A reestruturação do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), aprovada pela Câmara dos Deputados na última quinta-feira, vai esbarrar na falta de estrutura e na necessidade urgente de contratação de pessoal, antes de tornar os órgãos de defesa da concorrência mais ágeis e eficientes. O projeto, que seguiu para sanção da presidente Dilma Rousseff, reduz significativamente o valor das multas cobradas de empresas que infringem as regras de concorrência e exclui o critério "concentração de mercado" na hora de analisar as fusões.
Na opinião do presidente da Comissão de Direito da Concorrência e Regulação da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Minas Gerais (OAB-MG), Paolo Zupo Mazzucato, a unificação dos órgãos é um aspecto positivo do projeto, já que existe hoje excesso de guichês e burocracia no sistema. Entretanto, ressalta, o Cade continua instalado em local que já não comporta suas atividades e não tem pessoal em número suficiente para atender à demanda. E não será simples, nem rápido, realizar concurso público e dar posse aos servidores para que a nova estrutura entre em vigor.
Para agravar a situação, a notificação prévia de casos (que determina que as fusões e aquisições somente sejam concluídas após a aprovação do Cade), acredita Mazzucato, embora tenha um lado muito relevante, vai exigir ainda mais do órgão. "A notificação prévia permite que o Cade tome suas decisões, por exemplo, de desfazer fusões com menos trauma para o mercado e para o próprio órgão, mas não dará celeridade nem contribuirá para reduzir o tempo de tramitação dos processos, que dependem muito mais da complexidade dos casos", salienta. Novamente o Cade esbarra, segundo o advogado, em sua estrutura reduzida e na necessidade de contratação de pessoal.
Outro aspecto que merece críticas refere-se à alteração dos valores para que sejam analisadas as fusões. Hoje, leva-se em conta o faturamento de uma das partes e a concentração de mercado provocada pela fusão. Este segundo critério vai desaparecer. "O que se alega é que a concentração de mercado é controversa, gera polêmica sobre qual mercado será afetado", explica Mazzucato.
O risco, alerta, é que se o parâmetro for apenas o faturamento (R$ 400 milhões de uma empresa e R$ 30 milhões da outra), em um mercado geograficamente mais restrito - caso de um município - ou de produtos de menor valor agregado, poderá haver fusão entre empresas que faturam abaixo do valor estipulado, mas que juntas vão praticar uma concentração prejudicial. "A vantagem de o critério ser somente o faturamento é que é mais fácil apurar se existe concentração ou não", deduz.
Por outro lado, é importante para o Cade aprimorar seu filtro e reduzir o número de casos que chegam ao órgão. Hoje, de acordo com Paolo Mazzucato, 93% das demandas que chegam ao órgão são aprovados sem restrição.
A nova regra vai também reduzir as multas cobradas dos infratores. O projeto aprovado mexeu na base de cálculo, que é de 1º a 30% do faturamento bruto e passará a ter as mesmas alíquotas, porém incidindo sobre o faturamento bruto da empresa no mercado relevante. "Pode ser um critério mais justo, mas vai estimular as infrações", prevê.
Case - Como exemplo, ele relembra o caso que envolveu Varig, Vasp, Transbrasil e TAM num suposto acordo para reajuste das passagens aéreas entre Rio de Janeiro e São Paulo. As empresas não mexeram nos preços de outros trechos. Constatada a infração, elas foram multadas com base no faturamento bruto de cada uma, mas se fosse pelas regras atuais pagariam sobre o que faturaram apenas nas viagens realizadas entre Rio e São Paulo.
Existe um outro aspecto da lei aprovada que ainda vai gerar dor de cabeça. De acordo com Mazzucato, por um equívoco, os parlamentares deixaram de definir as regras para inspeção em empresas em análise pelo Cade. Hoje, elas devem ser comunicadas com 24 horas de antecedência, o que deve ser feito das 6h às 18h. O novo texto não fala nada sobre isto, o que vai gerar questionamento e até ações na Justiça.
Veículo: Diário do Comércio - MG