Boas práticas no procedimento concorrencial

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O devido processo na efetividade da legislação de defesa da concorrência é algo que transcende as fronteiras nacionais e se faz presente nos debates internacionais. Tanto é que esse foi o tema da mesa de debates realizada recentemente em Istambul pela Comissão de Concorrência da Câmara de Comércio Internacional (ICC, em inglês), para promover o diálogo entre autoridades de defesa da concorrência de diversos países, organismos internacionais e iniciativa privada acerca das melhores práticas para a aplicação e obtenção de resultados das legislações de defesa da concorrência.

 

As discussões e debates do tema deram-se a partir do documento preparado pela ICC intitulado "Recommended framework for international best practices in Competition Law enforcement proceedings", cujos destaques são: transparência, engajamento, confidencialidade, devido processo/imparcialidade, não discriminação, responsabilidade e o papel do Judiciário.

 

A transparência significa que as leis de defesa da concorrência e as normas regulatórias devam ser transparentes para permitir que os agentes econômicos pautem suas condutas em conformidade com a legislação aplicada nos mercados em que operam e compreendam o procedimento para se defenderem em eventuais investigações.

 

O engajamento no devido processo exige do investigado a apresentação de suas justificativas, mas também que a autoridade explique seus argumentos acerca dos fatos e acusações em análise. A autoridade deve estar engajada no diálogo com o investigado de modo a permitir que ela teste integralmente suas teses durante a investigação e assim reduza a probabilidade de se surpreender com argumentos contraditando sua decisão.

 

A confidencialidade refere-se à habilidade da autoridade garantir aos agentes do mercado que as informações confidenciais da empresa sejam protegidas. Contudo, deve-se garantir a defesa do investigado daquilo que está sendo acusado; esta é a tensão na qual se deparará a autoridade. Para tanto, a autoridade deverá publicar guias com critérios claros e objetivos para definir quais são as informações consideradas confidenciais.

 

O devido processo deve ser uma garantia de direitos, assegurado e respeitado, dentro dos procedimentos conduzidos e estruturados pela autoridade que, deverá também, atuar com imparcialidade para garantir que a justiça seja alcançada. A autoridade também deve ser independente de qualquer influência política para poder decidir. Quando as funções investigatória e julgadora estão concentradas na estrutura da mesma autoridade, organicamente deve-se dividir tais atribuições, claramente delineando departamentos separados e independentes para exercer cada função.

 

A autoridade deve também minimizar a publicidade de casos em início de investigação e amplamente respeitar a presunção de inocência quando redigir e divulgar notas, informando que por ora não possui nenhuma conclusão quanto ao mérito da conduta. Importante também não divulgar análises não concluídas, de modo a evitar prejuízos econômicos ao investigado e também preservar a credibilidade da decisão final da autoridade, de modo que a mesma não contradiga a divulgação preliminar. Antes da decisão ser divulgada ao público, a autoridade deve notificar o investigado para que o mesmo tenha ciência e possa comentá-la.

 

O corpo técnico da autoridade deverá ser especializado e incentivar empresas investirem em programas de "compliance", fortalecendo esta cultura e considerando a adoção do compliance uma atenuante na aplicação de multas.

 

A autoridade deve aplicar a legislação de defesa da concorrência de modo não discriminatório, evitando benefícios aos interesses econômicos de empresas locais e obstruir a capacidade de agentes econômicos externos de competir. Deve também justificar sua decisão e explicar ao investigado os pontos aceitos ou não da sua defesa. Assim, previne-se para eventual contestação, ajuda a focar outras investigações e orienta as condutas empresariais.

 

Já o Poder Judiciário deve assegurar a observância ao devido processo, sobretudo quando as autoridades são da esfera administrativa. O Judiciário deve ter o poder para rever decisões, tais como a condenação aplicada, de modo a assegurar que não apenas a transparência e o devido processo legal sejam respeitados pela autoridade concorrencial, mas também verificar se o ônus da prova foi realmente confirmado pela autoridade. Para tanto, o Judiciário deve investir no treinamento de juízes para assegurar que eles estejam aptos a compreender o fundamento econômico central dos complexos casos de matéria concorrencial.

 

As recomendações das "melhores práticas" apresentadas e debatidas pela Comissão de Concorrência da ICC se adotadas, podem assegurar um maior comprometimento dos agentes econômicos na observância das leis de concorrência. Como também permitir que as autoridades concorrenciais aloquem de maneira mais eficiente seus recursos e tenham resultados mais promissores na defesa da concorrência, com decisões confirmadas pelo Poder Judiciário. Especialmente no caso brasileiro, a experiência dos órgãos que integram o denominado Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), ou seja, Cade, Seae/MF e SDE/MJ, e o intercâmbio internacional desses órgãos, como a atuação na "International Competition Network" (ICN), fez com que as autoridades brasileiras avançassem e muito nessas melhores práticas, mas sempre há algo a aprimorar.

 

Veículo: Valor Econômico


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