O cenário de crise econômica do País impulsionou o uso do cartão de débito como novo hábito de controle do consumidor brasileiro. Além disso, lojistas também começaram a ver o débito como alternativa para corte de gastos e caixa rápido, afirmam especialistas.
De acordo com os últimos dados divulgados pela Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), o uso do cartão de débito apresentou mais de 490 milhões de transações ante as 436 milhões do cartão de crédito em setembro de 2015.
No mesmo período, o valor transacionado nessas operações alcançou os R$ 31,7 bilhões no cartão de débito, ante R$ 53,5 bilhões no cartão de crédito.
Os números, no entanto, apesar de aparecerem em queda em relação ao mês de agosto de 2015, mostram um aumento na comparação com igual mês de 2014, sendo um acréscimo de 11,2% na quantia transacionada no débito e, de 4,1% com relação ao crédito.
Segundo Aldo Mendes, diretor de política monetária do Banco Central (BC), esse crescimento do cartão de débito ante o crédito tem sido visto desde 2013.
"O instrumento eletrônico de pagamento tem um potencial gigantesco num País em que a inclusão é um grande desafio", afirmou o executivo.
Ele ainda ressaltou que os meios eletrônicos de pagamento, em geral, também ganharam maior espaço no mercado e que, além de maior segurança e eficiência, gera também uma redução nos custos do governo e que, por isso, o BC está "apoiando sempre a redução do uso de dinheiro".
Em dados de um estudo realizado pela Visa, cerca de 70% dos gastos registrados são feitos com dinheiro em espécie.
"Imprimir dinheiro é caro, há uma dificuldade orçamentária para fazer dinheiro. É muito caro tratar o meio circulante", destacou o diretor do BC.
Para Vitor França, assessor econômico da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (FecomercioSP), a alta na utilização do débito pode sinalizar uma mudança no hábito do consumidor brasileiro.
"Dado que a gente ainda tem uma crise, a tendência é que esse hábito persista ao longo de 2016. Como as pessoas estão tentando não se endividar e, por isso, cortando as compras de bens duráveis, que é onde há a maior presença do crédito, esses setores estão presenciando uma queda mais forte nas vendas e isso também reflete no resultado do débito. Além disso, o conservadorismo do consumidor ainda tende até a aumentar por conta dos reflexos da crise, então para aqueles que deixam o dinheiro em casa ou até para as pequenas compras do dia a dia, o cartão de débito passa a ser mais forte", avalia o economista.
De acordo com Marcos Magalhães, diretor de cartões do Itaú Unibanco, a penetração dos cartões nas famílias brasileiras tem aumentado "vertiginosamente", e ainda tem bastante espaço para crescer no País.
"Aqui no Itaú este cenário tem sido comprovado ano a ano. Em 2015, só nas transações realizadas com cartões de débito houve um aumento no valor transacionado de 12,4% em relação ao mesmo período de 2014, com volume de R$ 83,4 bilhões", analisa.
Os especialistas ouvidos pelo DCI ainda destacam que os estabelecimentos também tem grande papel no resultado visto.
Segundo França, com a dificuldade de gerir custos, estoques e fluxo de caixa, os lojistas acabam priorizando o cartão de débito para a realização de vendas.
"Eles precisam de dinheiro entrando, e em um momento de crise, precisando cortar custo e fazer o dinheiro gerar, isso acaba sendo uma saída interessante pra empresa. Quando se faz uma venda com cartão de crédito, eles demoram cerca de 30 dias pra receber, enquanto com o débito são apenas dois. Além disso, a taxa paga pelo valor da compra no débito é de 1,5%, enquanto no crédito é o dobro. Então, apesar de o cartão de crédito já ter sido uma forma de alavancar as vendas, com o cenário e o conservadorismo dos consumidores, isso acaba sendo interessante para o fluxo de caixa", diz o especialista.
"A expectativa para esse ano é que a indústria de cartões cresça acima de 10%. A cultura do uso do plástico tem se alastrado e, em um momento de crise como esse, as pessoas podem ter no cartão uma salvaguarda do limite que elas podem gastar", conclui Wilson Justo, diretor de marketing e relacionamento da Sorocred.
Cartão de Crédito
Os especialistas ouvidos pelo DCI, no entanto, ressalvam que o cartão de crédito, se bem administrado, também é uma "boa ferramenta de controle", e pode retomar crescimento caso a economia melhore.
"Existe mesmo essa cultura de demonização do cartão de crédito, mas para quem sabe usar e não entra no rotativo, que tem taxas altas que pode levar a perder o controle das finanças, é um ótimo método. Até porque também tem o pagamento com o prazo mais longo, a possibilidade de fazer parcelamento sem juros e de alavancar as compras, então vale mais uma educação financeira do que condenar o cartão", diz França.
Ele ainda ressalta que, apesar disso, a alta no uso do débito é um bom indicativo de que o consumidor está em um "processo de autoeducação".
"Eles estão percebendo que não é momento de se endividar", afirma o economista.
De acordo com dados do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), o número de consumidores inadimplentes alcançou os 58 milhões, com cerca de 3,4 milhões de nomes inclusos desde o começo de 2015.
Ainda que a lei 16.569 de 2015, relacionada ao Aviso de Recebimento (AR) esteja dificultando a negativação dos devedores no estado paulista, os registros crescem em território nacional e o valor corresponde a 39,21% da população brasileira entre 18 e 95 anos.
Segundo Donizeti Lourenço, gestor regional de cartões de adquirentes da Sicoob, vale lembrar que o uso do crédito também não parou de crescer. "O que acontece é que tem gente com dificuldade de pagar suas dúvidas e estão migrando para o débito. Mas a expectativa é que continue a crescer", conclui.
Veículo: Jornal DCI