A recessão mundial acabou com a festa de vários setores econômicos, mas não a dos supermercados britânicos: eles estão adorando a crise.
Calcula-se que 5 milhões de britânicos decidiram ficar em casa nesta temporada de férias e os principais supermercados do país disputam com unhas e dentes o tempo e dinheiro dos consumidores. As lojas estão cortando os preços, lançando novas marcas próprias e desafiando as ofertas dos concorrentes com suas próprias propagandas.
"Olha esse kit para churrasco por 4 libras", ou cerca de R$ 12, disse Marc Bolland, diretor-presidente da Morrisons Supermarkets PLC, enquanto visitava uma de suas lojas nesta cidade no norte da Inglaterra, em que a empresa é sediada. "Três carnes diferentes, duas saladas e pãezinhos para quatro pessoas - tudo isso por apenas uma libra por pessoa."
As propagandas da concorrente J Sainsbury PLC exibem o famoso chefe de cozinha Jamie Oliver ensinando as donas de casa a grelhar hambúrguer de porco e alimentar a família com "cincão", ou 5 libras, numa oferta especial que inclui os hambúrgueres e mais seis alimentos no mesmo pacote.
A disputa gerou uma situação no mínimo curiosa: quase todas as redes de supermercados parecem ser estar ganhando. Mesmo com a recessão, muitas redes britânicas de supermercados divulgaram expansão nas vendas e nos lucros operacionais. Ninguém sabe se a festa vai durar até o fim da recessão, pois normalmente é difícil aumentar os preços depois que as pessoas se acostumaram aos descontos.
Por enquanto, as redes estão se beneficiando da situação, principalmente porque quando a crise piorou eles agiram prontamente para evitar que seus clientes fugissem para os varejistas mais baratos.
Algumas redes lançaram congelados de marca própria mais baratos quando descobriram que as pessoas queriam alimentos com validade maior. Outros aumentaram a oferta de vasilhas de plástico para guardar as sobras das refeições, e ofereceram cortes de carne mais baratos para quem precisou diminuir a conta do supermercado. Outras até se reinventaram completamente. A Sainsbury's, por exemplo, que sempre foi conhecida pelos alimentos de qualidade, passou a propagandear preços baixos para tentar atrair os clientes em busca de pechinchas.
As lojas britânicas são consideradas pioneiras mundiais do marketing de supermercados, e novamente lideram a próxima onda de guerras de preço, atacando umas às outras mais agressivamente do que nunca e assediando os clientes com descontos inesperadamente profundos.
A avalanche de descontos integra uma série de mudanças profundas no segmento de supermercados do país. As lojas britânicas sempre se esforçaram para se diferenciar umas das outras. Os consumidores britânicos costumam se identificar com uma única rede e suas supostas vantagens - os bons alimentos do Sainsbury's, o delicatéssen barato do Morrison's, a variedade de escolhas do Tesco PLC ou os preços camaradas da Asda, a filial local do Wal-Mart Stores Inc. - e se mantinham fiéis a elas.
O novo foco fragmentado no preço mais baixo está mudando isso e acirrando a concorrência, além de criar oportunidades para as lojas roubarem clientes umas das outras.
Os supermercados britânicos estavam mais bem preparados que o resto do setor varejista quando as pessoas começaram a apertar o cinto. Há muito tempo que os supermercados do país são motivo de inveja na indústria varejista mundial, por causa de suas luxuosas marcas próprias, cadeias de suprimento eficientes, cartões de fidelidade fortes e presença vigorosa na internet.
O Wal-Mart, por exemplo, escolheu recentemente o Reino Unido para sediar seu novo centro de treinamento mundial de marketing, criando um espaço onde executivos da rede no mundo inteiro vão aprender com os supermercados britânicos. A experiência no Reino Unido já está ajudando o Wal-Mart a melhorar o desempenho de sua matriz americana: a empresa começou recentemente uma campanha de comparação de preços com base em técnicas desenvolvidas por sua rede Asda.
Mas a atual guerra de preços cria riscos de longo prazo para os varejistas britânicos quando as lojas são obrigadas a abandonar a estratégia barateira da recessão, dizem especialistas no setor.
"Desconto é como heroína para as empresas", diz Darrell Rigby, que chefia a parte de varejo mundial da consultoria Bain & Company. "É viciante. Os clientes ficam viciados nos descontos e criam aversão aos preços cheios. As empresas se acostumam com o impulso no volume de vendas e se arriscam a espantar os clientes quando tentarem aumentar os preços."
E tamanha febre de descontos também tem suas vítimas. Os varejistas independentes menores estão perdendo clientes para os concorrentes maiores e a onda de descontos vem gerando tensão com os fornecedores. Os supermercados querem que os fornecedores também arquem com uma parte do desconto e ameaçam até tirar das prateleiras os produtos de quem não colaborar.
Veículo: Valor Econômico