É possível revistar o índice fixado no contrato quando se extrapola muito o valor da inflação com alteração substancial do valor do aluguel, quebrando a base objetiva do contrato.
O entendimento é da 29ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo ao autorizar que o reajuste do contrato de aluguel da fábrica da Sherwin-Williams, uma indústria de tintas americana, se dê pelo IPCA, e não pelo IGP-M, conforme estabelecido em contrato.
A Sherwin-Williams possui contrato de aluguel da sua fábrica no município de Arujá com um fundo de investimento imobiliário, com reajuste anual pelo IGP-M. Em razão do acumulado de mais de 20% do IGP-M durante a pandemia da Covid-19, a empresa disse que o aluguel passaria de R$ 203 mil para R$ 246 mil.
Com isso, a empresa foi à Justiça em busca do reajuste pelo IPCA e alegou, entre outros, que o fundo de investimento estaria buscando lucro para distribuir aos investidores, já que o aumento do aluguel resultaria em mais de R$ 500 mil por ano, e não para manter a real essência do contrato.
O pedido havia sido negado em primeira instância, mas a turma julgadora, por unanimidade, reformou a sentença. Para embasar a decisão, a relatora, desembargadora Silvia Rocha, citou os artigos 317 e 478 do Código Civil.
"É fato que o índice IGP-M sofreu alteração sensível no último ano, em proporção bastante maior do que o da inflação oficial. Evidentemente, a cláusula que elegeu o IGP-M como índice de reajuste anual do aluguel não é nula. A ausência de nulidade não determina, porém, que se ignore a evidente desproporção entre o aluguel que as partes decidiram contratar e o que decorre, atualmente, da aplicação do referido índice", disse.
A magistrada ressaltou que a correção monetária tem por objetivo atualizar o valor do aluguel estabelecido pelas partes, em razão da inflação, não de elevar o valor muito acima do pretendido. Essa distorção não prevista, afirmou Rocha, autoriza o reequilíbrio do contrato para que ele permaneça nos termos objetivados pelas partes quando da contratação.
"Não se trata, aqui, de saber se a autora obteve lucro, ou se seu setor sobreviveu satisfatoriamente aos efeitos da pandemia, porque, ainda que assim seja, não é a saúde financeira da autora que está em discussão, mas a manutenção do contrato nos termos em que foi firmado, mantendo-se o equilíbrio então pretendido", acrescentou.
Segundo a relatora, como o índice contratado não mais se presta a apurar tão somente a inflação, fim a que se destinava, gerando desequilíbrio contratual, é necessário substituir o IGP-M pelo IPCA, mas com efeitos a partir do primeiro reajuste do aluguel posterior ao ajuizamento da ação, sem retrocessos.
"Sendo assim, o pedido é parcialmente procedente, para revisar o contrato havido entre as partes, com determinação de aplicação do IPCA como índice de reajuste do aluguel, mas a partir da data-base de reajuste seguinte à propositura da ação, não a anterior a ela, como se pretendeu na inicial", concluiu a magistrada.
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1123032-21.2020.8.26.0100
Fonte: Revista Consultor Jurídico – 15/02/2022