Direito de desistir de algum bem adquirido após a compra é reconhecido pelo CDC, mas ainda causa confusão.
O direito ao arrependimento é um dos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor (CDC) que ainda causam confusão entre os fornecedores. Em visitas recentes a alguns estabelecimentos comerciais, questionei gerentes e vendedores sobre qual era a atitude deles quando um consumidor retornava à loja por ter se arrependido de uma compra. Alguns profissionais foram categóricos ao afirmar que, pela legislação atual, o consumidor tem o prazo de sete dias para desistir de algo que comprou.
O artigo 49 do CDC realmente estabelece que o consumidor pode se arrepender de uma compra no prazo de sete dias, mas isso vale só para as aquisições realizadas fora de um estabelecimento físico. Na porta de casa, por telefone, catálogos ou lojas virtuais – portanto, em locais nos quais o cliente não foi atrás da mercadoria e, sim, de alguma forma, ela chegou até ele. Ou seja, trata-se da compra não-presencial.
A confusão ocorre, conforme Fábio Lopes Soares, advogado, consultor e professor de Direito em Relações de Consumo na FGV-Rio, por uma questão de prática de mercado. "Algumas empresas passaram a informar a seu cliente que ele poderia retornar com o que adquiriu em sete dias para a troca, mas poucos dizem que isso só vale em caso de defeito. Como não é bem explicado, quem atende diretamente ao consumidor conclui que vale também para arrependimento."
E no caso em que o produto foi comprado numa loja física e entregue por uma virtual – uma vez que cada vez mais as redes mantêm as duas formas de comércio? Neste caso, o consumidor pode se arrepender da compra e solicitar seu dinheiro de volta?
O advogado Vinicius Zwarg, responsável pela área de Direito do Consumidor do escritório Emerenciano, Baggio e Associados, e ex-vice-presidente do Procon-SP, afirmou que a chamada "Lei do Arrependimento" nasceu no CDC com a finalidade de proteger o consumidor nas aquisições nas quais ele tem uma fragilidade maior do que se comprasse diretamente em uma loja física.
"Portanto, se ele adquiriu uma mercadoria em uma loja física, porém esta não tinha o produto e se estabeleceu que a virtual realizaria a entrega, vale o direito ao arrependimento – até porque não houve contato físico no ato da compra."
Mais dúvidas
Para esclarecer definitivamente as dúvidas, Zwarg explicou que os estabelecimentos devem se pautar na seguinte premissa: quando o item for comprado na loja física, o consumidor tem o direito à troca se o produto apresentar algum vício ou defeito. A substituição também deve ser cumprida pela loja física se, na hora da venda, foi ofertada ao consumidor a possibilidade de cancelar o negócio em caso de arrependimento ou se produto não cumprisse o que foi informado.
Já na compra não-presencial, vale o direito ao arrependimento. O consumidor tem o prazo de sete dias a partir do recebimento para dizer que não quer o que lhe foi entregue. "Quando se fala em arrependimento, se entende que a situação deve retornar ao patamar de antes da compra, ou seja, a loja tem de devolver o dinheiro ao consumidor e não substituir por outro produto", acrescentou Zwarg. Pode haver exceção se o próprio consumidor optar pela troca por outra marca ou modelo.
Outra dúvida com relação ao direito ao arrependimento é se vale também para produtos que foram utilizados pelo consumidor antes de vencer o prazo de sete dias. Para o ex-vice-presidente do Procon, a discussão é grande nesse sentido e se deve buscar um ponto de equilíbrio. Se o consumidor percebeu só na hora de usar o produto que ele não cumpre com o que foi ofertado, então pode se valer do direito de arrependimento.
Fábio Lopes concordou. "É o risco do negócio de quem está comercializando algo fora de um estabelecimento físico." Mas ele acrescentou que tanto o consumidor quanto o fornecedor devem ter bem claras as diferenças entre arrependimento e vício ou defeito.
"Se o produto chegou à casa do consumidor via compra não-presencial e, ao abrir a embalagem, ele percebeu que não era bem aquilo que pensou ser, pode recorrer ao artigo 49. Caso use e o produto não funciona direito, ele terá de exigir o conserto, a troca ou a restituição do dinheiro. Em todos os casos acima, o consumidor terá de esperar o prazo de 30 dias para a solução, conforme determinam os artigos 18 (produto) e 20 (serviços)", disse.
Prazo contado a partir da entrega
Outra dúvida é em que momento o período de sete dias deve ser contado: da compra ou da entrega. Os dois advogados afirmam categoricamente que é o da entrega, pois é só nesse momento que o consumidor passa a ter contato com o que lhe chegou às mãos. E são sete dias corridos.
"Se o produto for entregue em um domingo, o consumidor tem até o outro domingo para desistir da compra. Mas como no dia de descanso semanal é quase impossível fazer uma devolução, vale o que diz o Código de Processo Civil ao estabelecer que prevalece o primeiro dia útil", ressaltou Vinicius Zwarg.
Tendo o consumidor decidido pelo direito ao arrependimento, todas as despesas pela devolução são de responsabilidade de quem vendeu o produto. "Se o consumidor optar pela troca, aí é ele quem deve arcar com os ônus de envio", finalizou.
Bolo azedo garante indenização
O Supermercado Bahamas, de Juiz de Fora (MG), foi condenado a pagar R$ 5,54 mil de indenização a um consumidor por ter-lhe vendido um bolo azedo, que foi servido aos seus convidados por ocasião de seu aniversário. A decisão é da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que modificou a sentença de primeira instância, que havia dado ganho de causa ao supermercado.
Consta no recurso que a companheira do consumidor, em 2010, comprou um bolo de nozes no supermercado e este foi servido aos colegas de faculdade. Ao ingeri-lo, os convidados perceberam que o produto apresentava sabor estranho, mas, embaraçados, eles teriam ingerido o bolo para não ofender ao colega. Mais tarde, porém, duas pessoas passaram mal e tiveram de se dirigir ao hospital.
"Apesar de ter sido mantido resfriado até o momento de ser comido e do prazo de validade não estar vencido, o bolo estava contaminado. A situação foi constrangedora e desagradável. Até hoje sou conhecido como 'o homem do bolo azedo' e sou alvo de zombarias", declarou o autor da ação.
Em sua defesa, o supermercado alegou que o consumidor não comprovou que o bolo foi comprado em seu estabelecimento nem que ele estava azedo. Acrescentou que ele poderia ter mantido o bolo fora da geladeira, o que comprometeria o alimento. A empresa afirmou ainda que houve má-fé na apresentação do atestado médico que provaria os efeitos do bolo estragado, pois a data do documento seria anterior ao consumo. "Nenhum dos colegas dele teve intoxicação alimentar e ele mesmo não deu provas de que tenha havido dano moral", argumentou a defesa.
Para a desembargadora Márcia Balbino, "é no mínimo constrangedor o aniversariante ver seus convidados comerem um bolo estragado e saber que alguns dos presentes passaram mal após a ingestão do produto". A magistrada lembrou, ademais, que testemunhas confirmaram que o aluno passou a ser chamado pelo apelido de "Azedinho".
A relatora, entendendo que ocorreu quebra na relação de confiança com o fornecedor causadora de medo e sensação de impotência, acrescentou que "a venda de produto impróprio para consumo ofende o consumidor e enseja dano moral". E completou: "Se o bolo foi adquirido dentro da data de validade e mantido refrigerado até o momento de ser consumido, a única conclusão possível é que ele já estava estragado desde o momento em que foi vendido".
O QUE DIZ O CDC
Artigo 18
Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não-duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.
§ 1° - Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;
II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
III - o abatimento proporcional do preço.
Artigo 20
O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
I - a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível;
II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
III - o abatimento proporcional do preço.
Artigo 26
O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:
I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não-duráveis;
II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis.
Artigo 30
Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.
Artigo 49
O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de sete dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.
Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.
Veículo: Diário do Comércio - SP