O perigo ainda não passou

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Embora o Carrefour negue que pretenda se desfazer de sua operação no Brasil, secretamente, seus acionistas continuam a conversar sobre uma possível venda para a rede americana Walmart
 


Nos últimos dias, informações vindas das cercanias de Paris, onde fica a sede mundial do grupo francês Carrefour, segundo maior varejista do mundo, surpreenderam o ambiente de negócios. Acionistas indignados com lucros considerados insuficientes pressionavam a empresa a se desfazer de duas de suas maiores operações -- a China e a bola da vez para os investidores, o Brasil. Pelo menos à primeira vista, a ideia carecia de lógica. Dono de um faturamento anual superior a 89 bilhões de euros, o Carrefour tem crescido, basicamente, graças a esses dois mercados. Suas operações na China e no Brasil crescem, em média, 16% ao ano, enquanto na Europa esse índice é próximo a zero. No Brasil, onde é vice-líder no varejo, a rede conta com mais de 560 lojas, um colosso com faturamento de 22 bilhões de reais (veja quadro). Trata-se da terceira maior operação do grupo no planeta. Na China, onde o Carrefour chegou há cerca de dez anos, há 456 lojas em funcionamento. Mas, segundo o diário francês Le Monde, era exatamente essa a proposta de dois dos maiores acionistas do grupo -- o aristocrático Bernard Arnault, dono do conglomerado de luxo LVMH, e o americano Thomaz Barrack, controlador do fundo de private equity Colony Capital, que juntos detêm 13,5% de participação. Para o Le Monde, Arnault e Barrack estavam interessados em fazer caixa. Diante da revelação, o Carrefour calou-se por oito longos dias até publicar um desmentido de que suas operações brasileira e chinesa estariam à venda.


  
Se a informação era mentirosa, por que a relutância em desmenti-la? Talvez porque o que esteja havendo nas entranhas do Carrefour seja um grande jogo de interesses entre os que querem sua expansão internacional e os que exigem resultados no curto prazo. Segundo EXAME apurou, representantes de Arnault e Barrack continuam a conversar com a rede americana Walmart, a maior varejista do mundo, sobre a possibilidade de venda do Carrefour no Brasil e na China. "Eles querem que a transação seja concretizada até o final do ano", afirma um executivo próximo às negociações. (Procurados, Carrefour e Walmart se recusaram a dar entrevista.)

 

Embora não seja a primeira vez que o Carrefour ameace deixar o Brasil (em 2007, o então presidente mundial da rede, José Luis Durán, deu um ultimato público à operação local), isso nunca esteve tão perto de acontecer como agora. Executivos das duas empresas têm mantido conversas a respeito da venda da operação brasileira há pelo menos três meses -- tanto na sede do Carrefour como na do Walmart, em Bentonville, nos Estados Unidos. Para conduzir a negociação, o Walmart destacou quatro de seus profissionais -- Vicente Trius, presidente do Walmart para a América Latina, Eduardo Alcaro, responsável pela área de aquisições no Brasil, Antonio Guimarães, principal executivo de finanças da subsidiária brasileira, e o cubano Hector Nuñez, presidente do Walmart no Brasil. Para assessorá-los foi contratado o banco de investimento UBS -- que trabalhou para o Walmart na compra da rede de supermercados Sonae, em 2005. Coube a Nuñez a responsabilidade de traçar os possíveis cenários para uma eventual união entre as duas operações no país, o que resultaria na criação de uma companhia com faturamento anual de cerca de 40 bilhões de reais, quase o dobro da receita do grupo Pão de Açúcar, que ficaria em segundo lugar no ranking. Nos últimos três meses, Nuñez viajou aos Estados Unidos duas vezes para tratar do assunto. O presidente do Carrefour no Brasil, o francês Jean-Marc Pueyo, não participou das conversas. O valor da transação está estimado em 12 bilhões de reais. "Eles não vão desistir tão cedo nem tão facilmente", afirma um executivo que acompanha as negociações.

 

A pressão para que o Carrefour se desfaça de uma operação tão importante -- e com um enorme horizonte de crescimento -- revela o viés claramente financeiro de Arnault e Barrack. Em 2007, a dupla pagou 4 bilhões de euros para entrar no bloco de controle do grupo com o objetivo de obter um retorno de aproximadamente 30% do investimento em cinco anos. O projeto previa a cisão da operação de varejo da parte imobiliária da rede, então avaliada em 24 bilhões de euros. Independente, o braço de imóveis faria seu IPO. O sucesso da operação, estimada em 3 bilhões de euros, acabaria valorizando as ações do Carrefour por meio do efeito dominó. Parecia o plano perfeito -- até que veio a crise. De lá para cá, o mercado imobiliário na Europa, onde estão localizados os ativos mais valiosos do Carrefour, entrou num movimento de profunda desvalorização -- sepultando seus planos de abrir o capital. No mesmo período, o valor das ações do Carrefour na bolsa caiu 36%, fazendo com que Arnault e Barrack tivessem um prejuízo de 1,2 bilhão de euros. "Os acionistas precisam encontrar uma forma de reaver o investimento", afirma o analista de uma grande consultoria financeira europeia. "Daí a urgência em anunciar a venda de uma das operações de maior valor."

 

A estratégia deflagrada por Arnault e Barrack provocou uma reação por parte dos demais acionistas do Carrefour, que querem manter as operações nos mercados emergentes por uma óbvia questão de estratégia. No início de outubro, enquanto se iniciavam as negociações com o Walmart, dez diretores do Carrefour no Brasil foram reunidos numa espécie de força-tarefa com o objetivo de traçar um plano para melhorar o desempenho da rede no país -- e, com isso, garantir sua permanência aqui. Apesar de grandiosa, a operação brasileira tem rentabilidade em torno de 5,5%, segundo executivos da própria rede -- abaixo dos 7,5% apresentados pelo Pão de Açúcar e aquém do exigido pelos principais acionistas do Carrefour. O resultado só não é pior graças ao Atacadão. Adquirida em 2007, a rede de varejo popular tem margens bem mais altas que a operação de hipermercados, responsável por quase metade da receita do grupo. "O Atacadão responde por cerca de 30% do resultado do Carrefour", diz Daniela Bretthauer, analista de varejo do banco Raymond James.

 

É pouco provável, no entanto, que a bandeira Atacadão consiga, sozinha, impulsionar o crescimento do Carrefour no Brasil. Primeiro, por uma limitação espacial. Como esse tipo de loja ocupa uma área até seis vezes maior do que um típico supermercado de bairro, sua proliferação por grandes centros urbanos é inviável. A segunda restrição é econômica. O "atacarejo", como esse modelo é conhecido, é destinado sobretudo a microempresários, que geralmente revendem os produtos. Em cidades menores, com atividade econômica limitada, é quase impossível gerar tráfego suficiente numa loja com esse perfil. "É aí que entra, ou deveria entrar, o supermercado de bairro", diz Markus Stricker, sócio da consultoria AT Kearney, especializado em varejo. O problema é que o Carrefour, ao contrário dos concorrentes, ainda tem dificuldades nesse modelo de negócios -- justamente o que mais cresce no país. Das 49 lojas Carrefour Bairro, apenas duas foram abertas desde 2006 (o restante é remanescente de compras realizadas nos últimos dez anos). Nesse mesmo período, o Pão de Açúcar inaugurou 52 dessas lojas, e o Walmart, 49. "Ainda estamos aprendendo a navegar nesse mundo", afirma um executivo do Carrefour que prefere não ter seu nome revelado. Enquanto isso não acontece, o perigo segue rondando o Brasil.

 

Veículo: Revista Exame

 

 


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