A proposta de dois desembargadores do Tribunal Regional Federal (TRF) de Brasília de reenviar o caso Nestlé-Garoto para novo julgamento no Conselho Administrativo de Defesa Econômica poderá testar as projeções feitas Cade no julgamento de fusões e aquisições.
Ao vetar a compra da Garoto, em fevereiro de 2004, o Cade concluiu que o negócio levaria à criação de um duopólio no mercado de chocolate, que seria dividido entre a Nestlé e a Kraft, reduzindo a participação de concorrentes e os investimentos no setor. Agora, a Nestlé informa que, desde a compra, em março de 2002, a Garoto ampliou em 44% sua capacidade produtiva e ingressou nos segmentos de sorvetes, sobremesas, geléias, pastas e doces cremosos. Segundo a Nestlé, o mix de produtos foi renovado em 90% e 500 funcionários foram contratados. A Nestlé teria perdido participação de mercado, de 47% para 44%, e os investimentos na exportação de produtos Garoto teriam crescido.
Mas para o economista Thompson Andrade, que foi o relator do caso no Cade, o mercado estaria mais competitivo se a decisão tivesse sido cumprida. Segundo ele, se tivesse vendido a Garoto, como determinou o Cade, a Nestlé teria mais estímulo para investir e a Garoto, adquirida por outra empresa, seria uma rival efetiva. "A Nestlé está no direito dela de recorrer", diz Andrade. "Mas acredito que as condições de mercado continuam as mesmas", completou o ex-conselheiro e atual professor da UERJ. Para ele, o mercado de chocolates ainda vive um duopólio (Nestlé e Kraft), no qual as outras empresas possuem fatias pequenas e há barreiras à entrada de novos concorrentes, como a necessidade de altos investimentos em marcas, produtos e distribuição.
Caso a proposta dos desembargadores João Batista Moreira e Fagundes de Deus seja confirmada pelo TRF, o Cade terá de julgar um pedido de reapreciação proposto pela Nestlé, no qual a empresa suíça venderia parte de seus ativos - o equivalente a 10% do mercado - a concorrentes. Assim que o caso voltar ao Cade, este terá de definir primeiro se levará em conta o que ocorreu no mercado desde o veto à fusão. Em seguida, os conselheiros tomariam nova decisão a respeito da proposta da empresa. Se optarem por considerar as alterações no mercado de chocolates desde 2004, os conselheiros terão de reavaliar se as previsões feitas naquele ano se confirmaram.
Para Andrade, o cenário não permite verificar com exatidão se as previsões do Cade foram confirmadas, pois a Nestlé saberia que está sendo vigiada.
A matriz da Nestlé disse ontem que ''tomou nota'' das "conclusões preliminares''. Internamente, parece haver uma certa exasperação com o andamento do processo envolvendo a compra da Garoto. Paul Bulcke, o novo CEO, disse recentemente que a Garoto faz parte da estratégia do grupo, inclusive para exportações.
Veículo: Valor Econômico