Geração Y reduziu mais do que outras faixas etárias o volume de dívidas nos cartões desde a crise financeira em 2008
Dados do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) indicam que a porcentagem de americanos com menos de 35 anos com dívidas no cartão de crédito caiu para o índice mais baixo desde 1989, quando o Fed começou a padronizar os dados, segundo análise de ‘The New York Times’.
Alguns americanos mais velhos também diminuíram as dívidas no cartão desde o início da crise, em 2008. Mas em nenhum outro grupo etário o declínio foi tão rápido quanto entre os americanos jovens – da chamada geração Y, ou do milênio (“millenials”) – como mostram os dados da Survey of Consumer Finances.
“Ficou muito claro que os jovens não estão interessados em ficar endividados como seus pais estão ou já estiveram”, disse David Robertson, publisher de The Nilson Report, boletim digital que acompanha a indústria de crédito e pagamentos.
Essa relutância pode ter repercussões duradouras para essa geração do milênio, bem como para o sistema financeiro e a economia. O uso precoce de cartões de crédito ajudou, no passado, jovens americanos a atingir um nível de conforto baseado no crédito que podia durar a vida toda e permitir uma sequência de grandes aquisições financiadas com dívida. Sem um histórico substancial de crédito é muito difícil, por exemplo, levantar uma hipoteca.
“Vai provavelmente levar mais tempo para os jovens terem acesso ao crédito”, diz George Elliehausen, economista do Fed especializado em finanças do consumidor. “Nesse intervalo, seu comportamento e alguns de seus hábitos já estarão formados.”
No geral, o uso de cartões de crédito pelos americanos teve um novo pico recentemente: dívidas das famílias nos Estados Unidos cresceram US$ 35 bilhões, passando a US$ 12,29 trilhões no segundo trimestre de 2016, um aumento de 0,3% em relação ao trimestre anterior, induzido por cartões de crédito e empréstimos para a compra de carros, segundo relatório divulgado esta semana pelo Fed de Nova York.
Bancos informam que suas operações com cartões estão aceleradas e, nos últimos meses, o número de pessoas com problemas para saldar seus débitos chegou a baixas recordes.
Mas muitos jovens estão com um pé atrás, desestimulados por novas leis surgidas após a crise e por grandes débitos estudantis. Também vêm evitando a tentação oferecida pelos cartões de crédito para gastarem acima de seus meios.
Jason Towner, de 32 anos, que trabalha numa empresa de investimentos, inutilizou seu último cartão de crédito, da Capital One, em 2010. Ele não tinha dívidas impagáveis, mas viu o pai e a irmã fecharem a loja de mobília da família depois que o banco cortou sua linha de crédito em meio à crise financeira.
“Vendo o que estava acontecendo no mundo, e em minha própria casa, pensei: ‘Isso não é uma boa ideia’”, disse Towner.
Empréstimos de risco. O ressurgimento do uso generalizado do cartão de crédito nos EUA nos últimos dois anos foi motivado em grande parte pelos tomadores de empréstimos de risco, segundo o Fed, que não considerou o recente crescimento do empréstimo por faixa etária.
Mas está claro para economistas da área que os chamados millenials estão se inclinando para sistemas de pagamento que fogem tanto de dinheiro quanto de crédito. Por que carregar dinheiro se é possível usar cartão de débito até para as menores transações – comprar um sanduíche ou um refrigerante – ou usar um aplicativo como Venmo ou serviços de pagamento online como PayPal? Todos eles debitam diretamente da conta bancária.
Elliehausen, do Fed, calcula que a aversão à dívida entre os jovens americanos vá continuar, potencialmente com um inconveniente. Cartões de crédito com frequência são necessários para compras maiores – como lavadoras e computadores – que tornam mais eficiente o trabalho doméstico e ajudam a economia a crescer. E cartões são normalmente parte essencial do histórico de crédito que permite a alguém levantar um empréstimo para comprar uma casa.
Apenas 37% das famílias americanas chefiadas por alguém com 35 anos ou menos tinham dívidas com cartões de crédito em 2013, último ano com dados disponíveis da Survey of Consumer Finances – uma queda de quase um quarto em relação ao período imediatamente anterior à crise financeira.
Essa estatística pode estar subestimando o número de jovens usuários de cartões de crédito, uma vez que exclui pessoas abaixo de 35 anos que vivem com os pais.
Mas dados mais recentes também sugerem que os millenials estão usando menos cartão de crédito que pessoas de idade equivalente usaram no passado – e estão contraindo menos empréstimos para compra de carro e hipotecários que outros da mesma faixa etária contraíram antes da crise financeira.
Rebecca Liebman, de 23 anos, formou-se na Clark University em 2015 usando o crédito estudantil. Ela evitou entrar no cartão de crédito até o começo deste ano, e só entrou porque precisava formar cadastro para se um dia quisesse uma hipoteca. “Não queria usar irresponsavelmente um cartão de crédito, e por isso, tenho medo de usar”, disse ela. “Vi 2008 e vi meu pai ser demitido. Não confio no mercado financeiro.”
Rebecca, fundadora de um site financeiro para millenials, o LearnLux, é também a relutante detentora de um cartão Discover. Depois de receber o cartão, levou cinco meses para superar sua radical obsessão a dívidas e fazer sua primeira compra – uma mala de mão.
Fonte: Jornal O Estado de São Paulo