Crise muda hábitos. Grego e sobremesas perderam espaço na cesta de compras, enquanto itens básicos e promocionais ganham força e embalam as indústrias regionais e de menor porte
São Paulo - O segmento de iogurte vem observando um movimento curioso, que tem impulsionado os negócios de indústrias regionais. Um levantamento da Kantar Worldpanel mostra que nos últimos 12 meses, encerrados em março, volume e faturamento cresceram, mas o preço médio por unidade caiu.
Depois da explosão das vendas de iogurtes do tipo grego e sobremesas especiais, as fabricantes de produtos lácteos tiveram de adequar suas linhas à nova demanda do brasileiro, que com a renda menor vem adequando sua cesta de consumo, dizem executivos do setor.
"Não há uma queda no consumo, os iogurtes continuam fazendo parte da cesta de compras. O que diminuiu foi o valor gasto pelo consumidor, que em alguns casos até consome bastante, porém procurando preços mais baixos", diz a analista da Kantar, Cecília Maronna.
De acordo com a consultoria, entre abril do ano passado e março de 2016, o setor de lácteos faturou R$ 33,8 milhões, ajustado pela inflação. Um ano antes a soma era de R$ 29,8 milhões, sob o mesmo critério. Cecília avalia que, além do impacto da inflação no período, o acréscimo foi favorecido pela maior oferta de produtos baratos e em embalagens menores.
A Salute, fabricante do interior de São Paulo, registrou um aumento na demanda por doses individuais dos iogurtes de frutas, em geral, mais baratos, conta o presidente da empresa, Marcelo Duarte. "A linha grego foi o nosso foco nos últimos três anos, porque era o que mais crescia na categoria, mas nos últimos meses estamos sentindo uma queda na procura. O custo de produção desse item é maior por conta da quantidade de proteína, então não tem como diminuir muito o preço."
Já a mineira Trevo Alimentos teve retração nas vendas do tipo petit suisse, muito popular entre as crianças. "Foi o maior recuo dentro do nosso portfólio durante o primeiro semestre. O petit perdeu espaço para produtos mais simples", revela o diretor financeiro da empresa, Marcelino de Rezende.
Em entrevista recente ao DCI, o gerente de pesquisa e desenvolvimento da Vigor, William Wenceslau, declarou que, pela primeira vez desde o lançamento da linha grego, em 2012, a companhia notou uma demanda menor de seu carro-chefe.
"Nosso bom desempenho vem sendo impulsionado por esse produto, mas pela primeira vez [em 2016] nós observamos uma leve queda na demanda. Sem dúvidas há relação com a crise econômica", ressalta.
A expectativa é de que, com a chegada do verão, os pedidos nessas categorias de maior valor agregado retornem aos patamares do passado, comenta o presidente da Salute. "Acredito em uma retomada de vendas nos próximos meses, principalmente com a chegada do calor, que nos favorece. Até lá, a demanda será por produtos mais acessíveis, em embalagens menores e promocionais", define Marcelo Duarte.
Embalagens
Conforme o levantamento da Kantar, embalagens individuais, de até 200 ml e em versões líquidas, têm apresentado um melhor desempenho. Na avaliação de Cecília Maronna, trata-se de mais um efeito da retração econômica no País.
"Em tempos de crise é comum que o consumidor leve o iogurte de casa para fazer um lanche na rua, com o objetivo de economizar o que poderia ser gasto em uma lanchonete", exemplifica a analista.
De acordo com ela, a categoria contraria outros segmentos de bens de consumo, em que as embalagens "tamanho família" têm maior penetração nos lares durante as crises. No caso dos iogurtes, a regra é desembolsar menos, mesmo que isso signifique levar uma quantidade menor para casa.
A Trevo, por exemplo, vem apostando nas embalagens promocionais mesmo diante de dificuldades para modificar a produção, segundo Rezende. "Houve um aumento da demanda pelas embalagens promocionais, do tipo leve 6 e pague 5", diz ele, acrescentando que a Trevo vê retorno dessa estratégia comercial. "No entanto, a indústria tem dificuldade de fazer algo assim devido ao custo", complementa o diretor.
Já Duarte, da Salute, desistiu de implementar uma linha de produção para embalagens diferenciadas, especialmente aquelas de tamanho família.
"Essa instalação exigiria um investimento grande e o momento que vivemos não é de confiança para fazer aportes. Também tínhamos a impressão de que recipientes maiores teriam uma performance melhor por conta da crise, mas percebemos o contrário. O iogurte líquido com embalagem individual vai bem e nossos esforços serão no desenvolvimento dele", reforça o executivo.
A Salute projeta faturar R$ 140 milhões este ano, alta de 20% em relação a 2015.
Insumos
A alta do preço leite, principal matéria-prima do setor, também se destaca entre os motivos de pressão das margens, de acordo com os executivos.
"Não existe uma mágica. Temos que apertar nossas margens em períodos assim. Este ano o custo do leite subiu bastante", lamenta Rezende .
Em agosto, o preço ao produtor de leite bateu recorde, chegando a R$ 1,69 por litro, indica o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Universidade de São Paulo (USP). No entanto, pesquisadores do centro alertam que a tendência poderá mudar ainda neste mês por conta dos estoques na indústria e o aumento na captação de leite.
O diretor executivo da Associação Brasileira de Laticínios (Viva Lácteos), Marcelo Martins, afirma que desde 2014 a alta de preços do leite vem impactando negativamente as fabricantes de iogurtes. "É um ciclo que envolve desde o aumento no custo de alimentação das vacas até problemas climáticos em regiões produtoras de leite", aponta o dirigente.
Na avaliação de Martins, a vantagem dos iogurtes mais básicos sobre as versões grego ou sobremesa ocorre exclusivamente durante o período de crise. "É um mercado que exige um processo intenso de inovação para que haja apelo com o consumidor, algo que as versões mais simples não possuem."
Fonte: DCI