O fim do acordo entre Brasil e China para restrição de exportações, a chegada de expressivas encomendas do varejo feitas ainda no período pré-crise, e a desova de produtos chineses que eram vendidos nos Estados Unidos e na Europa provocaram um forte aumento nas importações de vestuário neste início de ano.
No primeiro trimestre em relação a igual período do ano passado, o volume de roupas adquiridas no exterior subiu 56%, de 11,6 mil para 18 mil toneladas. Desse total, 72% vieram da China. Em valores, as importações aumentaram 75%, para US$ 275 milhões, conforme dados do Ministério do Desenvolvimento elaborados pela Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit).
O setor de vestuário está na contramão da economia, pois o impacto da crise reduziu em mais de 20% as importações do Brasil no primeiro trimestre. Entre 25 setores, vestuário e outros equipamentos de transporte foram os únicos a apurar alta no volume importado em janeiro e fevereiro, segundo a Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex).
Segundo varejistas e fabricantes locais, as encomendas de roupas foram feitas para os fornecedores na Ásia em meados de 2008, antes da eclosão da crise no Brasil em setembro, quando a perspectiva era de demanda aquecida. "Como não tem oferta de coleção de inverno no Brasil, o setor aproveitou e comprou antes da crise", disse Sylvio Mandel, presidente da Associação Brasileira do Varejo Têxtil (Abeim), que representa redes como C&A, Riachuelo e Renner.
Se o frio decepcionar é grande a chance de os produtos encalharem no varejo ou nas empresas. A catarinense Brandili dobrou a importação de jaquetas de inverno este ano, mas, por conta da crise, está com 40% no estoque. "Tivemos que reajustar o produto em 50% por causa do dólar, que saiu de R$ 1,6 na encomenda para R$ 2,3", disse Germano Costa, diretor comercial. As importações representam 5% do portfólio da empresa.
O desempenho das importações de vestuário não acompanha o de insumos para a indústria local, como tecidos e fios. De janeiro a março, em volume, as importações de tecidos caíram 23% e de fios, 45%. Como esses itens possuem maior peso, importações totais do setor têxtil e de confecção recuaram 37% em volume e 15% em valor de janeiro a março. As compras de matérias primas reagem mais rapidamente que o vestuário às alterações de demanda.
O fim do acordo de restrição das exportações da China também estimulou o varejo a importar mais. As compras externas dos produtos monitorados subiram expressivamente no primeiro trimestre em relação a janeiro a março de 2008: 236% em camisas de malha, 260% em jaquetas, 286% em suéteres, 805% em veludo, 147% em seda.
"As compras foram feitas já prevendo que não seriam barradas pelas cotas", disse Aguinaldo Diniz Filho, presidente da Abit e da tecelagem Cedro e Cachoeira. "Além disso, a crise já estava afetando as exportações da China na Europa e nos Estados Unidos, que passou a focar o esforço de vendas em países como o Brasil."
Com o fim do acordo, os varejistas estão solicitando ao governo brasileiro que retire a exigência de licenças de importação para os produtos envolvidos. "Não faz mais sentido essa barreira burocrática, que tem um custo. Vamos reverter isso em preço para mais baixo para o consumidor", disse Mandel, da Abeim.
Selado em 2006, o acordo entre Brasil e China limitou por meio de cotas o crescimento das exportações de 70 produtos, agrupados em oito categorias, o equivalente a 60% do total do comércio têxtil entre os dois países na época. O acordo expirou em dezembro e o setor privado brasileiro tentou repetidas vezes renegociá-lo, mas não houve receptividade dos chineses.
"O governo chinês não renovou o acordo com ninguém, nem com europeus, nem com americanos", disse Welber Barral, secretário de Comércio Exterior. A crise provocou queda das exportações chinesas de produtos têxteis, com fechamento de fábricas. Segundo ele o governo brasileiro acompanha de perto o assunto, mas o problema ainda está restrito.
Uma missão liderada pelo secretário-executivo do MDIC, Ivan Ramalho, deve desembarcar em Pequim para discutir o comércio têxtil em 23 de abril. Diniz, da Abit, ainda tem esperanças de uma renovação do acordo, mas, segundo o governo brasileiro, os chineses já sinalizaram que só estão dispostos a negociar itens específicos.
Sem conseguir reestabelecer o acordo e sob pressão da indústria, o governo aprovou duas sobretaxas antidumping: fibras de viscose, em outubro de 2008, e fios de viscose, em março deste ano. As medidas foram tomadas sem considerar a decisão anunciada, mas nunca aplicada pelo Brasil de reconhecer a China como economia de mercado. Há rumores no setor privado de que o governo brasileiro será pressionado durante a visita de Lula a finalmente colocar a medida em vigor. O principal argumento do Brasil neste caso é que a China também não cumpriu com suas promessas de investimento.
Para varejistas e representantes da indústria nacional, a tendência é que as importações de vestuário caiam nos próximos meses, por conta do impacto da crise econômica, que vai reduzir as encomendas, e da valorização do real, que prejudicou a competitividade da China. "No próximo trimestre, a crise e o câmbio vão se refletir na importação", disse Julio Chiang, diretor da fabricante de roupas infantis Green. De origem chinesa, ele disse que importa apenas 5% do que vende no Brasil.
Segundo Germano Costa, da Brandili, a ordem na empresa agora é cortar importações, para evitar surpresas por conta da instável evolução da economia e por conta da valorização do real, que encareceu o produto. Ele informa, no entanto, que há relatos de que os chineses estariam fornecendo descontos para compradores brasileiros. No primeiro bimestre, os preços das importações de vestuário recuaram 6%, segundo a Funcex.
Veículo: Valor Econômico