Ainda que deva-se respeitar o direito de cada cidadão em não se vacinar, cabe ao poder público adotar políticas e posturas administrativas voltadas à preservação e proteção do bem comum e da saúde pública, com vistas ao controle e à erradicação de doenças. Esse foi o entendimento adotado pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo ao julgar inconstitucional uma lei de Dracena que proibia "tratamento diferenciado ou constrangedor de qualquer espécie a quem se recusasse a tomar vacina experimental" contra a Covid-19 ou não apresentasse comprovante de vacinação.
Segundo os autos, a lei proibia a exigência de cartão de vacinação ou outro documento equivalente em qualquer estabelecimento público ou privado do município, com possibilidade de responsabilização civil, penal e administrativa em caso de descumprimento da norma.
Ao propor a ação, a Procuradoria-Geral de Justiça argumentou que o texto violou os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade, da precaução e da prevenção, além do pacto federativo e da repartição constitucional de competências de proteção à saúde. "Como é sabido, a União, valendo-se do permissivo constitucional, editou a Lei 13.979, de 2020, segundo a qual, no contexto da emergência ocasionada pela Covid-19, facultou-se, dentre outras medidas, a vacinação obrigatória", afirmou o relator, desembargador Aroldo Viotti, ao julgar a ação procedente.
O magistrado lembrou que o Supremo Tribunal Federal já decidiu pela constitucionalidade da vacinação compulsória. Dessa forma, no âmbito da competência concorrente, Viotti disse que, aos municípios, é permitido apenas suplementar a legislação federal e estadual com base no interesse local.
"Nesta linha, o C. Supremo Tribunal Federal, na ADPF 672, ressaltou a atuação de forma conjunta (comum) dos governos federal, estadual, distrital e municipal para o enfrentamento da pandemia, visando à proteção e defesa da saúde, ressaltando, contudo, não ser possível que uma esfera de governo impeça a outra de adotar medidas de proteção e defesa da saúde no combate à Covid-19", completou.
Para o magistrado, embora deva-se respeitar o direito de cada cidadão a não se vacinar, cabe às três esferas de governo adotar políticas públicas e posturas administrativas (medidas indiretas) voltadas à preservação e proteção do bem comum e da saúde pública, com vistas ao controle e à erradicação de vírus e moléstias.
"Exorbitou o município dos limites de atuação suplementar que lhe impera a Constituição Federal, no artigo 30, inciso II. Nem há falar em peculiaridade local alguma, ou em 'especificidades geográficas, econômicas e socais', que possam justificar a exclusão do município das campanhas de vacinação que a União e/ou o Estado, no exercício de sua competência, venham a implementar", disse Viotti.
Na visão do relator, a lei violou o pacto federativo, na medida em que disciplinou matéria já tratada por legislação federal e estadual, com posicionamentos contrários. Segundo ele, também não há que se falar em espaço ou omissão no regramento federal e estadual a ensejar o exercício da competência suplementar do município.
"Perfeitamente claro o intuito do legislador municipal de abrandar medidas restritivas impostas para o território nacional, proibindo a vacinação experimental (sem definir o que isto seja) e a exigência do comprovante de vacinação, impondo ainda (em manifesta invasão de competência de outras esferas da Federação), sanções penais, civis e administrativas àqueles que assim o fizessem."
O relator ainda apontou inconstitucionalidade na lei por vedar a vacinação obrigatória de menores de idade sem o consentimento de suas famílias. Além disso, afirmou que o texto feriu os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade, da precaução e da prevenção ao proibir que medidas que resguardam a saúde, como a apresentação de comprovante de vacinação, fossem adotadas no município.
"Ainda com relação à proibição da exigência do comprovante vacinal, o C. Supremo Tribunal Federal, em caso bastante semelhante ao destes autos, já se manifestou sobre o tema. Na ADPF 946, em decisão monocrática da lavra do ministro Luís Roberto Barroso, foi deferida medida cautelar para suspender legislação local que proibia a exigência do comprovante de vacinação", concluiu. A decisão foi unânime.
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Processo 2188484-96.2022.8.26.0000
Tábata Viapiana – Repórter da revista Consultor Jurídico.
Fonte: Revista Consultor Jurídico – 16/03/2023