A Nestlé, líder mundial do setor de alimentos, aposta na venda de produtos baratos nos países desenvolvidos para manter os lucros este ano, no rastro da recessão global. Até agora, esses produtos eram destinados a consumidores de baixa renda em mercados emergentes, como o Brasil. Com a crise, a estratégia mudou.
"Ha mais consumidores forçados a comprar a custo mais baixo, temos um modelo de negócios que corresponde a essa tendência e vamos expandir essas vendas globalmente", disse Paul Bulcke, presidente-executivo do grupo.
Ele disse ver "crescimento e oportunidades" este ano ao anunciar ontem recorde de vendas de 109 bilhões de francos (US$ 93,4 bilhões) em 2008, com crescimento orgânico de 8,3%, acima do esperado. O lucro líquido foi de 18 bilhões de francos, com alta de 70%, mas boa parte em razão da venda de negócios de tratamento ocular para a Novartis.
"Não acreditamos que 2009 será tudo fracasso e sombras. Grandes economias emergentes continuam crescendo", afirmou Bulcke, estimando que a Nestlé pode ter crescimento orgânico perto dos 5% este ano, em contraste com a posição de concorrentes como Unilever e Kraft, que consideram a conjuntura muito incerta para projeções.
Para o executivo, uma das alavancas para o crescimento do grupo em 2009 estará nos "popularly positioned products (PPP)". Essa versão de produto, em quantidade menor de marcas famosas, era destinada originalmente a consumidores de renda entre US$ 3 mil e US$ 13 mil ao ano em mercados emergentes.
Mas a crise econômica global vem empurrando a comercialização dos PPPs nos países desenvolvidos desde o ano passado e o resultado foi crescimento de vendas de 27%, faturando 5 bilhões de francos suíços.
A crise vai permitir à Nestlé lançar uma enorme campanha de marketing nos países desenvolvidos para vender esses produtos, aproveitando a maior baixa de preços de publicidade dos últimos 15 anos em televisão nos EUA e na Europa. "Podemos fazer muito mais pagando muito menos", disse James Singh, vice-presidente financeiro do grupo.
Segundo Singh, somente na Europa haverá 200 "iniciativas" envolvendo os PPPs, incluindo desde marketing a modificação nas fábricas. Só na França, as vendas dos PPPs cresceram 30% no segundo semestre.
Além disso, a Nestlé aposta num em novos consumidores nos mercados emergentes, como a América Latina, onde a alta nas vendas de PPPs chegou a 50% em alguns países. No Brasil, que serviu de teste para o projeto, essas vendas já representam 15% dos negócios no país e alcançaram R$ 1,2 bilhão em 2008.
Ao mesmo tempo, o grupo mostrou que seus preços na média aumentaram em plena recessão, o que ajuda a explicar o lucro líquido melhor do que esperado. Na América Latina, a alta foi de 6,8%, ilustrando a que ponto os grandes grupos conseguem resistir a pressões de varejistas e consumidores em plena recessão. Bulcke avisou que este ano os preços não vão baixar. A Nestlé espera que as principais commodities agrícolas fiquem 2% mais caras este ano.
Em 2008, uma das poucas divisões com resultado ruim foi a Nestlé Waters, atingida por reações de consumidores à água engarrafada. A divisão de "produtos profissionais", de comida fora de casa, também não rendeu o esperado, com crescimento de apenas 6,1%. Em contrapartida, Nespress continua sendo um enorme sucesso, com vendas que excederam 2 bilhões de francos suíços.
A empresa diz ter 2 bilhões de francos (US$ 2,35 bilhões) para aquisições. A ação da companhia subiu 5% ontem. Em um ano, o valor de mercado da empresa caiu 23%, para US$ 120 bilhões.
A Nestlé projeta investimentos entre US$ 120 milhões e US$ 140 milhões este ano no Brasil. Mas desta vez, a companhia vai tomar as decisões mais no curto prazo, em função da evolução da crise econômica.
A explicação é do vice-presidente para as Américas, Luis Cantareli, que promete "muito mais atividades nos pontos-de-venda e mais investimentos na televisão" para reforçar os negócios no país. Em 2008, o crescimento orgânico no Brasil foi de 10%, acima da média mundial, mas inferior aos 18% registrados na China.
Veículo: Valor Econômico