As companhias brasileiras de bens de consumo mantiveram os reajustes de preços no primeiro trimestre, mesmo com a demanda ainda retraída. O movimento acentuou a queda nos volumes de vendas no período, prejudicando a rentabilidade das empresas.
"A combinação de demanda fraca e aumento dos preços prejudicou os volumes e a perspectiva não é de mudança nos próximos meses. Podemos ver alguma melhora só no segundo semestre", afirmou a analista da corretora Coinvalores, Sandra Peres.
A fabricante de alimentos BRF aplicou reajuste médio de 10% nos preços em janeiro. No trimestre, o preço médio praticado subiu 8,4% ante igual período de 2015.
"Por conta desse aumento de preço vimos os volumes do Brasil reduzirem 10% no trimestre contra o ano anterior, sendo que tivemos cerca de 13% de queda de volume nos meses de janeiro e fevereiro e 5% de queda em março", disse o diretor vice-presidente de finanças e relações com investidores da BRF, José Alexandre Borges, em teleconferência com analistas.
Segundo ele, a companhia prevê novo aumento de preços no segundo trimestre para sustentar a recuperação de rentabilidade, mesmo com maior pressão sobre os volumes. As vendas da BRF no País recuaram 9,9% para 484 mil toneladas no trimestre. A receita operacional líquida caiu 2,4% a R$ 3,54 bilhões na mesma comparação.
A M. Dias Branco até conseguiu ampliar o volume de vendas no início do ano, apesar do aumento nos preços. Mas a alta não passou de 1,9% sobre o primeiro trimestre de 2015, para 398,9 mil toneladas.
A receita líquida também cresceu 11,7% no período, totalizando R$ 1,15 bilhão, embalada pelo aumento médio nos preços. "Claro que há toda uma estratégia de negócio, mas uma das coisas que pode ter pesado [na alta dos volumes] é estarmos próximos do fundo do poço na queda do consumo de alimentos", explicou o vice-presidente de investimentos da M. Dias, Geraldo Luciano Mattos Júnior, em teleconferência com analistas.
A Ambev, maior fabricante de bebidas no País, também viu o volume cair. De janeiro a março, as vendas recuaram 8,5% a 26,8 milhões de hectolitros. Mesmo com a retração, a companhia reforçou que manterá a política de repasses de inflação nos custos e impostos para o preço dos produtos.
Tributação
No ramo de higiene e cosméticos foi o aumento dos tributos que mais influenciou a rentabilidade das empresas de no trimestre. A receita líquida da Avon no Brasil caiu 33% no período. Além do ambiente macroeconômico difícil, a empresa citou a alta nos impostos estaduais como fator que prejudicou a geração de receita de até março e continuará afetando a rentabilidade em 2016.
A concorrente Natura, que nos últimos trimestres perdeu participação de mercado, registrou prejuízo de R$ 69,1 milhões no trimestre. O resultado equivale à perda de 157,8% contra igual período de 2015 e reflete a queda de 9,8% na receita líquida no País no mesmo período. "No Brasil, a retração da receita líquida ocorreu principalmente pelo aumento da carga tributária em relação a 2015 e pela queda de 11,4% dos volumes. Para atenuarmos esses impactos, nos últimos 12 meses corrigimos os preços em 9,1%", destacou a companhia, em relatório.
Gestão financeira
Na avaliação do analista chefe do Banco do Brasil (BB), Victor Penna, e da analista sênior do BB, Maria Paula Cantusio, este ano será importante para a reorganização da estrutura interna e da estratégia da Natura. "Será um período importante para que a companhia se torne mais forte para quando o cenário macroeconômico começar a mostrar algum sinal de recuperação", destacaram, em relatório, os analistas.
A gestão financeira é o que deve garantir o desempenho da fabricante de calçados Grendene nos próximos trimestres, já que a demanda deve continuar retraída, pressionando o volume de vendas no País, citou Sandra Peres, da Coinvalores. O volume comercializado pela companhia somou 34,9 milhões de pares no primeiro trimestre, queda de 25,3% frente a 2015. A receita líquida recuou 10,5% para R$ 475,8 milhões. No entanto, o lucro líquido avançou 4,2% a R$ 143,6 milhões.
"A Grendene deve tentar manter as margens com redução dos custos e despesas nos próximos meses, porque os volumes continuaram ruins", disse Sandra Peres.
Sem perspectiva de melhora na demanda local, as estratégias de gestão financeira foram destacadas também no resultado da Hypermarcas. A companhia, que vendeu recentemente seu negócio de cosméticos para a Coty, vai se concentrar em medicamentos.
"O fluxo de caixa livre foi positivo em R$ 2,129 milhões no primeiro trimestre versus R$ 35 milhões em 2015, impulsionado por melhorias no fluxo de caixa operacional e pelo montante proveniente da negociação com a Coty", lembraram os analistas do BB, Victor Penna e Maria Paula Cantusio.
As vendas de medicamentos com prescrição médica também ajudaram a impulsionar os ganhos. De janeiro a março, a receita líquida cresceu 12,1% para R$ 827,3 milhões.
"A tendência para os próximos meses e de redução gradual da inflação, o que pode ajudar a reduzir a pressão sobre a indústria. Mas o desemprego ainda vai subir, impactando o consumo, com itens de necessidade básica com resultado um pouco melhor", ponderou o economista da Fundação Getulio Vargas (FGV), Nelson Marconi.
Veículo: Jornal DCI