Rodrigues vê depuração e expansão do setor

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Fernando Lopes, de São Paulo

 

Em 18 de maio, uma segunda-feira, ele participou de um evento sobre pecuária de corte em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Na terça-feira, estava em Brasília, em um encontro sobre irrigação, e no dia seguinte desembarcou na capital de Goiás para palestrar sobre produtividade da soja. Na quinta-feira, 21, esteve em dois seminários em São Paulo, onde mantém residência, e na sexta-feira pegou a estrada para Águas de Lindoia, no interior paulista, para acompanhar uma reunião sobre zootecnia.

 

Para discutir política agrícola, foi convocado pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) para estar no Rio no sábado, dia 23 de maio. Na noite de domingo, partiu para falar sobre cana em Uberlândia, Minas Gerais, na manhã seguinte. Na terça-feira estava em Belo Horizonte no anúncio dos resultados da cooperativa de lácteos Itambé, na quarta-feira voltou à Brasília, dali retornou a São Paulo e logo estava na estrada de volta ao interior paulista, para depois...

 

Aos 66 anos, umbilicalmente amarrados ao agronegócio, Roberto Rodrigues é reconhecido no setor como seu porta-voz mais influente e carismático. É convidado para tudo, e a agenda está sempre cheia. Suas apresentações, sempre bem-humoradas, são das mais concorridas, e muitas vezes plagiadas. Tem sido assim desde que, desgastado por embates políticos no Planalto, deixou o Ministério da Agricultura no último ano do primeiro mandato do presidente Lula. Era assim antes dele virar ministro, continuará sendo assim enquanto a saúde permitir - e aparentemente ela vai muito bem, obrigado.

 

Rodrigues atualiza suas exposições conforme o cenário muda, e atualmente o tom é de preocupação. Não com o longo prazo, afinal poucos países do mundo têm tantas condições de se beneficiar da tendência de aumento da demanda global por alimentos quanto o Brasil, mas com os reflexos da atual crise mundial sobre o agronegócio nacional no curto prazo. "Os efeitos da crise na agricultura são trágicos", diz, sobretudo pelo estrangulamento do crédito ao produtor rural, mas também pela queda dos preços das commodities em dólar (exceto nos casos de açúcar e milho) em relação aos picos de 2008.

 

"Carne, soja e café, por exemplo, estão com os preços em dólar mais baixos [do que em igual intervalo de 2008], e o dólar está em queda. No primeiro quadrimestre, tivemos uma perda de US$ 1,6 bilhão nas exportações em relação ao mesmo período do ano passado". De janeiro a abril, ressalva, o câmbio compensou parte das perdas. Hoje o dólar amarga persistente deterioração, mas os preços das commodities em geral estão em alta e as máximas históricas já não estão mais tão distantes quanto estavam no último mês de dezembro.

 

Neste ponto a preocupação dá lugar ao otimismo. Em tempos de juro próximo a zero e medidas de socorro com viés inflacionário em diversos países, as commodities agrícolas mais negociadas voltaram a atrair a atenção de grandes fundos de investimentos, atentos aos baixos estoques mundiais de alimentos e a um crescimento da demanda global que até agora desafia a crise e que deverá voltar a crescer em ritmo forte quando a turbulência ficar para trás.

 

No Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getulio Vargas (FGV), do qual Rodrigues é coordenador, trabalha-se com a expectativa de que a demanda por alimentos atingirá quase 4 bilhões de toneladas em 2025, 62% mais que em 2000. China, Índia e África puxarão o salto, e as estimativas indicam elevações incisivas no consumo per capita de óleos vegetais, carnes e leite e derivados, que são produtos de maior valor do que cereais, raízes e tubérculos, locomotivas da demanda agrícola na segunda metade do século passado.

 

"Os estoques globais de alimentos representam, atualmente, 60% ou 70% do que eram há dez anos. É uma grande oportunidade para o Brasil, que tem excedentes e já é um grande exportador", afirma Rodrigues. Ele nota que a produção brasileira de grãos somou 991,9 milhões de toneladas entre as safras 2000/01 e 2008/09, enquanto a demanda interna atingiu 805,8 milhões. No intervalo, portanto, o país colaborou com 186,1 milhões de toneladas para o abastecimento de outros mercados.

 

"Para transformar a crise em oportunidade, é preciso consciência. O crédito tem que fluir e instrumentos de política agrícola como o seguro rural têm de ser ampliados e aperfeiçoados. Temos pela frente um longo 'soluço' de aumento de demanda sem elevação expressiva da oferta mundial, o que levará a uma lenta recomposição de estoques que deve manter os preços em patamares elevados, mas os produtores não podem depender desses preços, porque eles podem cair com o desenvolvimento de novas tecnologias que elevem a oferta", afirma.

 

Rodrigues sabe que nem todos os produtores e agroindústrias sobreviverão até a bonança, e vê dois lados na peneira que já começou a separar o joio do trigo, com movimentos de concentração em curso no campo e entre as empresas, levando-se em consideração que a crise atinge os diversos segmentos de formas distintas. "A agricultura não quebra, quem quebra é o agricultor. Esse processo de depuração leva a uma concentração e ao melhoramento de padrões. É um processo que tem vantagens econômicas e desvantagens sociais".

 

Independentemente de preços, Rodrigues lamenta que desafios antigos do agronegócio continuem sendo desafios. Há gargalos, hoje, que desde sempre são gargalos, e o crédito, que aos poucos vem sendo modernizado com grande participação do Banco do Brasil, não é o único deles. Logística e comunicação também evoluem a passos de tartaruga. "Existe um projeto brasileiro de logística, mas é um projeto. Para colocá-lo em prática, é preciso planejamento estratégico, recursos financeiros e cuidado com o meio ambiente. Precisamos, por exemplo, de uma solução barata para escoar nossas exportações pelo Pacífico". Seria uma alternativa importante para baratear o transporte das exportações para a China, o principal cliente do setor no exterior.

 

Pesquisas e outras ferramentas voltadas à otimização da agricultura tropical brasileira também não podem ficar para trás. "Só 5% da nossa área agrícola é irrigada, e o Brasil tem 15% da água doce do mundo. A biotecnologia está engatinhando no país, e a nanotecnologia pode abrir tantas janelas que até assusta! Mais do que um desafio, são novas fronteiras do conhecimento, onde o limite é a imaginação. A nanotecnologia, por exemplo, pode criar matérias novas, mas está restrita a iniciados". Rodrigues destaca esses aspectos no contato que tem com as empresas, e observa que concursos privados como o da Fundação Bunge, cuja premiação será em setembro, devem ser mais difundidos.

 

Particularmente dedicado nos últimos anos aos biocombustíveis - recebeu até a alcunha de "embaixador do etanol" - Roberto Rodrigues louva o reconhecimento, pelos Estados Unidos, de que o álcool de cana é a melhor opção disponível, apesar dos temores de que possa encarecer os alimentos ou do vínculo entre a disseminação de sua utilização e os preços do petróleo. Aqui, reforça, não adianta o Brasil querer ser o único provedor global. "Os importadores não trocarão a dependência do petróleo pela dependência do etanol. Também poderíamos incentivar as exportações de álcool anidro [misturado à gasolina], que não exige adaptações nas redes de distribuição. Até 2025, a demanda global por combustíveis líquidos deve crescer 55%, de acordo com a AIE [Agência Internacional de Energia]".

 

Mas e o ambiente, comportará tantas expansões? "Ninguém é mais preservacionista do que a agricultura. A pressão ambientalista é legítima, mas se generalizou. E o contra-ataque também. Tem de haver uma aproximação, e isso é possível. Temos que investir em uma agricultura tropical e sustentável". Quando ministro, Rodrigues travou embates duros com a colega Marina Silva, do Meio Ambiente, sobre a expansão da pecuária e das lavouras em áreas sensíveis como a Amazônia. Atualmente ele está mais próximo de ONGs ambientalistas e certificadoras, e seu discurso pró-sustentabilidade, de olho no mercado, também é respeitado pelos ruralistas.
 


Veículo: Valor Econômico


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