As grandes redes varejistas devem entrar com mais ações na Justiça para responsabilizar as empresas de logística, suas contratadas para fazer as entregas aos clientes, pelo pagamento das multas que elas acabam arcando por atrasos ou problemas no envio das mercadorias. Segundo a advogada Ana Paula Oriola de Raeffray, sócia do Raeffray Brugioni Advogados, as lojas de eletroeletrônicos, grande fatia das prejudicadas, devem procurar a Justiça caso venham a ser autuadas - o que, na época de Natal, é bastante possível.
A briga entre as varejistas e as terceirizadas de logística começa na compra. O consumidor adquire o produto, virtual ou pessoalmente, e a entregadora não cumpre o prazo estipulado. Segundo o Procon-SP, em levantamento relativo a esse ano, metade das empresas que operam no estado descumprem a Lei da Entrega (Lei 13.747, de 2009), que obriga os fornecedores a fixar data e turno para a entrega de produtos ou realização de serviços aos consumidores. Em 2009, 65% das lojas descumpria a norma.
Desde 2009, o Procon-SP já aplicou 472 multas, num total de quase R$ 50 milhões. O valor da multa pode chegar a R$ 3,2 milhões. A lei determina que as empresas fixem data e turno para a entrega de produtos e realização de serviços; os turnos são das 8h às 12h, das 12h às 18h e das 18h às 23h. O fornecedor deve informar previamente as datas e turnos disponíveis e fica a critério do consumidor a escolha dentre as opções apresentadas.
O "problema" é que apenas as vendedoras, como supermercados e grandes magazines, pagam a conta (ou a discutem na esfera administrativa e judicial, o que gera novos gastos). Isso sem contar que são as vendedoras os alvos das ações de consumidores lesados, que podem, por exemplo, acionar as empresas por danos morais.
"As empresas suportam esse ônus das multas, mas buscam, por meio de uma espécie de ação de regresso, o ressarcimento do dinheiro e das despesas que arcam para se defender junto aos órgãos de defesa do consumidor por conta da chamada responsabilidade solidária", afirma a advogada Ana de Raeffray. Segundo ela, as companhias têm buscado, com sucesso, quebrar a solidariedade prevista do Código de Defesa do Consumidor e provar que não deram causa ao dano. Os supermercados são os mais preocupados e interessados na tese.
De acordo com Ana Paula, os problemas nas entregas, que vão desde atraso e serviço mal feito até desrespeito a lei e danos nos produtos, podem ensejar ainda uma ação de dano à imagem comercial da marca, que pode sair arranhada após diversas notícias de transtornos de consumidores, causados, na verdade, pela terceirizada.
Nos próximos dias, o Procon deve fazer grande fiscalização também nas empresas de logística por conta dos atrasos - os focos serão as regiões de Jundiaí e Campinas, maior concentração destas empresas. A ideia é apertar o cerco para o cumprimento da Lei da Entrega. "No próximo ano também deve haver uma fiscalização intensa, antes concentrada nas vendedoras, o que pode aumentar o número de ações", afirma a advogada. Para ela, não será tarefa fácil obrigar as empresas de logística, terceirizadas, a cumprir as determinações.
A especialista afirma que são rotineiras as discussões judiciais sobre a quebra de solidariedade. E as decisões têm sido favoráveis. "As empresas precisam provar que quem causou o dano foi outro membro da cadeia. Por isso, é importante se preparar nas ações de responsabilidade civil. Com boas provas, há bons resultados", afirma Ana Paula.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), presidido pelo ministro Ari Pargendler, já tem entendimento firmado no sentido de reconhecer a responsabilidade solidária entre o fabricante e o comerciante de veículos. Ao julgar um recurso especial, a 4ª Turma afirmou que, "considerando o sistema de comercialização de automóvel, através de concessionárias autorizadas, são solidariamente responsáveis o fabricante e o comerciante que aliena o veículo" - o que, inclusive, permite que a demanda seja direcionada contra qualquer um deles.
Em maio desse ano, por decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a Lojas Americanas foi obrigada a não negociar produtos pela Internet até a entrega de todas as mercadorias vendidas no comércio virtual.
O grupo B2W, que congrega Americanas.com, Submarino e Shoptime, podem ter suas atividades suspensas por reincidência no descumprimento da Lei da Entrega. No início de novembro, o Procon-SP afirmou que poderia suspender a por 72 horas a venda de produtos pela B2W no estado de São Paulo.
A empresa também poderá pagar uma multa de R$ 1,7 milhão, da qual cabe recurso administrativo. De novembro de 2010 a janeiro de 2011 cresceu 79% o número de reclamações de consumidores com problemas de entrega de produtos e serviços (4.838 queixas, contra 2.690 no mesmo período anterior). Algumas lojas virtuais cobram à parte para a entrega com hora marcada, o que para o Procon é ilegal.
Veículo: DCI