Nos anos 70, quando os vidrinhos de molho de soja, ou shoyu, eram desconhecidos dos restaurantes brasileiros, a Sakura, a maior fabricante do produto na América Latina, usou uma estratégia ousada de divulgação: "Vou deixar umas três unidades por aqui e, quando passar um cliente japonês, ofereça a ele", diziam os representantes comerciais da empresa. Três décadas depois, o tempero típico da culinária japonesa foi muito além do reduto oriental e é encontrado em qualquer estabelecimento que sirva comida por quilo. Agora, a Sakura está empenhada em reduzir o teor de sódio no shoyu, para não afastar o consumidor em busca de uma dieta saudável, e estuda entrar em segmentos como petiscos, chás e bebidas não-alcoólicas.
"Nós já temos uma versão light, com 35% menos sódio, mas estamos desenvolvendo uma versão com teor ainda menor desse ingrediente", diz Roberto Ohara, vice-presidente da Sakura. Hoje, uma única colher de sopa do shoyu tradicional responde por 36% das necessidades diárias de sódio de um adulto - um percentual que não combina com a tendência mundial de alimentação saudável.
O plano da Sakura é investir, até 2014, R$ 25 milhões, com recursos próprios, para aprimorar o processo de produção do shoyu, introduzindo novas tecnologias para reduzir o seu teor de sódio. O capital também será aplicado na expansão do mix de produtos, inclusive com o desembarque em novas categorias. "Estamos estudando entrar em segmentos como petiscos, chás e bebidas não-alcoólicas", diz Ohara, terceira geração à frente da empresa, fundada em 1940 e que detém 80% do mercado de molho de soja do país - o restante é dividido entre a Yoki, a Cepêra e outras empresas. O produto responde por 45% do faturamento da Sakura, de R$ 80 milhões em 2008.
Diversificar o portfólio não é algo novo para a Sakura. Embora sua especialidade esteja nos "molhos líquidos frios" (shoyu, pimenta, inglês e alho), que somam 70% das suas vendas, a empresa avançou na última década para legumes em conserva, coberturas doces, saquê, licor e até vinho. A incursão nesse último negócio foi motivada mais por uma paixão do atual presidente, Renato Nakaya, filho do fundador, do que propriamente por uma oportunidade de mercado, conta Ohara. "Vendemos cerca de mil unidades por ano, para cantinas italianas e amigos do presidente", brinca o executivo, referindo-se ao rótulo Il Vino Venerabile, lançado em 2004 e produzido por terceiros na região de Bento Gonçalves (RS).
Cerca de 30% do volume vendido pela empresa, por sinal, é fabricado por 22 fornecedores. Entre eles, estão as paulistas Predilecta (de Matão), que fabrica o ketchup da marca Kenko, e a Castelo (de Jundiaí), responsável pelo vinagre de arroz da companhia. Mas a Sakura também produz a marca própria de terceiros, especialmente de grandes varejistas como Carrefour, Wal-Mart e Pão de Açúcar (para quem fabrica molhos e algumas conservas), e até de grandes companhias, como a Unilever, para quem fornece alguns molhos que recebem a marca Knorr.
Tal presença no mercado de temperos leva o vice-presidente da Sakura a lançar o desafio: seja uma grande rede, um médio varejo ou um mercadinho de bairro, em qualquer canto do país, dois terços da prateleira de molhos e temperos devem estar ocupados com itens da companhia. "Se não for assim, tem alguma coisa errada", diz Ohara, que aposta cada vez mais nos itens da culinária asiática, como as sopas instantâneas Missoshiru e o óleo de gergelim.
A venda de bebidas é considerada um negócio à parte, sem sinergia com os principais produtos da empresa, explica o executivo. "É um mercado que exige dedicação especial, com promoções e eventos, e no qual podemos vir a operar com parceiros", diz Ohara. Com a marca Daiti, responsável por 5% do seu faturamento, a Sakura detém cerca de 30% da venda de saquês no país. A empresa é dona ainda do licor Taiki, de umê (ameixa japonesa).
Ao mesmo tempo em que estuda a entrada em novas categorias, a empresa está reorganizando a produção nas suas quatro fábricas (três no Estado de São Paulo e uma em Goiás) para aumentar a eficiência. "O mix de produtos está espalhado nas quatro unidades", diz Ohara, que vem dedicando especial atenção à fábrica goiana. A planta acaba de receber investimentos de R$ 2 milhões para aumentar a produção do molho de pimenta Brava, marca premium da companhia, e cuja extensão do portfólio resultada de parceria mantida com a Embrapa, na pesquisa de novos tipos de pimenta. "O Brasil tem o maior berço genético de pimentas do mundo, mas ainda não criou uma identidade nesse mercado", diz Ohara. Mais uma missão para a paciente e determinada cultura oriental.
Produção brasileira usa milho e dura nove meses
Do Japão, os pais de Suekichi Nakaya recomendaram aos parentes no Brasil que recebessem bem o filho, um jovem na casa dos 20 anos, de saúde frágil, e que não estaria apto a trabalhar nas lavouras de café, no interior paulista, como muitos da família.
Os parentes acharam melhor enviá-lo para a cidade de São Paulo, a fim de trabalhar em um armazém de secos e molhados. Naquela época, início dos anos 30, Suekichi percebeu que as famílias de imigrantes japoneses faziam questão de ter à mesa itens como o missô (pasta de soja) e o shoyu (molho de soja), mas tinham pouco tempo para prepará-los. Suekichi decidiu fabricar o shoyu e, devido à dificuldade de conseguir trigo, substituiu o item por milho, uma receita que se mantém até hoje. Tinha início o negócio Sakura.
A empresa é a única em toda a América Latina a produzir o shoyu da maneira tradicional: um processo que dura nove meses, seis deles dedicados só à fermentação da matéria-prima. Concorrentes que fabricam o shoyu de maneira industrializada, por exemplo, levam apenas dois dias.
A Sakura, que está entre as 20 maiores fabricantes de shoyu do mundo, ganhou corpo na década de 70, quando Suekichi se uniu ao seu irmão, Hidekazu, que também havia criado no interior de São Paulo, em Presidente Prudente, uma fábrica de molho de soja. Ainda hoje, a casa de Suekichi, na Vila Carrão, zona leste de São Paulo, ao lado da matriz, é mantida pela família. Com o típico jardim japonês, serve de boas-vindas para os convidados, que podem saborear um chá diante da paisagem, sem se lembrar que estão na caótica São Paulo.
Veículo: Valor Econômico