Frutas não compõem a dieta dos jovens, rica em arroz, feijão, pães, doces e refrigerantes
-BRASÍLIA E RIO- Uma pesquisa divulgada ontem pelo Ministério da Saúde mostra que a alimentação dos adolescentes brasileiros deve ser motivo de grande preocupação. Considerados saudáveis, arroz e feijão estão no topo da lista dos 20 produtos mais consumidos entre jovens de 12 a 17 anos. Mas, daí em diante, reinam alimentos industrializados como refrigerantes e carnes processadas que, ricos em sódio e açúcar, não deveriam fazer parte da dieta.
Hortaliças só aparecem na décima posição. E as frutas, recomendadas devido ao alto teor de nutrientes, não têm lugar no prato dos brasileiros em fase de crescimento. Nutricionistas ouvidos pelo GLOBO classificam os resultados como alarmantes e dizem que, sem uma mudança no quadro, a população pode enfrentar problemas sérios de saúde e até redução na expectativa de vida. Os dados fazem parte do Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (Erica), feito em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Foram colhidas informações de 75 mil alunos em 1.247 escolas de 124 municípios.
— Na adolescência é preciso consumir em média seis porções de fruta por dia. O baixo consumo de alimentos in natura e alta ingestão de alimentos processados aumentam a carência nutricional e o risco de diabetes e doenças cardiovasculares — comenta Annie Bello, professora de nutrição clínica da Uerj e pesquisadora do Instituto Nacional de Cardiologia.
Também preocupam o consumo de vitamina E e cálcio, muito abaixo do recomendado, e a ingestão excessiva de sódio, o que pode levar ao sobrepeso e à hipertensão. Segundo o Erica, 80% dos adolescentes consomem sódio acima do recomendado. Menos da metade (48,5%) toma sempre ou quase sempre café da manhã, e 21,9% nunca fazem a primeira refeição do dia. Mais da metade dos adolescentes come em frente à televisão.
— É muito alarmante. Se a maneira como as pessoas se relacionam com a alimentação e a atividade física não mudar, esse quadro vai gerar a longo prazo um custo alto em termos de saúde coletiva. Estudos relatam que esta geração pode ter uma expectativa de vida de quatro a seis anos menor — analisa o nutricionista Clayton Camargos, pós-graduado em Autogestão em Saúde pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz.
Dados divulgados anteriormente mostram que a obesidade — que atinge 8,4% dos adolescentes — é mais comum entre os meninos (10,8%) do que entre as meninas (7,6%). O sobrepeso chega a 17,1%. Anualmente, o Sistema Único de Saúde (SUS) gasta R$ 458 milhões para tratar problemas decorrentes da obesidade. Com internação de adolescentes, foram gastos R$ 126,4 milhões entre 2010 e maio de 2016. No mesmo período, o gasto com cirurgias bariátricas (de redução do estômago) alcançou R$ 233,1 milhões em todas as faixas etárias.
Para mudar o hábito dos jovens, nutricionistas defendem que o estímulo venha dos pais.
— Os maiores responsáveis por aumentar o consumo de alimentos saudáveis são a educação em casa e a escola. Se houver maior compra e aquisição de frutas em casa, possivelmente as crianças vão comer mais — argumenta Annie Bello. 15,5% SUBSTITUEM REFEIÇÕES POR LANCHES Outro levantamento do Ministério da Saúde, o Vigitel 2015 (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico), feito em 27 capitais, mostra que há mais adultos comendo frutas e hortaliças regularmente. Ainda assim, menos da metade têm esse hábito. Além disso, o consumo de doces e refrigerantes é considerado excessivo.
Em 2010, 29,9% dos adultos consumiam frutas e hortaliças regularmente. Em 2015, o índice passou para 37,6% — as mulheres comem mais esse tipo de alimento que os homens. A pesquisa revela também que é alto o consumo de feijão: 64,8%, por cinco dias ou mais da semana. E o hábito de substituir o almoço ou o jantar por lanches é comum a 15,5% dos brasileiros.
Alguns alimentos considerados pouco saudáveis também são bastante consumidos, como carnes com excesso de gordura, no prato de 31,1% dos brasileiros, principalmente homens. Doces e sobremesas estão quase todos os dias na dieta de 20,1% da população, em especial as mulheres.
O ministro da Saúde, Ricardo Barros, apresentou uma portaria para estimular a alimentação saudável. Nos restaurantes e eventos realizados pelo ministério e órgãos vinculados serão priorizados cereais, raízes e tubérculos, verduras e legumes, frutas, oleaginosas, leite e derivados, carnes, ovos e pescados. Será proibida a venda de alimentos industrializados com excesso de açúcar, gordura e sódio. O ministério quer apresentar proposta no Congresso para que só sejam ofertados alimentos saudáveis nas escolas públicas e privadas.
— É preciso investir em saúde preventiva. É melhor para a população e onera menos o orçamento do Sistema Único de Saúde — disse Barros, que pediu que a população consuma menos sal e açúcar e faça mais exercícios, e que a indústria produza mais alimentos saudáveis.
Veículo: Jornal O Globo