A proposta ainda não foi aprovada, mas algumas alterações no texto original do Projeto de Lei nº 06/2009, apesar de introduzirem diversos pontos positivos para as empresas, já são alvo de críticas e receio por parte de especialistas em direito econômico. O projeto, que prevê a reestruturação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e novas regras para o sistema de defesa da concorrência, volta agora para a Câmara com valores menores de multas e com o fim da punição para empresas que investem na exclusividade de comercialização de seus produtos.
Essa mudança foi apresentada em subemenda pelo senador José Agripino (DEM-RN) na última semana, quando o Senado aprovou o projeto. Para o advogado José Del Chiaro, ex-secretário de Direito Econômico do Ministério da Justiça, a medida é prejudicial. Segundo ele, a exclusividade é a forma clássica de fechar mercado para concorrentes.
"Nem toda exclusividade é anticoncorrencial. Algumas são conquistadas, como no caso de patentes. Mas o projeto coloca que toda prática que gere vendas exclusivas não é nociva, quando na verdade elas podem gerar efeitos anticompetitivos", afirma.
De acordo com o advogado, sócio da Advocacia José Del Chiaro, há inúmeras decisões que combatem a prática. Um exemplo brasileiro foi quando o Cade, em 2007, multou o shopping Iguatemi por firmar contratos de exclusividade e determinar um raio para que novas lojas pudessem ser abertas.
Outro caso, do ano passado, é o segundo maior valor de multa aplicado pelo Cade, que condenou a AmBev a pagar R$ 352 milhões por prejudicar a concorrência no setor de cervejas ao criar o programa "Tô Contigo", que teria induzido donos de bares e restaurantes, por sistema de bonificação, a venderem só produtos da marca. O caso está sendo discutido na Justiça e tem recurso pendente. "A tendência é que a exclusividade, no mundo todo, seja banida", afirma Del Chiaro.
Para ele, caso a prática for confirmada como sempre lícita quem perde é o consumidor, pois, sem a concorrência, os preços sobem e não há melhorias na qualidade dos produtos. Além disso, as pequenas e médias empresas também são grandes prejudicadas, pois não conseguiram ingressar e competir no mercado.
A emenda que diminui o teto das multas de 30% para 20% do faturamento também é vista como prejudicial. "Limitar o valor pode tirar o receio das empresas e a multa vai perder o efeito", afirma. O piso das multas também caiu de 1% para 0,1%. "As alterações desfiguraram o projeto e atrapalham a possibilidade de aplicação efetiva da lei. Se ela continuar assim, vai ficar mais branda que a atual." Para o ele, a Câmara deve derrubar todas as alterações.
O advogado Bruno Drago, sócio do Demarest & Almeida Advogados, aponta um aspecto positivo na questão da multa: pelo projeto aprovado no Senado, ela será aplicada sobre o faturamento da empresa no mercado afetado, ou seja, na receita apenas do ramo de atividade da empresa em que ocorreu a infração e não na do grupo inteiro - questão que era bastante discutida. "Cria-se assim um critério de proporcionalidade maior e a multa será mais correta no medida do efeito que o ato produziu", afirma. Nesse ano, o Cade aplicou multa recorde de R$ 2,3 bilhões ao "cartel do gás".
Outra mudança foi com relação ao critério para notificar as operações de concentração para controle do Cade, que será prévio com a nova lei. Hoje, apenas um dos grupos da operação deve ter faturamento superior a R$ 400 milhões ao ano e não há trava mínima. Pelo texto original, o outro tem de ter, pelo menos, R$ 30 milhões, o que afunila os casos analisados pelo Cade e tira de lá pequenas operações, que hoje são maioria no órgão. Com uma emenda, foram elevados os valores: um dos grupos deve ter R$ 1 bilhão de faturamento e o outro, R$ 40 milhões.
Segundo Bruno Drago, o projeto acaba com uma limitação da lei, a de serem submetidos ao Cade casos com empresas que têm faturamento superior a R$ 400 milhões ou 20% do mercado. "O projeto acaba com esse percentual, o que é positivo, pois ele não existe em nenhum lugar do mundo e é difícil antecipar essa análise. Mas pode haver mercados em que o faturamento não é significativo, mas existe concentração. Aumenta-se o tamanho da peneira e podem passar operações importantes que, pela lei, não precisarão de chancela do Cade."
Pelo projeto, o Cade teria 240 dias para analisar um caso, prorrogáveis por mais 90. Alterado no Senado, o prazo vai para 120 dias. "A redução é positiva para os negócios, mas não acho que o Cade tem estrutura para conseguir cumprir os prazos", diz Drago.
Veículo: DCI