Depois de um ano marcado por uma nova retração na produção de leite no Brasil, aumento das importações de lácteos - o que elevou o déficit da balança comercial do setor - e instabilidade nos preços internacionais, analistas esperam um cenário menos turbulento em 2017.
A notícia positiva é que as condições para produzir leite no país devem ser mais favoráveis que no ano que passou, com uma menor pressão de custos. Esse fator somado à perspectiva de preços internacionais mais altos deve limitar as importações brasileiras, reduzindo o déficit da balança. Entre janeiro e novembro deste ano, o déficit da balança brasileira de lácteos ficou em US$ 436 milhões, mais de três vezes o saldo negativo registrado em todo o ano de 2015. O volume importado no período teve alta significativa (100 mil toneladas a mais) em relação ao janeiro a novembro de 2015, somando 225,5 mil toneladas. Tudo isso em decorrência, sobretudo, da menor oferta de leite no mercado interno.
Mas a tendência é de que as importações de lácteos percam força, reduzindo o déficit, avalia Valter Galan, analista da MilkPoint, consultoria especializada no segmento. Uma das principais razões é que os preços internacionais devem desestimular as compras no exterior no ano que vem. "Com preços internacionais mais altos e dólar mais valorizado, a importação pelo Brasil deve cair 25% a 30%", estima. A perspectiva de alta nos preços internacionais se ampara em três fatores, segundo o analista: a produção de leite está em queda na União Europeia - após um período de preços baixos em decorrência do fim do sistema de cotas, que estimulou a produção no bloco. A oferta também está sendo afetada pelo clima na Nova Zelândia e na Austrália. Além disso, a recente alta do petróleo no mercado internacional - resultado da decisão de países produtores de reduzirem a produção - deve estimular a demanda por lácteos nesses países. Para Galan, a valorização nos últimos leilões da plataforma Global Dairy Trade (GDT) já reflete esse novo cenário.
Embora sempre haja incertezas em relação à China, a expectativa também é de alguma recuperação na demanda, já que houve abate de vacas leiteiras este ano no país, em decorrência de preços baixos aos produtores. A China é um dos maiores importadores mundiais de lácteos, mas seu apetite perdeu força este ano. Até outubro, o país importou 516,3 mil toneladas, 9,2% acima de igual período do ano passado. Esse ritmo de crescimento, porém, já foi maior. "Se esse cenário se confirmar, os preços devem ficar nos níveis atuais ou mais altos", diz Galan. No último leilão GDT, cujos preços são referência para o mercado internacional, a tonelada do leite em pó integral ficou em US$ 3.593, já acima dos níveis históricos de US$ 3.300 por tonelada.
Ainda que considere que não deva ocorrer "nada de extraordinário" em relação à demanda internacional no próximo ano, Rafael Ribeiro, analista da Scot Consultoria, afirma que o início da recuperação da demanda da China é um dos fatores que devem fazer os preços internacionais [do leite em pó integral] ficar entre US$ 3.500 e US$ 4.000 mil tonelada. À parte a oferta mais ajustada na Europa, o analista da Scot cita ainda a queda na produção nos Estados Unidos como fator que deve sustentar as cotações internacionais.
Já para o Brasil, a expectativa é de que a produção comece a se recuperar após um ano em que os custos mais altos pressionaram as margens do setor durante a maior parte do período, avalia Ribeiro. Os preços mais baixos de milho e soja devem estimular o investimento em alimentação do gado leiteiro pelos pecuaristas. O menor custo dos grãos também deve permitir uma "recomposição de margens" pelos produtores, afirma o analista.
Nesse cenário, "a produção no primeiro semestre do ano que vem deve ser maior que no primeiro semestre de 2016", avalia Galan. Neste ano, pelas estimativas da MilkPoint, a produção de leite inspecionada no Brasil deve ter caído cerca de 4% a 5% em relação ao volume de 24,05 bilhões de litros de 2015, conforme dados do IBGE em 2015. As previsões também são de clima "mais normal" no segundo semestre do próximo ano - período de safra do leite -, acrescenta Ribeiro. Esse também é um fator favorável à produção.
Em relação à demanda doméstica, porém, persistem incertezas em decorrência da crise econômica, e a expectativa é de que os preços aos produtores tenham variações mais próximas à inflação em 2017 após fortes altas neste ano, concordam Ribeiro e Galan. Em termos nominais, os preços aos produtores subiram 17,4% entre janeiro e novembro, segundo a Scot. Para Rafael Ribeiro, os volumes de venda de leite longa vida devem seguir crescendo, mas produtos de maior valor agregado, como iogurtes e queijos, devem continuar "patinando".
Ao mesmo tempo em que há perspectiva de recuperação da produção de leite no Brasil, a menor disponibilidade da matéria-prima na Argentina e no Uruguai - principais fornecedores de lácteos para o Brasil - também deve contribuir para o país importar menos, acredita Marcelo Costa Martins, diretor-executivo da Viva Lácteos, que reúne laticínios brasileiros. E se os preços internacionais mais elevados são um fator de desestímulo às importações, podem dar alguma competitividade ao produto brasileiro no exterior, observa Martins. Segundo ele, algumas empresas já sinalizam que preços perto de US$ 4 mil a tonelada para o leite em pó integral, ao câmbio atual, criam um cenário mais favorável à exportação pelo Brasil.
Por Alda do Amaral Rocha | De São Paulo
Fonte: Valor Econômico