Possibilidade de crescer é o mais importante

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Jovens talentos: Pesquisa com 30 mil estudantes brasileiros revela que salário é apenas o quarto item na lista de prioridades.

 

Enquanto no passado o sonho da maior parte dos universitários era trabalhar em uma multinacional americana ou europeia, o fortalecimento da economia brasileira nos últimos anos inverteu o cenário e colocou as companhias nacionais em alta junto a esse público.

 

Em 2002, quando a pesquisa Empresa dos Sonhos dos Jovens foi realizada pela primeira vez no Brasil pela consultoria Cia de Talentos, apenas uma empresa nacional, a Natura, figurava na lista das 10 mais desejadas para iniciar sua vida profissional. Construir uma carreira internacional ainda era um dos grandes sonhos dos universitários e recém-formados e poucas organizações criadas no país ofereciam essa oportunidade. Sete anos depois, na pesquisa que acaba de ser divulgada, as empresas brasileiras já representam 60% do ranking e o anseio por uma carreira internacional desapareceu entre os itens que os estudantes consideram mais importantes nas organizações.

 

"Essa mudança indica que os jovens estão plugados nas empresas que oferecem mais oportunidades, independentemente da sua origem. As companhias brasileiras listadas são multinacionais, profissionalizadas e, além disso, orgulho nacional", diz a presidente da Cia de Talentos, Sofia Esteves, responsável pelo estudo realizado em parceria com a TNS Interscience. Quem lidera o ranking pelo quarto ano consecutivo é a Petrobras, à frente de Google, Unilever, Vale, Nestlé, Natura, Itaú Unibanco, Microsoft, TV Globo e Ambev, nesta ordem. O levantamento foi feito em maio de 2009 com cerca de 30 mil estudantes de todas as regiões do país.

 

A pesquisa mostra também que a crise econômica mundial teve seus impactos sobre as expectativas dos jovens em relação ao trabalho. No ano passado, por exemplo, o quesito bons salários e benefícios apareceu em primeiro lugar entre o que os jovens mais esperavam das organizações. Este ano, a remuneração despencou para a quarta colocação. Uma das perguntas, específica sobre a crise, mostrou que os estudantes e profissionais em início de carreira têm consciência de que a turbulência econômica mundial não só vai tornar os processos seletivos mais exigentes como deve aumentar também o nível de estresse. Eles acreditam que esse cenário se reflete em redução de custos nas empresas - ou seja, salários enxutos - e maior cobrança por resultados.

 

Em relação aos fatores de influência na escolha das organizações, um ponto comum entre as empresas do ranking é o fato de terem uma estratégia sistemática de comunicação corporativa. Segundo o estudo, isso reforça e mantém a percepção de que são companhias onde é possível crescer profissionalmente, num ambiente agradável, com bons salários e benefícios e constante reciclagem. Embora ainda sejam bastante influenciados por questões como imagem, marca e campanhas de marketing institucional, os jovens têm se mostrado cada vez mais conscientes em relação à seleção de suas empresas preferidas.

 

As notícias divulgadas em jornais e outros veículos de comunicação têm impacto sobre suas escolhas. Esse é um dos motivos que provavelmente tiraram da lista empresas como Citibank e incluiram o Itaú Unibanco e a Ambev. Além disso, quase a metade dos entrevistados afirmou conhecer alguém que trabalha ou trabalhou nessas duas bem cotadas organizações. Os exemplos e estudos de caso mencionados por professores na faculdade também influenciam nessa escolha. No caso específico da Petrobras, 70% dos universitários ou recém-formados que mencionaram a companhia obtiveram informações sobre ela na mídia e 61% conhecem pelo menos uma pessoa que trabalha ou já passou pela empresa. Fora o setor de atuação em si e seus atrativos, os principais motivos que levaram os estudantes a escolher a companhia estatal de petróleo como a empresa dos sonhos para se trabalhar foram reconhecimento, estabilidade financeira e suporte em treinamento e reciclagem.

 

Segundo a Cia de Talentos, essas respostas indicam que esses jovens estão buscando trabalhos desafiadores e de prestígio, assim como status social. Ainda assim, tendem a ser mais conservadores em suas escolhas. "Quando eu entrei na empresa, há 22 anos, a gente buscava na Petrobras um emprego eterno. Hoje em dia a cabeça do jovem que entra na empresa é muito diferente. Além da imagem positiva em relação à tecnologia de ponta e vanguarda, que seduz os jovens, estamos bem avançados em políticas e processos de recursos humanos, gestão de clima e de cultura da companhia", diz a gerente de planejamento e avaliação de recursos humanos, Mariângela Mundim. Ela garante que o desejo de trabalhar na empresa não muda depois que o profissional está lá dentro. "Nosso índice de rotatividade de funcionários é baixíssimo", diz.

 

O pedagogo Silvio Bock, que atua com orientação profissional de jovens, nota que, embora haja um "discurso empreendedorista" em voga no mercado e nas faculdades, os jovens buscam cada vez mais segurança, o que faz sentido quando se vê a Petrobras repetidamente no topo do ranking. Mesmo sendo uma companhia moderna, a empresa de certa forma oferece essa segurança aos seus profissionais. "Não percebo, na maioria dos jovens que atendo, esse desprendimento pregado no discurso neoliberal, de que hoje temos que abrir mão da segurança, da carteira assinada. Tanto que a maioria que quer estudar direito, por exemplo, tem como objetivo ser aprovado em concurso público."

 

Já o que faz do Google uma empresa desejada pelos jovens não é muito difícil de imaginar, considerando-se que a marca e seu modelo de negócio são totalmente associados a esse público, que cresceu com a internet. Para se ter uma ideia, 93% dos entrevistados disseram usar a ferramenta diariamente. Entre os estudantes que escolheram o Google, 71% valorizam o ambiente de trabalho como ponto prioritário, frente à média total de 60%. De fato, na empresa não há formalidades.

 

O ambiente é lúdico, com jogos como sinuca e pebolim e outras distrações que podem ser usadas a qualquer hora. Afinal, horário não importa para a empresa, e sim os resultados. "Se você contrata direito, o profissional se cobra muito mais do que eu ou o gestor dele seríamos capazes de cobrar. Ele pode sair e brincar por 30 minutos no meio da tarde, mas volta para a sua mesa dando 200% de si", diz o diretor de recursos humanos do Google para a América Latina, Deli Matsuo.

 

Para ele, o produto e o ambiente descontraído não são únicos fatores de atração da empresa. "O fato de ter liberdade para falar, ser ouvido e respeitado como profissional faz toda a diferença", afirma Matsuo. "A quebra de contrato psicológico é o que faz as empresas perderem talentos", completa o executivo, referindo-se à diferença entre o que as organizações prometem aos seus trainees e o que elas efetivamente cumprem.

 

A Unilever, por outro lado, tem a seu favor o fato de contar com um dos programas de trainees mais antigos e disputados do país, oferecido desde 1964. Só em 2008, cerca de 30 mil candidatos disputaram as pouco mais de 30 vagas oferecidas pela empresa. Além de um salário bastante atrativo de R$ 4.500, os trainees passam três anos nesse programa de desenvolvimento de líderes. "A nossa maior publicidade são as pessoas que estão lá dentro", diz o vice-presidente de RH da empresa, Marcelo Williams. "Muitos dos brasileiros que ocupam posições-chave da organização no Brasil e no exterior passaram pelo nosso programa de trainees."

 

O estudante Leandro Augustus Tierno, de 28 anos, que cursa o último ano de comunicação social com ênfase em publicidade e propaganda pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), montou sua lista das mais desejadas com base na decisão de atuar na área dentro de uma grande empresa. Interessado no setor de bens de consumo, ele vislumbra organizações como Nestlé, Sadia/Perdigão, Unilever, Procter & Gamble ou Reckitt Benckiser. "Eu busco uma companhia que seja estruturada, com gestores preparados para orientar um iniciante e, em contrapartida, ter desenvolvimento de carreira e benefícios compatíveis com as exigências", diz. "Mas tenho consciência de que uma coisa é o que eu sonho, outra é como a coisa realmente acontece lá dentro", completa.

 

A preocupação de Tierno faz sentido: os especialistas afirmam que a diferença é grande entre uma empresa ser desejada por quem está de fora e adorada por quem já está lá dentro. Cabe a ela, portanto, a tarefa de não apenas atrair, mas também de saber aproveitar, desenvolver e reter os seus talentos.
 


Veículo: Valor Econômico


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