O novo SAC (serviço de atendimento ao consumidor)

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Por Luciano Timm, Jacqueline Raffoul e Hugo Crema

 

Publicado nesta terça-feira (5/4), o Decreto nº 11.034/2022 estabelece diretrizes para operação de serviços de atendimento ao consumidor por fornecedores que atuam em setores regulados. Nesse ponto, em princípio, apenas atividades econômicas que sofrem regulação por meio de agências reguladoras federais ficariam dentro do escopo dessa normativa conforme a Lei das Agências Reguladoras [1], embora possam existir argumentos para defender que setores econômicos não propriamente regulados em sentido estrito — como aqueles relacionados à área de tecnologia e de plataformas digitais — também seriam atividades "reguladas" pela ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) [2]; assim como também existem argumentos favoráveis a aplicação por decretos federais que regulamentam o Código de Defesa do Consumidor (CDC) pelos demais órgãos de defesa de consumidor [3].

 

Ao regulamentar o CDC, modernizando serviços de atendimento ao consumidor, o decreto é publicado na esteira de um longo e bem gerenciado processo de participação social pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon)/Ministério da Justiça no âmbito do Conselho Nacional de Defesa do Consumidor (CNDC), partindo de pesquisa do Pnud/ONU. A preocupação com a regulamentação dos serviços de atendimento ao consumidor cresceu durante a pandemia de Covid-19. Por um lado, empresas foram obrigadas a modernizar seu atendimento, sendo possível observar um crescimento de vendas por comércio eletrônico de 35% [4] em 2021. Por outro lado, o número de reclamações que mencionam especificamente atendimento e SAC registrado no Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (Sindec) superou 240 mil [5] no mesmo ano.

 

Ao estabelecer que o SAC garantirá tempestividade, segurança, privacidade e resolutividade no tratamento das demandas consumeristas, o Decreto nº 11.034/2022 buscou responder a essa nova realidade digital. O decreto enfatiza a disponibilidade de canais de atendimento e obriga o atendimento telefônico por atendente humano. Da mesma forma, observando o princípio de proteção efetiva, o Decreto nº 11.034/2022 dispõe que opções de cancelamento e reclamação devem constar do primeiro menu acessado pelo consumidor.

 

A proteção ao consumidor também se encontra na disposição de que o fornecedor responda às demandas consumeristas em até sete dias corridos e de forma clara, objetiva, conclusiva, que trate de todos os pontos reclamados. Isso visa a assegurar o tratamento célere e transparente de demandas relacionadas a cobranças indevidas e cancelamento de serviços, com foco na resolução extrajudicial de conflitos.

 

A resolutividade ganha especial relevância dentro das garantias estabelecidas pelo decreto. A minuta motivadora publicada pelo CNDC por ocasião da audiência pública menciona que "o sistema do SAC deverá investir em inteligência corporativa, tecnologia e inovação, de forma a resolver com celeridade, acessibilidade, efetividade e segurança às demandas dos consumidores". Resta claro que a adoção de tecnologia pelos SACs aumenta sua transparência e resolutividade, uma vez que abre a possibilidade de que esses serviços sejam auditados.

 

Nesse sentido, o artigo 15 do Decreto nº 11.034/2022 prevê a implementação de ferramentas de acompanhamento da efetividade dos SACs, levando em consideração a quantidade de demandas recebidas em face do número de clientes e unidades comercializadas, a taxa de resolução das demandas, o índice de reclamações junto ao Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), o índice de reclamações em agências reguladoras e o grau de satisfação do consumidor.

 

De forma pragmática, a regulação pretendida pelo Decreto nº 11.034/2022 busca facilitar a resolução preventiva de conflitos, com dispositivos que visam proteger o consumidor por meio da transparência, da celeridade, da efetividade e da eficiência no tratamento de demandas.

 

Como já afirmamos anteriormente [6]:

 

"A ineficiência do SAC acaba desrespeitando direitos dos consumidores e provocando judicialização de conflitos. Os SACs devem evoluir para se valer de outras formas de tecnologia hoje disponíveis para relacionamento com consumidores e adotar ferramentas multicanais.

 

O escopo para um SAC efetivo seria o foco na avaliação da resolutividade dos SACs, como que abrindo sua 'Caixa preta', criando-se formas de sua escrutinização."

 

O Decreto 11.034/2022 acerta ao trabalhar com uma correta estrutura de incentivos no sentido de buscar atacar, no seu artigo 15, o tratamento das causas raiz dos problemas que causam dor de cabeça aos consumidores, permitindo a criação de um indicador cuja publicidade tornará o mercado mais competitivo e com menos falhas (assimetrias informacionais).

 

Ao prestigiar a resolutividade, vai no caminho correto de buscar evitar o excesso de judicialização de demandas consumeristas, dando efetividade à proteção do consumidor.

 

Ademais, ao determinar a busca por transparência na prestação do serviço de atendimento e resguardar a privacidade do consumidor, consolidando verdadeira regulação baseada em evidências, o decreto aproxima o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor de recomendações de órgãos internacionais como OCDE.

 

Finalmente, ele abre espaço também para a autorregulação setorial, que poderá avançar no cumprimento espontâneo do decreto mediante a criação imediata de índices de resolutividade, sinalizando compromisso com consumidores antes mesmo da regulação estatal, que deverá ainda ser produzida pela Senacon — ouvidas as demais entidades de defesa do consumidor —, tudo em perfeita sintonia com a Lei de Liberdade Econômica.

 


[1] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/l13848.htm

[2] Sobre isso, já tratamos em https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-da-abde/regulacao-economica-e-autorregulacao-11052021

[3] https://www.conjur.com.br/2022-jan-28/opiniao-limites-autonomia-entes-federados-consumo2

[4] https://mercadoeconsumo.com.br/2022/01/24/faturamento-do-e-commerce-brasileiro-tem-alta-de-484-em-2021/ [Acesso em 6/4/2022]

[5] https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/consumidor-em-numeros-2021-3-3-milhoes-de-reclamacoes-foram-registradas-em-todo-o-pais/consumidor-em-numeros-2021.pdf [Acesso em 6/4/2022]

[6] https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/mudancas-no-sac-a-vista-16112020 [Acesso em 6/4/2022]

 

Luciano Timm é integrante do CMT Advogados.

 

Jacqueline Raffoul é integrante do CMT Advogados.

 

Hugo Crema é integrante do CMT Advogados.

 

Fonte: Revista Consultor Jurídico – 07/04/2022

 

 


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