Restrições à cerveja na Rússia desafiam Carlsberg

Leia em 4min

A Carlsberg sabia que a decisão do governo russo de reconhecer a cerveja como bebida alcoólica estava por vir, embora essa medida afrontasse uma tradição que remonta às brumas da história da Rússia. O problema é que a decisão, tomada no início deste ano, foi seguida de aumento de impostos e de rígidas restrições a anúncios - com o fechamento de quiosques urbanos que vendiam o produto dia e noite a clientes sedentos desde o fim da era soviética. Um cenário que dava à fabricante dinarmaquesa motivos para refletir sobre as idas e vindas dos emergentes.

Seria exagero dizer que a Carlsberg apostou todas as fichas na Rússia em 2008, quando se uniu à Heineken para dividir a Scottish & Newcastle e, como parte dos despojos, assumiu o controle da Baltika, cervejaria de primeira linha pós-comunista. Mas o fato é que esse mercado responde hoje por cerca de 30% do lucro operacional da empresa.

A Rússia é parte integrante das atividades de patrocínio do grupo: a Baltika é a fornecedora oficial de cerveja dos Jogos Olímpicos de Inverno em Sochi e a Carlsberg também patrocina a liga russa de hóquei no gelo.

A grande questão é até que ponto e a que ritmo a cervejaria, sediada em Copenhague, precisa se expandir em vários mercados, e desenvolver novas bebidas, a fim de neutralizar os efeitos da rigidez do governo russo para com as bebidas alcoólicas. A Carlsberg conseguiu aumentar a participação de mercado na Rússia para 39,2%, no primeiro semestre de 2013, em relação aos 37,9% de no mesmo período do ano passado. Isso equivale a quase três vezes a fatia de mercado da AB InBev, a mais próxima concorrente da Carlsberg.

Mas o dado estatístico mais revelador sobre o mercado russo de cerveja é que, segundo cálculos da própria Carlsberg, ele despencou 7% em volume no primeiro semestre. A empresa dinamarquesa estima que dois terços da queda se deve ao desaparecimento dos quiosques e um terço ao hesitante sentimento do consumidor. Só na França, onde a Kronenbourg, marca principal da Carlsberg, enfrenta dificuldades, com o mau tempo afetando vendas, é que os resultados do grupo foram tão decepcionantes quanto na Rússia.

Jorgen Buhl Rasmussen, principal executivo da Carlsberg desde 2007, ressalta que comparativamente a muitos países europeus o consumo per capita de cerveja na Rússia é um tanto baixo, cerca de 60 litros ao ano.

Além disso, o consumo de vodca na Rússia está caindo. Na opinião de Rasmussen, é razoável supor que a cerveja se tornará gradualmente parte maior do consumo médio de álcool no país, tendência que vai se acelerar com a diminuição, imposta pelo governo, da produção de vodca, com o surgimento de estilos de vida mais saudáveis e na medida em que as pessoas forem se acostumando com a ideia de comprar cerveja em supermercados e lojas em vez de em quiosques caindo aos pedaços.

Trata-se de um ponto de vista atraente, mas a Carlsberg sabe que, desde as últimas décadas do império czarista, a Rússia passou por inúmeras campanhas antivodca fiscalizadas pelo governo. Raramente elas tiveram um final feliz - como posso testemunhar a partir do período em que vivi em Moscou, durante os frustrados esforços de Mikhail Gorbachev, na década de 1980. A vodca, além de bebidas alcoólicas de fabricação caseira, pode não se curvar à cerveja tão cedo.

A Carlsberg faz bem em buscar oportunidades em outros mercados, como tentou este ano, ao assumir o controle da chinesa Chongqing Brewery, registrando sólido crescimento das vendas na Índia e no Vietnã, e se preparando para reingressar em Myanmar, agora que estão sendo suspensas as sanções internacionais impostas ao país. A empresa ficou em sexto lugar no mercado chinês de cerveja no ano passado, com 2,6% de participação.

Mas o potencial de expansão é promissor porque a Carlsberg - ao contrário da maioria das cervejarias estrangeiras - está se concentrando nas províncias ocidentais e centrais, como Xinjiang, Gansu e Congqing, onde o consumo de cerveja é baixo.

Novos tipos de bebidas são outra forma de a Carlsberg atenuar a dependência dos mercados de cerveja em estagnação ou em declínio da Europa ocidental e da Rússia. A exemplo da AB InBev e da Heineken, a Carlsberg vê boas perspectivas para a sidra.

O mercado mundial da bebida, à base de suco fermentado de maçã, corresponde a apenas 10% do de cerveja, mas está em crescimento acelerado - especialmente no Reino Unido, que tem o maior consumo per capita. As vendas da Somersby, a nova marca da Carlsberg, estão em franca expansão.

Por enquanto, no entanto, os investidores fiéis da Carlsberg deveriam acompanhar de perto as tendências com relação às bebidas alcoólicas na Rússia. A empresa não colocou todas as suas garrafas em uma só sacola. Mas são essas garrafas russas aquelas que mais pesam.



Veículo: Valor Econômico


Veja também

Mercado debate a velha saca de café

Durante séculos, os grãos de café percorreram o mundo em sacas de estopa ou aniagem.Agora, o uso de...

Veja mais
Preços mínimos de algodão e laranja devem sair até dezembro

O governo pretende fixar até o fim do ano os preços mínimos do algodão e da laranja para enc...

Veja mais
Requeijão e suco pronto serão as próximas conquistas das classes D/E

Cerveja, catchup e sobremesa em pó também fazem parte da lista de categorias que essa parcela da popula&cc...

Veja mais
Agronegócio cresce em exportação

Nos primeiros nove meses, volume financeiro com a venda de grãos, carnes e outros itens alcança US$ 78 bil...

Veja mais
Calote do consumidor tem 4ª queda em setembro

O Indicador de Inadimplência do Consumidor, divulgado ontem pela Serasa Experian, recuou 2,8% em setembro ante ago...

Veja mais
Energético aposta em rede social para cativar público

Red Bull cria stop-motion: alguns dias depois da edição de Wales, o Red Bull Cliff Diving passou por Niter...

Veja mais
Aprovado plano de recuperação da LBR

Os credores da LBR-Lácteos Brasil aprovaram ontem, em assembleia, o plano de recuperação judicial d...

Veja mais
Pesquisa indica que homem cede mais às promoções do que as mulheres

Pesquisa realizada pela Mintel mostra que o comprador brasileiro não resiste à tentação de u...

Veja mais
Vaga temporária para o Natal avançará menos

O crescimento de vagas provisórias no varejo para o Natal deste ano deve ser o menor desde 2010. Dados da Associa...

Veja mais