Pior seca em 50 anos pode levar Argentina a perder 20% da safra

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A Pampa Úmida secou. A área mais importante da agricultura argentina, responsável por quase 80% da produção de grãos do país, está passando pela pior estiagem dos últimos 50 anos. A perda de produção representará um enorme passo atrás para o país, que já estava por superar seu recorde de 100 milhões de toneladas de grãos. Especialistas prevêem uma queda entre 10 milhões e 20 milhões de toneladas na produção total de grãos na atual temporada (2008/09), para até 78 milhões de toneladas. No ciclo 2007/08, o país colheu 98 milhões de toneladas. 

 

Os prejuízos financeiros também vão atingir as contas públicas internas e externas, já que perto de 14% da arrecadação do Tesouro Nacional argentino vêm da agricultura. Na balança comercial do país, os produtos primários e as manufaturas de origem agroindustrial respondem por 58% das exportações. 

 

A Pampa Úmida é uma extensa região de campinas, que abarca as melhores terras para agricultura e pecuária em cinco Províncias argentinas - Buenos Aires, Córdoba, Santa Fé, La Pampa e Entre Ríos. Ganhou esse nome por seu regime pluviométrico privilegiado, em que tradicionalmente chove 500 milímetros por ano, em média. 

 

Porém, sem chuva há meses, a paisagem atual dos pampas argentinos está mais parecida com a do sertão brasileiro. Solos rachados e carcaças de animais mortos estão por toda parte. "Se não chover logo, a próxima safra [2009/10] estará comprometida", diz Alfredo Rodes, diretor-executivo da Confederação das Associações Rurais das Províncias de Buenos Aires e La Pampa (Carbap). 

 

Em um informe divulgado no início da semana, técnicos do Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária (Inta, equivalente à Embrapa brasileira) afirmaram que as áreas mais afetadas são o norte de Santa Fé e o sul de Buenos Aires, "onde se registraram mortes de animais, que motivaram alguns produtores a deslocar o gado para outras regiões, ocasionando a perda de boa parte dos cultivos de grãos e pastagens". De acordo com esse informe, na Província de Entre Ríos o cultivo de milho já está praticamente perdido. 

 

Para o engenheiro agrônomo Carlos Coma, um dos técnicos que assinam o informe do Inta, é difícil mensurar neste momento o alcance das perdas futuras. "Sabemos que os rendimentos e volumes serão menores, mas ainda não sabemos quanto", respondeu ele quando questionado sobre o impacto da estiagem na safra argentina de grãos que começou a ser plantada. 

 

A seca se soma a uma sequência de eventos negativos que atingiram a agropecuária argentina nos últimos 12 meses, após seis anos de bonança, lembra o engenheiro agrônomo Fernando Botta, presidente da corretora de cereais Agrobrokers. "Primeiro foi a crise interna [protestos e paralisação dos agricultores entre março e junho de 2008]; depois veio a grande queda dos preços internacionais das commodities; agora, a seca", afirma. 

 

Botta prevê uma queda de 10 milhões de toneladas na safra de soja comparado às primeiras estimativas, que eram de 53 milhões de toneladas. No caso do milho, ele estima 13 milhões, ante as 16 milhões de toneladas das estimativas do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA). Ainda assim, diz o especialista, dificilmente a Argentina perderá sua posição entre os grandes produtores mundiais de soja e milho. Já no trigo, assim como aconteceu com a carne bovina, o país está perdendo posições rapidamente. 

 

A seca não afetou apenas a região dos pampas. Quinze das 23 Províncias (Estados) argentinas estão sob forte estiagem. Quatro delas (Chaco, Entre Rios, Corrientes e Formosa), que dependem da produção agrícola, decretaram estado de emergência ou desastre - para permitir que seus agricultores possam atrasar o pagamento de impostos e empréstimos bancários, e para sensibilizar o governo nacional a enviar ajuda extra. 

 

Na Província de La Pampa, há 5 mil produtores afetados, segundo dados da Secretaria de Assuntos Agrários. Na região do município de San Pedro, interior da Província de Buenos Aires, 15 mil hectares plantados no ano passado com frutas e hortaliças diminuíram pela metade este ano, e 6 mil pessoas ficaram desempregadas. Antes da seca, essa região havia sido afetada pela geada no inverno. Em Formosa, um lago de 300 hectares secou pela primeira vez desde 1973. Em Santa Fé, a seca já provocou a morte de cerca de 300 mil cabeças de gado. 

 

Em entrevista à imprensa na terça-feira, o secretário de Assuntos Agrários da Província de Buenos Aires, Emilio Monzó, disse que dois terços da Província estão em situação que se poderia declarar de emergência. "Já há 42 distritos em emergência, dos quais uns dez estão considerados em desastre" afirmou Monzó, que anunciou medidas de apoio aos agricultores. Os prejuízos na Província de Buenos Aires representam a maior parte das perdas totais estimadas. 

 

Diretamente, a agricultura e a pecuária respondem por 5,3% do Produto Interno Bruto (PIB) da Argentina, sem contar os demais elos da cadeia do agronegócio. Nas contas do economista Mariano Lamothe, da consultoria Abeceb.com - que estima uma redução da ordem de 12% da produção nesta safra 2008/09 -, o impacto da quebra sobre o PIB será equivalente a algo entre 0,6% e 1%. 

 

A seca também está azedando o clima político. Em viagem oficial a Cuba e Venezuela, a presidente Cristina Fernandez de Kirchner mandou seus assessores dizerem que o campo não será deixado à própria sorte e que haverá um pacote de ajuda. No entanto, com o clima de desconfiança mútua entre o governo e o campo, as lideranças agropecuárias já ameaçam voltar a interromper as estradas em protesto pela falta de uma política agrícola, repetindo os protestos do ano passado que paralisaram o país e inflingiram enormes perdas políticas para o governo da presidente Cristina.

 

Veículo: Valor Econômico


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