Cinco anos após a aprovação da reforma trabalhista, permanecem válidas 33 súmulas e dez orientações jurisprudenciais (OJs) do Tribunal Superior do Trabalho que vão de encontro às alterações promovidas na legislação.
A Súmula 90, por exemplo, estabelece que o tempo de deslocamento do empregado até o local de trabalho de difícil acesso e o retorno para casa são computáveis na jornada de trabalho. Mas a lei de 2017 extinguiu o cômputo de tais horas.
Já a Súmula 114 afasta a aplicação da prescrição intercorrente na Justiça do Trabalho, enquanto o artigo 11-A da CLT, incluído a partir da reforma, prevê justamente o contrário.
O mesmo ocorre com súmulas e OJs sobre equiparação salarial, banco de horas, honorários de sucumbência na Justiça do Trabalho, intervalo intrajornada, intervalo interjornadas, participação nos lucros e resultados, dentre outras.
Os dados são do levantamento "Modernização Trabalhista e as Súmulas e OJs do TST: Necessária revisão da jurisprudência em conflito com a Lei 13.467/2017, a Lei 13.429/2017 e decisões do STF", lançado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).
A instituição sugere o cancelamento, no todo ou em parte, de 29 súmulas e oito OJs. Quanto às demais quatro súmulas e duas OJs, a recomendação é para que sejam modificadas.
Entendimento supremo
Além do desacordo com a reforma, quatro dessas súmulas e uma das OJs também já foram superadas por decisões do Supremo Tribunal Federal.
Uma polêmica relativa à reforma foi a questão da ultratividade — ou seja, a manutenção dos efeitos mesmo após o fim da vigência — de acordos e normas coletivas do trabalho. A Súmula 277 do TST reconhece a ultratividade, mas a reforma vetou tal possibilidade. Em maio deste ano, o STF declarou a súmula inconstitucional.
Outra súmula do TST invalidada recentemente pelo STF (no último mês de agosto) foi a 450, segundo a qual o empregador é obrigado a pagar em dobro a remuneração de férias, inclusive o terço constitucional, sempre que o pagamento seja feito fora do prazo de dois dias antes do descanso do trabalhador.
A Súmula 244 indica o direito das gestantes à estabilidade provisória até mesmo em contratos por tempo determinado. No entanto, o STF já decidiu (Tema 497) que tal estabilidade exige a dispensa sem justa causa — o que não é o caso de um contrato por prazo determinado, cujo término ocorre no prazo ajustado pelas partes.
O Supremo também já definiu que é constitucional a terceirização de serviços na atividade-meio e na atividade-fim das empresa, apesar de trechos da Súmula 331 do TST proibirem tal modalidade.
Por fim, o STF já firmou a tese de que a equiparação do salário entre empregados da empresa tomadora de serviços e empregados da empresa terceirizada fere o princípio da livre iniciativa, diferente do que prevê a OJ 383.
Articulação pelas mudanças
A CNI apresentou o levantamento ao ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, presidente da Comissão de Jurisprudência e de Precedentes Normativos do TST.
Na ocasião, foi combinado que o encaminhamento do assunto para a Presidência da corte seria condicionado à alteração do regimento interno da comissão, cuja autonomia para editar OJs com base em consultas a ministros da casa foi derrubada. De acordo com Gandra, mais de 330 temas pacificados poderiam dar origem a novas súmulas e OJs.
Sylvia Lorena, gerente-executiva de Relações do Trabalho da CNI, aponta a necessidade do TST fazer uma revisão rápida das normativas, para evitar decisões equivocadas:
"Ainda que tenham caducado do ponto de vista legal, a manutenção das súmulas e dos enunciados pode gerar dúvida se o que está apresentado na orientação do TST está valendo ou não. Inclusive, a manutenção desses dispositivos traz insegurança aos empregadores, que não têm certeza de que todos os juízes vão julgar à luz da nova legislação trabalhista em um eventual processo movido por um empregado, por exemplo", explica.
O advogado André Jobim, professor de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho da PUC-RS, também defende a formalização da invalidade das súmulas e OJs: "Em tese, até que essa anulação seja efetivada, as normativas seguem vigentes, ainda que contrariem uma nova legislação, inclusive com potencial para induzir a erros. Estes podem ocorrer sem má-fé alguma, por parte do juiz ou do advogado que orienta seu cliente que não esteja totalmente integrado à nova modelagem normativa".
O presidente do Conselho de Relações Trabalhistas da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb), Homero Arandas, destaca outros dois efeitos negativos da situação atual. Um deles é o impacto nas indústrias de pequeno e médio porte, que muitas vezes não contam com o suporte e a orientação de grandes escritórios de advocacia.
O outro é o aumento do congestionamento do Judiciário: "A manutenção dessas súmulas pode arrastar processos e recursos, prejudicando não só as empresas como também os empregados", conclui.
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Fonte: Revista Consultor Jurídico – 04/10/2022