Mesmo com norma da indústria, Anvisa publicará regras para produto com alto nível de açúcar, sal e gordura
Mesmo com a autorregulamentação anunciada ontem pelos fabricantes de alimentos e bebidas, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicará até o fim do ano novas regras para a propaganda de produtos com altos níveis de açúcar, sal e gorduras, como chocolates, bolos, bolachas recheadas, salgadinhos e refrigerantes. As peças publicitárias voltadas para crianças ou veiculadas durante programas infantis terão restrições ainda maiores.
Pelo texto, a propaganda desses alimentos deverá conter frases informativas, a exemplo do que ocorre com medicamentos - e nos mesmos moldes de tamanho e cor. Por exemplo, um comercial de bolacha de chocolate deverá trazer, por escrito e lido pelo narrador, uma frase alertando que se trata de um produto com altos índices de açúcar (substância que, se ingerida em excesso, pode provocar diabete, aumento do colesterol e obesidade). Além disso, a propaganda dirigida a crianças só poderá ser veiculada entre as 21 e 6 horas. Animações e uso de personagens de desenhos infantis nos comerciais ficam proibidos. Também não poderão ser feitas ações de marketing em escolas e materiais escolares.
As regras serão válidas para propagandas em revistas, jornais, televisão, rádio e internet. "A regulamentação trará regras para as propagandas que influenciam no consumo de determinados produtos entre a população, até mesmo infantil", diz a gerente-geral de Fiscalização de Propaganda da Anvisa, Maria José Delgado. Segundo ela, a decisão está baseada no aumento da incidência de doenças crônicas no País, como diabete, hipertensão, síndrome metabólica e problemas cardíacos.
Ontem, a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia), a Associação Brasileira de Anunciantes (ABA) e 24 indústrias alimentícias prometeram acabar, a partir de janeiro, com a publicidade dirigida a crianças e pré-adolescentes de até 12 anos.
O texto, porém, é mais brando do que o discurso - segundo o documento, o fim dos anúncios fica restrito às mídias e aos programas que tenham pelo menos metade da audiência formada por crianças, algo não tão simples de medir.
Dados do Ministério da Saúde mostram que cerca de 60% dos gastos ambulatoriais e hospitalares do Sistema Único de Saúde ocorrem no atendimento a complicações decorrentes das doenças crônicas. Pesquisas realizadas em amostras populacionais mostram que o sobrepeso e obesidade atingem cerca de 30% das crianças.
A regulamentação da Anvisa está em estudo desde 2006, quando o tema foi colocado para consulta pública. Desde então, sugestões foram recebidas e uma audiência pública foi realizada na semana passada, último passo para a elaboração do texto final. A iniciativa tem provocado discussão com a indústria, que questiona a competência da agência para regulamentar propaganda. "Nós temos embasamento jurídico para a questão. A legislação diz apenas que leis estaduais ou municipais não podem legislar sobre propaganda", diz Maria José.
O QUE QUER A ANVISA
Advertência:
Peças publicitárias de alimentos com alto teor de açúcar, sal e gorduras e pobres em nutrientes devem conter frases explicativas, a exemplo do que já ocorre com os medicamentos
Horários:
Propaganda voltada às crianças só das 21 às 6 horas
Formato:
A indústria de alimentos e as agências não poderão mais usar animações e personagens infantis
Mídias:
As regras valerão para propagandas em revistas, jornais, televisão, rádio e internet
Escolas:
Propagandas e ações de marketing serão proibidas
Alimentos não saudáveis:
Possuem quantidade igual ou superior:
- a 15 g de açúcar por 100 g ou
- a 5 g de gordura saturada por 100 g ou
- a 0,6 g de gordura trans por
100 g ou
- a 400 mg de sódio por 100 g
Medidas são insuficientes
Entidades de defesa do consumidor consideram uma boa notícia a autorregulamentação da propaganda anunciada pela indústria alimentícia e pelas agências, mas acham insuficiente para controlar o setor e fazer com que crianças sejam menos expostas a alimentos não saudáveis.
Na opinião de representantes dessas entidades, é necessário que seja criada uma legislação para restringir a publicidade de alimentos e punir os infratores - exatamente o que prevê a regulamentação da Anvisa.
"Essa autorregulamentação (da indústria alimentícia e das agências) é um passo importante, mas é apenas o começo", afirma a advogada e assessora de representação do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Daniela Trettel. Para ela, a proposta tem brechas. Daniela argumenta que adotar como critério o público-alvo e não o horário da programação é um erro. "É difícil definir com exatidão a audiência de um programa", diz a advogada. A utilização de personagens, como palhaços, animais e super heróis, nas campanhas publicitárias é outro ponto que deveria estar no texto da autorregulamentação, diz Daniela, que também cobrou o fim da distribuição de brindes que acompanham os alimentos.
Coordenadora institucional da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Pro Teste), Maria Inês Dolci também defende a criação de uma lei para o setor que, além de limitar a propaganda, estabeleça limites saudáveis de sódio, açúcar e gorduras nos produtos.
NO EXTERIOR
Países como Estados Unidos, Canadá e parte da União Europeia já têm regras com o objetivo de tirar o público infantil do foco das empresas de alimentos e das agências de publicidade. Algumas multinacionais, como Nestlé, Unilever e Kraft Foods, adotam no Brasil uma linha muito parecida de comunicação, de acordo com o código de conduta das matrizes. A Nestlé, por exemplo, não faz a divulgação de produtos da sua linha infantil em escolas nem a degustação de lançamentos em supermercados.
Veículo: O Estado de S.Paulo