É a vez dos recrutadores pedirem emprego

Leia em 6min 50s

É difícil pensar numa técnica para procurar emprego que falte para Alexis Lovell. Como recrutadora para as empresas de tecnologia do Vale do Silício e, antes disso, para as redes de varejo, ela tem orientado candidatos na preparação de currículos, apresentação pessoal e técnicas de entrevistas pelos últimos oito anos. As estratégias para formar redes de contatos e explorar as redes sociais e os sites de empregos on-line são as ferramentas de seu ofício. Mas nenhum desses elementos está ajudando uma candidata que necessita de emprego nestes dias: ela própria, Alexis Lovell.

 

Desempregada desde meados de novembro, quando a Plantronics dispensou seus cinco recrutadores, Alexis entrou em contato por e-mail com perto de 400 gerentes de contratação bem relacionados e executivos da área de tecnologia que ela conhece. Por telefone, falou com o mesmo tanto de pessoas. "Sem sucesso", disse ela, durante um almoço para recrutadores em fevereiro, em Mountain View, não muito longe dos campi de Google, Yahoo e Microsoft e de outras gigantes da tecnologia.

 

Quando não está procurando trabalho, Alexis passa boa parte do tempo com sua filha de dois anos, que ela tirou da creche para poupar dinheiro. "Estou tentando passar mais tempo em casa", explica Alexis. "E não fazendo compras", completou, rindo.

 

A maioria dos 90 recrutadores presentes no almoço estava na mesma situação. O encontro mensal, agora no seu 11 ano, há muito é uma fonte de empregos para inumeráveis recrutadores, e muitos apareceram na mais recente reunião com a tênue esperança de ouvir sobre uma oportunidade para eles mesmos. Mas o que eles encontraram foram velhos amigos, colegas desempregados e palavras de incentivo. Eles também ouviram algumas dicas sobre como adaptar suas habilidades para outras profissões e uma oferta de plano de saúde adequada. "Foi muito difícil ver tantas pessoas na mesma situação", comenta Alexis.

 

Não há um número preciso de quantos recrutadores existem no Vale do Silício, e ninguém sabe quantos estão desempregados. Mas as entrevistas com mais de duas dúzias de recrutadores indicam que a recessão foi especialmente dura com essa profissão, tanto no Vale do Silício quanto em outras regiões do país.

 

Muitos recrutadores foram dispensados nos últimos meses e novas posições praticamente não existem. Aquelas que surgem atraem até 500 candidatos. E as comissões pagas aos recrutadores, muitos dos quais trabalham como prestadores de serviço, foram reduzidas em cerca de 50%. "Os recrutadores são como o canário na mina de carvão", afirma John Moed, que atua como mediador de um grupo on-line que tem perto de 3,7 mil membros. "Quando a situação é boa, o pássaro canta e não podemos encontrar recrutadores suficientes. Mas eles são os primeiros a partir quando a atividade desacelera".

 

Os primeiros, sem dúvida. Considere a Google, uma empresa que em dez anos nunca demitiu funcionários por causa da situação econômica. Na primeira rodada de eliminações de empregos relacionadas à recessão no mês passado, a empresa demitiu cem recrutadores.

 

A maioria dos recrutadores do Vale do Silício, porém, trabalha como prestador de serviços. Então, eles podem perder seus empregos sem muito alarde: não há anuncio de demissão, só o contrato que vence e não é renovado. Antes de demitir seus recrutadores de pessoal, o Google havia dispensado um pequeno exército de recrutadores pelo mundo, que várias pessoas que conhecem a empresa disseram ter alcançado as centenas.

 

E, como prestadores de serviços, muitos recrutadores que se encontram sem trabalho não podem receber os benefícios do desemprego. Os recrutadores nunca foram a elite do Vale do Silício. Essa é uma distinção reservada para as "estrelas do rock" do Vale do Silício - os técnicos, os empreendedores seriais, os designers de produtos ou diretores de marketing ou os investidores de risco que financiam as empresas em início de atividade.

 

Soldados do setor de RH

 

Os recrutadores há muito tempo desempenham um papel vital como soldados nas famosas guerras para conquistar profissionais talentosos para essas estrelas do rock. Quando as empresas emergentes da internet 2.0 (como Facebook, YouTube e LinkedIn) competiram entre si e com empresas mais estabelecidas (como o Google e o Yahoo) por talento de primeira linha, os recrutadores estavam em alta demanda.

 

Os salários subiram em conformidade e muitos bons recrutadores podiam facilmente pedir uma taxa por hora de US$ 100, que para um contrato de trabalho por tempo integral significa perto de US$ 200 mil por ano. Agora, muitos recrutadores dizem que têm sorte de encontrar um trabalho que pague de US$ 30 a US$ 50 por hora.

 

Alexis passou muitos desses bons anos no Google, onde, como prestadora de serviço, ajudou a contratar outros recrutadores e a montar a equipe de aquisição de talento global da empresa. Embora o Google pagasse menos do que outras grandes empresas - de US$ 50 a US$ 90 por hora, segundo fontes com conhecimento de seus planos de remuneração -, os prêmios por trabalhar para a empresa mais quente do Vale compensavam isso, afirma Alexis. "Sentia que era o auge de minha carreira", diz ela. "É realmente bom ser recrutadora nos bons tempos", completa.

 

Naquela época, o Google estava contratando a um ritmo furioso. Em meados de 2007, adicionou mais de 2,1 mil funcionários em um único trimestre. No trimestre mais recente, a Google acrescentou só 99 cargos, e a retração nas contratações esclarece bastante as demissões na área de recrutamento.

 

As memórias de um declínio cruel ainda perseguem muitas pessoas no Vale do Silício. Foi só há oito anos, no colapso das ações das companhias pontocom, que um de cada cinco dos empregos da região desapareceu. Mas muitos recrutadores dizem que, para eles, a situação é pior desta vez. "Desde outubro, a atividade tem sido terrível", avalia Heb Deitz, que, durante a crise das empresas pontocom, teve de dispensar todos os 30 recrutadores que trabalhavam para ele numa consultora de tecnologia. "É provavelmente a pior que já vi".

 

O derretimento das ações das companhias pontocom deixou várias áreas em alerta nos setores de tecnologia e de biotecnologia. Deitz foi trabalhar para a VMware, uma empresa em rápido crescimento que fornece tecnologia para os centros de dados.

 

Outros abandonaram a profissão de recrutamento e aplicaram suas técnicas de vendas em setores mais promissores da economia, especialmente para o imobiliário e o hipotecário. Debra Young foi uma delas. Ela tirou uma licença de corretora imobiliária e começou a trabalhar como corretora de hipotecas. Mas o recrutamento é sua paixão. Então, em 2004, quando a situação começou a melhorar novamente no Vale do Silício, ela voltou as batalha para a conquista de talento e desfrutou de alguns bons anos. Dois dias antes do Natal, seu contrato com o Yahoo acabou, e ela não encontrou outro trabalho na área desde então.

 

Sem dívida no cartão de crédito, sem ter de pagar as prestações do carro e nenhuma "confusão hipotecária", Debra garante que não tem de se preocupar com sobreviver a esse declínio. "Não tenho problema em viver de modo frugal", comentou. Ela simplesmente continuou trabalhando com imóveis e ainda subscreve hipotecas.

 

"O maior preço é emocional", garante Debra. "E se a situação não melhorar, tenho confiança de que posso mudar de carreira. Se reinventar não é tão divertido, mas eu posso fazer isso."
Alexis, cujo marido ainda trabalha, disse que não perdeu a esperança. "Tento manter o pensamento positivo. Mas ir de duas fontes de renda para uma não tem sido fácil", afirma. "Estamos só sendo sensíveis demais e cientes de como estamos perto do abismo. Tem sido uma tremenda mudança para nós perder aquela renda", lamenta.

 

Veículo: Gazeta Mercantil


Veja também

Pacotão gourmet

A Tramontina está lançando na Gift Fair, em São Paulo, um kit que funciona quase como uma lista de ...

Veja mais
Com calor atípico, venda de ventilador dispara

Em tempos de crise, a alta nos termômetros dos últimos dias tem sido providencial para as varejistas e fabr...

Veja mais
Operadoras de cartões no País ignoram crise e vão à mídia

As empresas do setor de meios de pagamentos dão suas primeiras cartadas na área de marketing em 2009 quase...

Veja mais
Indústria de ovos de Páscoa prevê vendas e preços maiores neste ano

A indústria de ovos de chocolate vai produzir quase 5% mais mais em 2009 e os produtos devem chegar ao consumidor...

Veja mais
Sadia, Nestlé, Kraft e Bertin investem e setor cresce até 4%

O crescimento da indústria alimentícia está garantido para 2009, mesmo com a crise que afetou grand...

Veja mais
Reckitt Benckiser investe no mercado de baixa renda

A Reckitt Benckiser no Brasil está mudando a formulação do inseticida SBP, responsável por c...

Veja mais
Preço do pão francês fica estável até fim do mês

Mesmo com alta de algumas matérias primas do produto, como o trigo e açucar, Sindipan garante estabilidade...

Veja mais
Brasil entra na guerra mundial das patentes de medicamentos

Tudo indica que o Brasil entrou definitivamente na guerra mundial de extensão de patentes farmacêuticas. A ...

Veja mais
Lojistas de Caxias do Sul tiveram janeiro difícil

O comércio de Caxias do Sul (RS) encerrou janeiro deste ano com desempenho 15,09% menor que o verificado em dezem...

Veja mais