A beleza da classe C

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Preços baixos e novos produtos - eis o caminho que levou O Boticário às consumidoras da emergente classe média

 

Artur Grynbaum, presidente de O Boticário, tem um hábito comum entre os empresários do setor de varejo. De tempos em tempos, ele foge da sede da empresa, em São José dos Pinhais (PR), para visitar lojas, sejam franquias, sejam unidades próprias do grupo. Grynbaum sabe, inclusive, pelo olhar da vendedora, se foi reconhecido por ela. Quando consegue passar despercebido, ele mexe em prateleiras e produtos e, principalmente, acompanha a reação dos clientes.

 

Nas últimas semanas, o seu "trabalho de campo" passou a ter um foco específico: o desempenho da linha de maquiagens Intense, cujos batons custam R$ 9,90 e a base para o rosto sai por R$ 17,90 - preços até 50% inferiores aos de outros produtos da empresa. Se a comparação for com a L'Oreal, a diferença é maior ainda. Graças aos preços competitivos, os produtos Intense caíram no gosto das consumidoras da classe C, seu público-alvo, e recentemente receberam o reforço de mais 50 itens, de sombras a lápis para os olhos - o que consumiu investimentos de R$ 9 milhões. Com esse lançamento, O Boticário espera aumentar o volume de vendas da marca Intense em 46% neste ano, enquanto a expansão da empresa no ano está em 24%.


 
A Intense chegou ao mercado em agosto de 2008, com apenas 15 batons, um mês antes da quebra do Lehman Brothers e da eclosão da crise. Ali, naquele momento, O Boticário decidiu correr um risco. O raciocínio era o seguinte: se a turbulência se acentuar e o consumo travar, a linha de batons mais populares funcionaria como uma espécie de colchão de segurança, pois evitaria quedas maiores nas vendas. Nesse caso, a empresa puxaria o freio de mão na divulgação da linha. Mas se, por outro lado, houvesse uma recuperação rápida do consumo, O Boticário faria barulho em torno da Intense em 2009. Deu a segunda opção. "Desde o lançamento, acreditamos que daria certo. Nosso setor tem a proteção divina", brinca Grynbaum.

 

Em outras palavras, mesmo quando tudo vai mal, a demanda por cosméticos raramente sente os baques. E quando o sol brilha para todos, ele brilha bem mais para a indústria da beleza. Liderado pela Avon, Natura e O Boticário, o setor aprendeu a ganhar dinheiro vendendo para a nova classe média brasileira. Formada por mais de 90 milhões de pessoas (eram 52% da população em 2008), a chamada classe C escolhe cosméticos pela marca, adora fazer compras picadas e aproveitar preços de oportunidade. Na última década, a receita líquida do setor disparou 270% e, desde 2005, cresce acima do PIB.

 

Os preços nem sequer acompanharam a inflação. A expansão veio do aumento do volume de produção e vendas. Em 2009, O Boticário voltou-se justamente para os ganhos obtidos com escala e preços supercompetitivos em segmentos como maquiagens e cremes. A marca oferece em seu site batons com preços abaixo dos R$ 8,90 do produto da rival Natura. É o que o mercado chama de "Lipstick effect" (efeito batom). Em tempos de dinheiro curto, os consumidores massageiam a autoestima com a compra de pequenos mimos. "Como são aquisições que não dependem de crédito e tem um efeito positivo imediato, raramente perdem vigor", diz João Basílio da Silva, presidente da Abihpec.

 


Bela e barata:

 

Com preços populares, linha Intense foi ampliada, deve crescer acima da média da empresa e se tornar uma das principais apostas do grupo em 2009
Se as empresas derem uma mãozinha, o resultado é ainda melhor. Como dependem de volume para atingir margens maiores, O Boticário e Natura administram preço com atenção quase obsessiva. Só para citar um exemplo: em 2008, a Natura reduziu preços de sabonetes, desodorantes e xampus em 30%. "Estávamos fora do patamar em que o mercado trabalhava", disse José Vicente Marino, vice-presidente de negócios da Natura. O Boticário ficou numa situação delicada, já que cerca de 35% de seus custos são atrelados ao dólar e a cotação chegou a R$ 2,51 no final do ano. Grynbaum revela a solução. "Adiamos o fechamento de novos contratos anuais esperando pela estabilidade no câmbio", conta. A cotação da moeda caiu e, assim, O Boticário manteve a curva de vendas para cima.

 

Entre janeiro e junho deste ano, a alta foi de 24%, contra 18% do setor. Isso pressiona a empresa a aumentar a capacidade de produção.

 

Essa necessidade, porém, é contida pelo estilo conservador cultivado por Grynbaum e, sobretudo, por seu cunhado e fundador da companhia, Miguel Krigsner. A empresa trabalha com o que chama de "gatilhos". Investe aos poucos, segundo a necessidade de cada linha. Até 2012, devem ser aplicados R$ 80 milhões na fábrica. O jeitão cauteloso da dupla também teria sido decisivo para que, em dezembro de 2008, a GP Investimentos vendesse os 2,4% que detinha no capital de O Boticário. Dono de um estilo agressivo, o GP, segundo informações do mercado, estaria pressionando para que a empresa se lançasse num IPO em 2009. Irritado com a insistência, e contrário à ideia, Krigsner se mostrava cada vez mais favorável à saída dos sócios. Conseguiu.

 

A parcela do GP foi vendida para o Votorantim Asset Management, cuja visão de negócios, mais conservadora, aproxima-se dos conceitos de Krigsner e Grynbaum. Agora, comenta-se sobre uma possível ida às bolsas em 2010. "Isso está fora de cogitação", diz Grynbaum. "Queremos um parceiro que nos traga nova visão, conhecimento. Não precisamos de dinheiro ou de um investidor que fique se pegando a detalhes." Parece um recado ao GP, embora a empresa negue divergências com o antigo sócio. Mas, de qualquer forma, o clima parece mais tranquilo por lá.

 


Veículo: Revista Isto É Dinheiro


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