em relação aos 37,9% de no mesmo período do ano passado. Isso equivale a quase três vezes a fatia de mercado da AB InBev, a mais próxima concorrente da Carlsberg.
Mas o dado estatístico mais revelador sobre o mercado russo de cerveja é que, segundo cálculos da própria Carlsberg, ele despencou 7% em volume no primeiro semestre. A empresa dinamarquesa estima que dois terços da queda se deve ao desaparecimento dos quiosques e um terço ao hesitante sentimento do consumidor. Só na França, onde a Kronenbourg, marca principal da Carlsberg, enfrenta dificuldades, com o mau tempo afetando vendas, é que os resultados do grupo foram tão decepcionantes quanto na Rússia.
Jorgen Buhl Rasmussen, principal executivo da Carlsberg desde 2007, ressalta que comparativamente a muitos países europeus o consumo per capita de cerveja na Rússia é um tanto baixo, cerca de 60 litros ao ano.
Além disso, o consumo de vodca na Rússia está caindo. Na opinião de Rasmussen, é razoável supor que a cerveja se tornará gradualmente parte maior do consumo médio de álcool no país, tendência que vai se acelerar com a diminuição, imposta pelo governo, da produção de vodca, com o surgimento de estilos de vida mais saudáveis e na medida em que as pessoas forem se acostumando com a ideia de comprar cerveja em supermercados e lojas em vez de em quiosques caindo aos pedaços.
Trata-se de um ponto de vista atraente, mas a Carlsberg sabe que, desde as últimas décadas do império czarista, a Rússia passou por inúmeras campanhas antivodca fiscalizadas pelo governo. Raramente elas tiveram um final feliz - como posso testemunhar a partir do período em que vivi em Moscou, durante os frustrados esforços de Mikhail Gorbachev, na década de 1980. A vodca, além de bebidas alcoólicas de fabricação caseira, pode não se curvar à cerveja tão cedo.
A Carlsberg faz bem em buscar oportunidades em outros mercados, como tentou este ano, ao assumir o controle da chinesa Chongqing Brewery, registrando sólido crescimento das vendas na Índia e no Vietnã, e se preparando para reingressar em Myanmar, agora que estão sendo suspensas as sanções internacionais impostas ao país. A empresa ficou em sexto lugar no mercado chinês de cerveja no ano passado, com 2,6% de participação.
Mas o potencial de expansão é promissor porque a Carlsberg - ao contrário da maioria das cervejarias estrangeiras - está se concentrando nas províncias ocidentais e centrais, como Xinjiang, Gansu e Congqing, onde o consumo de cerveja é baixo.
Novos tipos de bebidas são outra forma de a Carlsberg atenuar a dependência dos mercados de cerveja em estagnação ou em declínio da Europa ocidental e da Rússia. A exemplo da AB InBev e da Heineken, a Carlsberg vê boas perspectivas para a sidra.
O mercado mundial da bebida, à base de suco fermentado de maçã, corresponde a apenas 10% do de cerveja, mas está em crescimento acelerado - especialmente no Reino Unido, que tem o maior consumo per capita. As vendas da Somersby, a nova marca da Carlsberg, estão em franca expansão.
Por enquanto, no entanto, os investidores fiéis da Carlsberg deveriam acompanhar de perto as tendências com relação às bebidas alcoólicas na Rússia. A empresa não colocou todas as suas garrafas em uma só sacola. Mas são essas garrafas russas aquelas que mais pesam.
Veículo: Valor Econômico