Mais da metade das grandes empresas brasileiras prefere estar estruturada em unidades de negócio descentralizadas. Mesmo assim, ainda é difícil para a alta administração no país delegar e dar autonomia aos gerentes que comandam essas operações. Quem garante é a pesquisadora Tatiane Mendes, do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppead/UFRJ). Em um universo de quase cem corporações consultadas no trabalho de mestrado da especialista, 56% adotaram o modelo. "O formato facilita a diversificação das atividades das companhias e a expansão de mercado, além de tornar o processo de decisão mais ágil ao reduzir a burocracia e o número de níveis hierárquicos", afirma.
A pesquisa ouviu 86 empresas, a maioria com receitas de US$ 500 milhões. Do volume consultado, 70,9% das companhias estão na região Sudeste, 15,1% no Sul, 5,8% funcionam no Centro-Oeste, 5,8% no Nordeste e 2,3% têm sede no Norte do Brasil.
"A adoção da estrutura descentralizada proporciona à administração uma maior liberdade para se dedicar às atividades estratégicas. Já as rotineiras, vão para o setor operacional que, por conhecer melhor essas ações, tem condições de tomar decisões melhores", avalia Tatiane.
Dos executivos entrevistados, 67% afirmaram que a divisão por produtos foi o principal critério para adotar a nova estruturação. Quanto ao número de áreas existentes, 65% das companhias apresentam um total inferior a sete unidades. "Também foram apontadas outras vantagens associadas à descentralização, como uma maior facilidade para medir a rentabilidade dos setores e de implementar novas estratégias."
Embora recente, o modelo corporativo descentralizado já apresenta bons resultados. Segundo o estudo do Coppead, mais da metade das organizações consultadas implantaram esse padrão há menos de oito anos - e quase todas afirmam que, sem a iniciativa, a posição competitiva da empresa estaria em um patamar abaixo do atual.
A incorporadora e construtora Rossi, por exemplo, dividiu-se em sete unidades de negócios para ganhar mais clientes e posições no mercado imobiliário. Com quase 30 anos de atividade e 900 funcionários, abraçou o modelo a partir de 1997. "A descentralização foi baseada por região de atuação e permitiu que a inteligência da empresa se aproximasse das preferências regionais dos consumidores, dificilmente percebidas a distância", explica o diretor comercial Leonardo Diniz.
Para o executivo, as unidades vieram a calhar porque a atividade imobiliária requer conhecimento local- graças a elas, foi possível identificar eventuais parceiros e aumentar a competitividade da empresa em regiões onde atua. A Rossi tem operações em mais de 50 cidades e escritórios em São Paulo, Campinas, São José do Rio Preto (SP), Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre e Fortaleza.
As unidades de negócio são a Regional Sul, que abrange os três estados do Sul do Brasil; a Regional Campinas, que toma conta da cidade paulista mais Sorocaba, Sumaré e Piracicaba; a Regional Oeste Paulista, nos municípios de Ribeirão Preto e São José do Rio Preto e a Regional São Paulo, com negócios na região metropolitana da capital, mais Baixada Santista e o Vale do Paraíba. "Já a Regional Rio abrange os Estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Bahia; a Regional Nordeste engloba toda a região e a área BH/Brasília trabalha contratos em Minas Gerais, Distrito Federal e Goiás."
O mapeamento tem dado certo. Em 2007, as vendas cresceram 114% em relação a 2006. Nos nove primeiros meses de 2008, a receita líquida da Rossi foi de R$ 837 milhões, um crescimento de 60% comparado ao mesmo período do ano passado. "As entregas cresceram 70% entre janeiro e setembro de 2008", diz Diniz. Para amarrar todas as unidades, a incorporadora investiu em um software de gestão, que realiza o gerenciamento e a troca de informações entre a matriz e as áreas de negócio. "Pretendemos ainda implantar mais duas unidades: Centro-Oeste e Norte."
Quem também não se arrepende de ter loteado a empresa é a Robert Bosch América Latina, do grupo Bosch. Com 54 anos de janela, a companhia fez um redesenho em 2002, seguindo uma orientação mundial da companhia alemã. "Nessa época, começamos um processo global de alinhamento das unidades de negócio para permitir uma orientação por linha de produto", lembra Carlos Abdalla, gerente de relações corporativas da Robert Bosch América Latina.
A corporação tem quatro fábricas no Brasil e cerca de 12 mil funcionários. Estruturou-se em onze unidades- cinco de produtos diversos, como ferramentas elétricas e aquecedores, e seis áreas voltadas para o mercado de montadoras de veículos. "A divisão foi feita considerando o setor de negócio e a linha de mercadoria."
Para Abdalla, o novo organograma ofereceu maior autonomia às áreas de negócio, agilizou processos e garantiu mais eficiência no atendimento aos clientes. "A experiência ao longo desses seis anos de mudança comprovam os benefícios", garante. Em 2007, a Robert Bosch América Latina obteve um faturamento de R$ 4 bilhões.
Mas quando a empresa sabe a hora de optar pela divisão? Segundo Tatiane Mendes, do Coppead, a necessidade de diversificar negócios, fazer expansões de serviços e de segmentos de clientes são fortes motivadores para fazer a opção. "Conforme a organização cresce, torna-se difícil para a direção manter o mesmo nível de centralização da decisão, fazendo-a reavaliar a estrutura. A descentralização surge, então, como uma saída para promover a flexibilidade da organização e possibilitar à empresa respostas mais rápidas aos desafios e oportunidades do mercado."
Para Nelson Wilson, sócio da consultoria everis Brasil, que tem clientes como o Bradesco e a Embratel, nem tudo são flores nos processos de divisão. Apesar das empresas encontrarem vantagens na descentralização, como um maior foco no negócio, equipe integrada, melhor conhecimento do segmento de mercado e rapidez nas decisões, há obstáculos a serem vencidos. "Pode surgir uma baixa flexibilidade de negociação diante da queda de demanda, maior custo nos processos de suporte ao negócio e redundância de cargos."
A pesquisa do Coopead detectou também que uma alta administração sem o hábito de delegar poder atribui pouca autonomia aos gerentes das unidades. Foram apontadas também dificuldades associadas à operacionalização da estrutura descentralizada, como o aumento de custos por replicação das atividades e dificuldade de coordenação nos setores. "Apesar disso, as empresas demonstram a intenção de manter ou até de ampliar esse modelo de gestão", ressalta Tatiane.
Para Joshua Imoniana, professor do mestrado em Administração da Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) e autor de livros sobre controle de gestão, é importante também gerenciar o humor dos responsáveis pelas áreas. "Em nome da sinergia da empresa, deve-se destacar a eficiência de uma unidade sem esquecer da importância das outras."
Na OKI Printing Solutions, fabricante de soluções de impressão, com 75 funcionários no Brasil, a construção de feudos corporativos deu tão certo que foi aplicada nos canais de venda e na operação diária da companhia. Internamente, dividiu-se em marketing, produtos, operações e finanças. "Também separamos o mercado em cinco unidades, que respondem por distribuição, varejo, revendas, impressoras para pontos-de-venda (PDVs) e serviços", detalha José Henrique Amorosino, diretor de marketing da OKI.
Para definir as áreas, a companhia levou em conta o porte dos parceiros, mix de produtos e volume de compras. Com a separação, conseguiu entender melhor as características de cada canal de venda e montou ações de acordo com as oportunidades de negócio. "Independentemente do modelo adotado, a verdade é que as empresas têm de se organizar da forma que poderão ter mais êxito dentro dos seus mercados", diz o consultor Wilson, da everis.
Veículo: Valor Econômico