A Danone pretende dar início em até três anos à venda direta de iogurtes no Brasil. O novo modelo porta a porta será focado no Nordeste, onde a multinacional francesa enfrenta dois obstáculos para expandir suas operações: o baixo consumo per capita de iogurtes e a dificuldade de acesso aos pequenos pontos comerciais, as lojinhas de rua onde a maior parte do comércio se dá nessa região do país.
Sem fazer alarde, a Danone, que lidera o mercado de iogurtes no país, vem testando desde 2011 a estratégia em Salvador (Bahia), no âmbito de um projeto-piloto batizado de "kiteiras", que deve ser expandido para outras cidades do Nordeste.
Na primeira fase do projeto, 300 mulheres consideradas "socialmente vulneráveis" foram capacitadas por uma organização não governamental (ONG) - a Aliança Empreendedora, com sede em Curitiba - para vender kits de iogurte a vizinhas, parentes e amigas. O resultado foi surpreendente: juntas, elas alcançaram a média de 40 toneladas de iogurte por mês, ou o equivalente a 400 mil unidades.
"Saímos do zero para 40 toneladas com esse programa. Era um resultado que esperávamos apenas um ano depois", disse ao Valor a diretora de sustentabilidade da Danone, Adriana Matarazzo. "Agora estamos validando o modelo para ter certeza que é sustentável", acrescentou.
Nos próximos dois anos, a Danone Brasil tentará ampliar o número de "kiteiras" para 400 e atingir 70 toneladas de iogurte vendidas por mês. Além disso, a empresa pretende que elas mudem a maneira como veem os kits - de algo que proporciona uma renda complementar e permite horários flexíveis para a principal atividade de geração de renda.
Para atingir isso, a gigante de lácteos fechou parcerias com outras duas ONGs, a Move e a Véli RH, na tentativa de recrutar e formar uma rede de microempreendedoras de venda porta a porta da Danone. A ideia é estender a iniciativa ao Nordeste. Fortaleza e Recife estão no radar da companhia.
Cautelosa, a filial brasileira prefere colocar os verbos ainda no modo condicional. Uma grande preocupação da empresa é a manutenção dessas mulheres para que o projeto perdure. A Danone não é a primeira a fazer isso - além da precursora Yakult, a Nestlé já faz vendas porta a porta há algum tempo.
A própria Danone tentou, no passado, fazer vendas diretas de lácteos, sem sucesso. Desta vez, a filial brasileira juntou um plano de negócio à sua cartilha social para acrescentar a inclusão de uma parcela da população carente às suas vendas. Para ser candidata a uma "kiteira" é preciso estar necessariamente no sopé da pirâmide social.
"A proposta do Projeto Kiteiras é impactar mulheres da base da pirâmide social da região Nordeste, como mães solteiras e donas de casa, de meia idade", explica Adriana. De acordo com a executiva, o projeto alavancou em 35% a renda mensal das mulheres envolvidas.
Outra preocupação é fazer com que o projeto se sustente sozinho, sem que a Danone tenha que injetar recursos a perder de vista. Até agora, foram € 400 mil (aproximadamente R$ 1 milhão) apenas na primeira fase. O dinheiro veio do Fundo Ecosysteme, um de quatro fundos globais da Danone que apoiam projetos relacionados a emprego e microempreendedorismo. Na segunda fase, que se inicia agora, serão mais € 700 mil.
Com faturamento de R$ 2 bilhões em 2013 - o dobro quando comparado ao de 2009 -, a meta da Danone é dobrar de tamanho a cada quatro ou cinco anos no Brasil. Para isso, além de ampliar o portfólio e tornar os preços de seus produtos atraentes, é preciso estimular o brasileiro a consumir mais iogurte. Segundo a empresa, o consumo no Nordeste ainda é a metade da média nacional.
"O Nordeste sempre foi difícil [em vendas] para a gente", afirma Adriana. "Precisamos de parceiros comerciais para acessar o pequeno varejo, estratégico para no Brasil". Com o "kiteiras", a Danone pretende conseguir um feito no país.
Veículo: Valor Econômico