Comércio exterior: País adotou licenças não automáticas de importação para vinhos, farinha e outros itens
O governo brasileiro resolveu endurecer a negociação com os representantes da Argentina e travou as importações de alguns itens muito sensíveis para seu principal sócio no Mercosul. Desde 14 de outubro deixaram de ser automáticas as licenças de importação para farinha de trigo, pré-mistura de trigo, vinhos, alho, azeite, azeitonas, alguns itens alimentares e rações animais produzidas naquele país. A Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do Desenvolvimento não comentou as medidas.
Depois desta decisão, houve uma revolução no clima da próxima reunião bilateral de alto nível entre os dois países que vai ocorrer em novembro, no Brasil. O último encontro, sem resultados relevantes, foi em 11 de setembro, em Buenos Aires. O ambiente dessa briga comercial mudou com a nova atitude brasileira. Há quase um ano, o governo argentino decidiu tornar não automáticas várias licenças de importação de produtos brasileiros sob a alegação de proteção à indústria local. O problema é que, decorridos vários meses, a produção de bens na Argentina não aumentou, mas elevou-se a presença de itens exportados por terceiros países para aquele mercado.
No caso do trigo, o objetivo dos negociadores brasileiros é equiparar as alíquotas do imposto de exportação do trigo em grão, da farinha de trigo e da pré-mistura de trigo. Atualmente, o governo argentino dá um estímulo tributário para as vendas externas da farinha porque definiu alíquota menor para esse produto em relação ao trigo em grão. Os moageiros brasileiros sentem-se prejudicados. Se essa alteração for negada pela presidente Cristina Kirchner, está em estudo a aplicação, pelo governo brasileiro, de alguma sobretaxa para a farinha.
O diretor da consultoria em comércio exterior Center Group, Gustavo Segre, especializado no mercado argentino, avalia que, agora, o Brasil adotou uma barreira não tarifária igual à que vem prejudicando vários produtos brasileiros há um ano. Na semana que vem, deve ocorrer, em Brasília, uma reunião entre representantes do setor do trigo dos dois países. "Há muito tempo não há avanços nas conversas sobre trigo e, aparentemente, os brasileiros estão fartos da indefinição dos argentinos", revelou.
Outro fator que vem causando turbulências no comércio dos produtos de trigo entre os dois países é o câmbio. Com o real excessivamente valorizado, os produtores nacionais, principalmente do Paraná, perderam competitividade. As alternativas para comprar trigo nos Estados Unidos, no Canadá, na Rússia e até na França são muito mais caras que importar da Argentina.
O Brasil importa aproximadamente 60% do trigo que consome e a Argentina é, tradicionalmente, a principal fornecedora. Para piorar o quadro no país vizinho, a cobrança de impostos sobre exportações e a seca quebraram a produção. No Paraná, principal produtor de trigo no Brasil, as chuvas em excesso também devem reduzir ganhos. Acompanhar o comportamento do trigo é essencial para o Ministério da Fazenda porque esse item é central na variação da inflação.
Além do trigo, o vice-presidente da Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe), Ciro Lilla, confirma que vem enfrentando dificuldade para obter informações sobre o andamento dos pedidos de importação de produtos argentinos. Revelou que as licenças para a sua importadora costumavam ser liberadas, via internet, em cerca de 48 horas pelo Departamento de Comércio Exterior (Decex), no Rio, subordinado à Secex. Agora, o que está ocorrendo é a mera divulgação da informação que a requisição foi enviada "para análise" da Secex em Brasília. "As licenças que pedi na sexta-feira passada, 16 de outubro, ainda não foram analisadas e não consigo informação pelo telefone. Ouvi dizer que elas podem demorar 60 dias para serem liberadas. Se isso tornar-se rotina, será um brutal incentivo ao mercado negro. Não há incentivo maior à informalidade", lamentou Lilla.
A balança comercial entre Brasil e Argentina, de janeiro a setembro, tem superávit a favor do Brasil de US$ 373,5 milhões, resultado de exportações de US$ 8,28 bilhões e importações de US$ 7,9 bilhões. No ano passado, as vendas brasileiras chegaram a US$ 17,6 bilhões e as compras foram de US$ 13,25 bilhões, levando ao saldo positivo de US$ 4,34 bilhões. Em 2007, o saldo a favor do Brasil foi de US$ 4,01 bilhões. O último déficit importante ocorreu em 2002, com US$ 2,39 bilhões a favor da Argentina.
Veículo: Valor Econômico